O reputado ensaísta, professor emérito do King’s College de Londres e vencedor do Prémio D. Diniz/2018 pela sua obra “Camões e Outros Contemporâneos” comentava assim uma hipotética apreciação dos dois escritores, caso tivessem oportunidade de assistir ao momento que se vive atualmente na Europa.

“[Diriam] palavrões de toda a ordem. Acho que se reuniam os dois a tomar um copo e iam pelo vocabulário todo hispano-português [para descrever isto]. Está nojento. E não só na Europa. O que aconteceu no Brasil foi inacreditável. O que está a acontecer em Inglaterra parece uma daquelas operetas, estilo viúva alegre, mas com má música. Ao menos que desse para dançar, mas nem isso”, comentou o escritor, que vive em Inglaterra e esteve hoje em Lisboa para apresentar um livro de ensaios.

Hélder Macedo referiu que os dois autores foram influentes na literatura europeia, seja Cervantes, do qual é devedora a literatura inglesa do século XVI em diante e “que mudou a perceção do que veio a ser a ficção moderna”, seja Camões, cuja obra “Os Lusíadas” foi usada como referência na “Paradise Lost de John Milton”.

“Infelizmente, Camões não tem sido tão valorizado como mereceria ser, em parte por culpa da imagem oficial projetada”, continuou.

Para Hélder Macedo, deveriam ser mais valorizados aspetos do poeta como o seu “mau comportamento” que estava também ligado à inovação e ao risco, para captar mais a atenção das pessoas.

“Transformá-lo em monumento nacional… dá para o Largo do Chiado, mas não mais”, ironizou.

O livro de ensaios “Camões e Cervantes – Contrastes e Convergências”, publicado pelo Camões – Instituto da Cooperação e da Língua e pelo Instituto Cervantes, foi hoje lançado em Lisboa como forma de “homenagem aos dois maiores expoentes da literatura ibérica e europeia”.

O livro é composto por dois ensaios, o primeiro dos quais da autoria de Hélder Macedo, que reflete sobre “Luís de Camões: os opostos complementares”, colocando o poeta como o “pioneiro da moderna consciência universalista”.

O segundo ensaio é assinado por Carlos Alvar e centra-se em Miguel de Cervantes, tendo como título “O pintor de Lisboa (Os trabalhos de Persiles e Sigismunda,iii,1)”, com a presença da cidade na obra do autor espanhol.

Abordando os contrastes e convergências entre os dois escritores dos séculos XVI/XVII, estes ensaios sublinham o facto de Camões ter escrito em castelhano e de Cervantes se ter referido várias vezes a Lisboa.