No condomínio os Jardins da Arrábida, em Vila Nova Gaia, os 161 condóminos vivem aterrorizados com a presença de um Dobermann preto, de grande porte. Ao todo já foram três ataques, dois deles que levaram a assistência hospitalar e o último envolveu uma família com duas crianças pequenas.
Um dos primeiros ataques foi a uma visita vinda do Brasil que estava a passar uns dias com a sobrinha, que vive num dos edifícios do condomínio. Ao entrar no prédio no dia 23 de outubro de 2022, a mulher, com cerca de 50 anos, acompanhada do marido, foi surpreendida pelo Dobermann que a atacou durante 30 segundos seguidos até ser salva pelo marido que conseguiu afastar o cão enquanto este mordia a mulher.
A mulher acabaria por ter de ser transportada de ambulância para o hospital, "a pingar sangue", onde levou pontos em várias partes do corpo, nomeadamente braços e pernas.
(As imagens que se seguem podem chocar os leitores mais sensíveis)
Em entrevista ao SAPO24 a sobrinha Maria (nome fictício), proprietária da casa nos Jardins da Arrábida sublinha que a tia "ficou muito traumatizada. Agora não pode ver cães".
Depois do ataque e das queixas apresentadas quer à polícia, quer à Câmara de Gaia, o cão ficou 15 dias num canil. "Passados esses 15 dias, voltou para prédio e desde então a única mudança no comportamento dos donos foi diminuir a trela e colocar um açaime no animal", refere Maria. Contudo, no vídeo do ataque mais recente é possível ver que o cão não usa açaime.
A moradora sublinha também que o cão passa o dia numa escola para animais, para onde vai por volta das 9h00 da manhã nos dias úteis e é, normalmente, passeado de noite, por volta das 23h00, por um senhor idoso, pai da tutora do animal, ou a própria tutora, ambos sem capacidade para o conter. Aos fins de semana os passeios são feitos com mais frequência e, por isso, levanta mais preocupações no prédio.
Esta condómina não ficou contente com a curta punição do animal e dos donos comparado com os danos físicos e psicológicos provocados à sua familiar e avançou com um processo no Julgado de Paz, que ganhou. Porém, apesar de terem ganhado o processo, o valor que a tutora do cão devia ter pago nunca chegou a Maria, ou à tia até aos dias de hoje.
"Ela disse que não ia pagar. Diz que é advogada também, que sabia dos direitos dela. E que não adiantava a gente processar. Por mais que o cão tenha causado danos psicológicos e físicos, estragado roupa e uma pulseira de ouro", recorda Maria.
Depois destes eventos, a tia de Maria viu-se ainda forçada a terminar a viagem mais cedo. "Ia ficar três dias em Lisboa. Mas, estava tão magoada que quis voltar logo para casa".
Já para o condomínio este evento mudaria para sempre a convivência entre os vizinhos. Também em entrevista ao SAPO24 a administradora do prédio o Edifício Pinheiro, Alexandra Aires Pereira, não mede as palavras e refere-se ao animal como o "cão assassino", tal é a brutalidade demonstrada pelo animal e a indiferença dos donos.
"Eles são inquilinos, nem são proprietários. Já alertámos o senhorio, e o senhorio não faz nada. Renovou o contrato É inadmissível", sublinha.
Familiarizada com os vários casos de ataques do animal e envolvida nas queixas crime feitas pelas vítimas, diz que neste momento o prédio "vive no medo". Para dar um exemplo, a administradora confessa "Não circulo com a minha neta pelo prédio. E mesmo assim tenho o azar de me cruzar com o senhor e o cão na minha garagem".
Depois do evento com a tia de Maria, a administradora fez questão de convocar uma reunião de condomínio para alertar todos os proprietários para este problema, e lembrar os estatutos do prédio em relação a cães. Que dizem que os cães e donos não devem circular no mesmo elevador que outros moradores, caso estes não o desejem, além disso, todos os animais devem andar de trela e açaime dentro do prédio. Esta última determinação raramente é cumprida.
"Na altura, fizemos uma sessão de esclarecimento, em que eu alertei para o perigo que estávamos a correr, o que tinha ocorrido. Esteve a sobrinha da vítima a fazer o seu testemunho, muito serena. E de repente aparecem os donos do cão, que nunca aparecem em reuniões, porque inquilinos não são proprietários", recorda. "Estavam a impossibilitar que eu e o meu colega da administração fizéssemos a reunião".
Depois deste evento o prédio vive aquilo que descreve como um "clima complicado". "Há o team cão e o team não-cão".
Após este evento, o condomínio dos Jardins da Arrábida iria viver no medo mais algum tempo até um próximo ataque, desta vez no edifício Jacarandá, prédio em frente, já este ano.
"Hoje em dia tenho medo de andar na rua"
O ataque mais recente foi a Mariana Tenreiro, em maio de 2024, quando estava a chegar a casa na noite de um sábado, acompanhada pelos dois filhos, de três e quatro anos, e o marido.
"Nós estávamos a chegar a casa a pé, tínhamos ido ali ao supermercado, que é ao lado. Eu estava com o meu marido e com os meus dois filhos. Estava com o mais pequeno e o meu marido ia de mão dada com a mais velha. E estávamos só na conversa, eles nem iam particularmente irrequietos, nem nada. Nem estavam a fazer barulho, estávamos a falar. Eram 9h00 da noite", recorda ao SAPO24.
"Estávamos a passar no prédio atrás do nosso, e de repente, vimos um cão, um Dobermann, sair do prédio com um senhor. Estava de trela na altura, só que ele olhou para nós e ao mesmo tempo ficou agitado e soltou-se da trela e do açaime, que não estava bem colocado. E veio a correr na direção do meu filho pequenino. Eu só tive tempo de agarrar nele. Virei-me de costas e cão atirou-me ao chão" lembra.
"A minha sorte é que eu caí e enrolei-me no meu filho, por isso consegui protegê-lo. E o meu marido largou a minha filha e arrancou o cão de cima de mim", recorda. Depois disto, fugiu com os filhos para dentro do prédio e o marido ficou a agarrar no cão. A dona viria mais tarde, porque quem estava a passear o animal era o pai da dona.
Entretanto, foi chamada a polícia e Mariana foi para o hospital e ficou com uma cicatriz "bastante grande", para onde, ainda hoje, sete meses depois lhe custa olhar.
"O mais importante da nossa história é que tínhamos duas crianças e se ele tivesse apanhado o meu filho, se eu tivesse caído mal, se eu estivesse sozinha, ele tinha matado o meu filho. Ele esteve três segundos em cima de mim e fez-me aqui uma feriada grande, imagine-se o que teria feito a uma criança pequena", sublinha.
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Depois de feita a denúncia, com várias testemunhas e vídeos apresentados, nunca mais aconteceu nada. "Disseram que nós íamos ser chamados para investigação e até agora nada, não fomos, nunca mais nos contactaram".
Como principal consequência deste ataque, aponta a perda total de qualidade de vida: "Hoje em dia tenho medo de andar na rua", afirma. "Os meus filhos andam no colégio a três minutos a pé de casa e, desde daí, tiramos o carro da garagem e vamos levá-los ao colégio. Nunca mais andei a pé, nunca mais no passeio, ali na zona", sublinha.
Da parte dos tutores do cão, Mariana e a família não tiveram qualquer reação com vista a encontrar uma solução para o problema do animal. "A senhora, na altura, ainda foi lá bater a casa, mas só para dizer que tinha os seus direitos, nem quis saber se estávamos bem ou não. Por isso nós nunca mais falámos com ela". Entretanto continuam a ver o cão a ser passeado pelo senhor, pai da dona, que na opinião de Mariana também não o consegue conter.
Neste momento o processo está entregue a um advogado e esperam o contacto da Câmara de Gaia para intervir, porém a perda de qualidade de vida é tanta que a família já considera mudar de casa. "Enquanto isto não se está a resolver, eu prefiro mudar de sítio. Até por causa do trauma. Muitas vezes ainda vou dormir e vejo a imagem do cão. Foi o maior susto da minha vida. Achei mesmo que o pior podia acontecer", não esconde.
A acrescentar a este problema têm também de lidar com o trauma dos filhos que se recordam do evento. "Principalmente o pequenino ficou com medo, que nunca tinha mostrado. Estamos a tentar lutar contra isso".
Depois de conhecer estas histórias o SAPO24 questionou diversas autoridades acerca do que pretendiam fazer em relação a este cão no condomínio dos Jardins da Arrábida.
Por parte da divisão da Câmara de Gaia, responsável pela interversão animal, a "PATA - Plataforma de Acolhimento e Tratamento Animal", sublinhou não terem conhecimento sobre este cão e aconselharam os munícipes a fazer queixa junto das autoridades competentes, sugerindo a BRIPA (Brigadas de Proteção Ambiental da Polícia de Segurança Pública) ou o SEPNA (Serviço de Proteção da Natureza e do Ambiente da GNR).
O SAPO24, contudo, teve acesso à documentação das queixas que ambas as vítimas fizeram, nomeadamente denúncias feitas à Câmara de Gaia e visitas ao canil municipal.
Uma preocupação levantada junto das autoridades pelo SAPO24 foi precisamente o ataque a crianças, sendo que o cão vive numa zona a pouca distância de duas escolas: os colégios Horizonte e Cedros. Bem como o facto de a administradora do prédio denunciar que os ataques são sobretudo a crianças e mulheres.
Até ao momento de publicação deste artigo nem a PSP, nem a GNR responderam às nossas dúvidas no sentido de explicarem que medidas estavam a ser postas em prática em relação a este animal que atacou uma família em maio deste ano.
Sublinha-se que a GNR, classifica como "cão perigoso" qualquer cão que: tenha mordido, atacado ou ofendido o corpo, ou a saúde de uma pessoa, tenha ferido gravemente, ou morto um outro animal, fora da esfera de bens imóveis que constituem a propriedade do seu detentor, tenha sido declarado, voluntariamente, pelo seu detentor, à junta de freguesia da sua área de residência, que tem um carácter e comportamento agressivos ou tenha sido considerado pela autoridade competente como um risco para a segurança de pessoas ou animais, devido ao seu comportamento agressivo, ou especificidade fisiológica.
O Dobermann que ameaça este condomínio em Gaia insere-se dentro de algumas destas categorias.
Em Portugal, estão previstas como raças potencialmente perigosas , bem como o resultado dos cruzamentos entre elas: Cão de fila brasileiro, Dogue argentino, Pit bull terrier, Rottweiller, Staffordshire terrier americano, Staffordshire bull terrier e Tosa inu. Porém isto não impede que cães de outras raças possam também representar perigo no caso de já terem feito ataques como o do condíminio Jardins da Arrábida, apesar de até agora este cão não ser considerado oficialmente perigoso.
*O SAPO24 tentou junto da administração do condomínio ter acesso ao contacto dos tutores do cão, contudo até à data de publicação deste artigo não foi possível.
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