Este megaprocesso, que já vai nos 215 volumes após uma acusação com mais de quatro mil páginas, começa a ser julgado mais de uma década após o colapso do Grupo Espírito Santo (GES), em agosto de 2014.

O caso tem como principal arguido o ex-presidente do BES Ricardo Salgado, que foi acusado de 65 crimes, entre os quais associação criminosa, corrupção ativa, falsificação de documento, burla qualificada e branqueamento.

A morosidade do processo já fez tombar algumas acusações, tendo no início deste mês o Juízo Central Criminal de Lisboa declarado a prescrição de 11 crimes, três dos quais imputados pelo Ministério Público (MP) ao antigo presidente do GES Ricardo Salgado.

O ex-banqueiro, que estava inicialmente acusado de um total de 65 crimes, vai agora ser julgado por 62 ilícitos criminais, após terem prescrito dois crimes de falsificação de documento e um de infidelidade.

O levantamento dos crimes em risco de prescrição recentemente realizado pelo MP indica ainda que Ricardo Salgado pode ver cair, em finais de novembro próximo, mais um crime de falsificação e outros dois crimes no final de dezembro.

Em janeiro de 2025 prescrevem mais três crimes de falsificação de documento, no final de fevereiro cai um de infidelidade e até 28 de março tombam outros três de infidelidade.

Volvida mais de uma década sobre a derrocada do BES/GES e o início da investigação, há mais crimes em risco de prescrever até ao final do primeiro trimestre de 2025, nomeadamente dos arguidos Francisco Machado da Cruz, Amílcar Morais Pires, Pedro Góis Pinto, Pedro Almeida e Costa, Cláudia Boal Faria, Etienne Cadosch, Michel Creton, João Alexandre Silva e Nuno Escudeiro.

Apontado como um dos maiores processos judiciais da história da justiça portuguesa, este caso, investigado pelo Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) do MP, juntou no processo principal 242 inquéritos, (que foram sendo apensados) e reuniu queixas de mais de 300 pessoas, singulares e coletivas, residentes em Portugal e no estrangeiro.

Devido à vastidão de crimes, arguidos, assistentes, testemunhas, factos e documentos que integram este caso, o processo informático do BES tem oito terabytes de informação, correspondente a muitos milhares de ficheiros.

Julgamento transmitido em direto

Entretanto, a sala de julgamento do caso BES no Tribunal Central Criminal de Lisboa, no Campus de Justiça, Lisboa, vai ter 67 lugares para advogados de defesa e dos assistentes, além de acolher 16 arguidos singulares e algum público.

O julgamento será transmitido em direto para duas salas de imprensa nos edifícios A e B do Campus de Justiça, com capacidade para 32 profissionais de comunicação social, e estão a ser avaliados outros espaços para permitir o acompanhamento à distância por mais assistentes e público em geral.

Para o julgamento, presidido pela juíza Helena Susano, foi afeto, em exclusivo, um escrivão auxiliar, que será secundado, quando tal se revele necessário, por uma escrivã auxiliar e pelos demais oficiais de justiça em exercício de funções na unidade de processos em causa.

Os sistemas de som, registo de prova e comunicações à distância têm vindo a ser testados, tendo sido disponibilizados equipamentos informáticos e tecnológicos, incluindo computadores e ecrãs para visualização de documentos. O sistema de videoconferência está em fase de finalização.

Segundo o Ministério Público, a derrocada do GES terá causado prejuízos superiores a 11,8 mil milhões de euros.

Mais de 2000 lesados

A derrocada do BES/GES provocou perdas milionárias em acionistas, credores e clientes, havendo atualmente mais de 2.000 clientes lesados que conseguiram o estatuto de vítima em tribunal e exigem indemnizações.

A resolução do BES, em 03 de agosto de 2014, provocou perdas em acionistas e detentores de dívida, desde pequenos investidores a grandes fundos de investimentos (como Blackrock e Pimco).

De todos estes, tornaram-se mais vocais os clientes que tinham comprado dívida de empresas do Grupo Espírito Santo (designadamente papel comercial) aos balcões do Banco Espírito Santo (BES) e que nos últimos 10 anos se desdobraram em dezenas de manifestações. Os protestos sucederam-se frente ao Banco de Portugal, ao Novo Banco, ao Palácio de Belém e até em Paris.

Devido a essa pressão pública, soluções para estes lesados foram sendo negociadas, mas apenas algumas concretizadas (caso da solução de recuperação parcial para os lesados do papel comercial). Há clientes lesados que não tiveram qualquer solução ou que não aceitaram as soluções propostas e continuam a reclamar a totalidade do dinheiro perdido.

Com força legitimada por este estatuto, pedem indemnizações por terem sido vítimas de dano patrimonial e moral no âmbito de um crime. O valor reclamado é de pelo menos 300 milhões de euros, incluindo danos morais.

Em meados de agosto, a associação de lesados ABESD (Associação de Defesa dos Clientes Bancários) lamentou que, 10 anos passados sobre o colapso do GES/BES, nenhuma medida concreta de proteção às vítimas tenha sido tomada e considerou que isso reforça a sensação de que o sistema judicial "falha em oferecer justiça material”.

A associação de lesados apelou, em comunicado ao Ministério Público para que se mobilize "em torno de soluções que devolvam aos lesados aquilo que lhes foi tirado".

"A justiça não se faz apenas com a punição dos culpados, mas, acima de tudo, com a reparação das vítimas", afirmou a ABESD, considerando que a falta de compensação leva a “questionar a eficácia de um sistema que, embora rigoroso nas suas investigações, mostra-se lento e insuficiente na reparação dos danos”.

O comunicado recordava o caso Bernard Madoff, nos Estados Unidos da América, referindo que aí o Departamento de Justiça tomou medidas proativas para garantir a restituição dos bens às vítimas antes ainda da sentença.