Em declarações à agência Lusa, o advogado do antigo apresentador de televisão, Ricardo Sá Fernandes, explicou que a decisão hoje conhecida é suscetível de recurso por parte do Estado português, que tem até final de setembro para o fazer.

“Com base na decisão [conhecida hoje] temos fundamento para pedir revisão do processo. Podemos ir junto do Supremo Tribunal de Justiça e dizer que estes elementos que não foram e deviam ter sido considerados são aptos a suscitarem uma grande dúvida sobre a justiça da condenação”, explicou Ricardo Sá Fernandes.

O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH) deu razão ao antigo apresentador de televisão na parte de uma queixa que este tinha apresentado referente à recusa de provas submetidas pela defesa no processo Casa Pia.

“Deu-nos razão na circunstância de termos usado vários novos meios de prova quando recorremos para o Tribunal da Relação, designadamente algumas das retratações feitas por algumas das pessoas ouvidas, Carlos Silvino e alguns dos jovens ofendidos, que se retrataram, pediram para ser ouvidos pelo tribunal e o tribunal não os ouviu”, explicou Sá Fernandes.

O advogado de defesa de Carlos Cruz acrescentou ainda que esta parte da queixa a que o TEHD deu razão abrangia também nos novos meios de prova apresentados documentos relativos a vários dos arguidos “que demonstravam que as declarações que tinham prestado em primeira instância não eram credíveis”.

“O Tribunal da Relação também não atendeu a esses documentos”, acrescentou Sá Fernandes, explicando que o tribunal europeu considerou que “a circunstância de não terem sido ponderados estes meios de prova fez com que o julgamento do recurso do Carlos Cruz não tivesse seguido os princípios de um processo equitativo”.

Sá Fernandes considera esta decisão do TEDH importante não só para o seu caso, mas para o futuro da justiça em Portugal, sublinhando: “O recurso sobre a matéria de facto é tão restrito, tão restrito que às vezes não é recurso nenhum”.

“Isto vem chamar a atenção para os agentes da justiça em Portugal que um verdadeiro recurso sobre matéria de facto, por vezes, implica a produção de prova na segunda instância”, afirmou.

Ao fim de 30 anos de vigência do Código do Processo Penal português, “apesar de prevista [a apresentação de nova prova a um tribunal superior] não conheço um único caso a quem isso tenha acontecido”, disse.

“Esta decisão faz justiça e pode abrir luz para uma alteração das mentalidades em Portugal para o que deve ser um recurso sobre matéria de facto”, acrescentou.

Sá Fernandes explicou ainda que, nesta decisão, o TEDH não deu razão a Carlos Cruz ao facto de no julgamento em Portugal a defesa não ter podido confrontar os jovens com as declarações que tinham prestado no inquérito, “que eram incompatíveis com aquilo que disseram em julgamento”.

“O Tribunal Europeu entendeu que isso, independentemente de dever ou não ser feito, não punha em causa o resultado final do processo”, afirmou.

Sobre uma eventual indemnização – Carlos Cruz tinha pedido uma indemnização apenas por danos morais -, o TEDH entendeu que, havendo apenas danos morais, a declaração pelo tribunal de que a parte tem razão é uma satisfação moral suficiente.

“E para mim é uma satisfação moral suficiente”, acrescentou.

Carlos Cruz foi condenado em 2010 por abuso sexual de menores, no âmbito do processo Casa Pia. Cumpriu dois terços da pena de seis anos de cadeia e saiu em liberdade em julho de 2016.