Em entrevista à CNN Portugal, Cavaco Silva disse que, durante a liderança de Rui Rio, o PSD “quase que pareceu um partido regional”, afirmando ainda que o partido foi “suporte do PS” e que Rio permitiu que este fosse “humilhado” pelos socialistas.

“Penso que muitos eleitores viram ao longo do tempo um PSD que era suporte do PS, quando às vezes era mesmo humilhado em debates na Assembleia da República pelo PS”, disse.

O também antigo primeiro-ministro e líder dos sociais-democratas considerou também “um erro o PSD deixar-se enlear na dicotomia direita-esquerda”, sublinhando que tal “era uma armadilha montada pelo PS e por alguns órgãos de comunicação social para desqualificarem o PSD e impedirem que alguns votantes saíssem do PS para votar no PSD”.

Cavaco Silva teceu também duras críticas à transição de liderança no PSD, considerando-o "um absurdo total".

“Foi muito negativo para o PSD nos últimos tempos o arrastar da situação da escolha do novo líder. Cinco meses sem líder: as eleições a 30 de janeiro e o novo líder em plena efetividade de funções ao fim de cinco meses, isto é um absurdo total”, lamentou.

O antigo presidente do PSD deixou ainda um elogio ao recém-eleito líder dos sociais-democratas: “Tenho a ideia de que o doutor Luís Montenegro tem muito claro na sua cabeça como é preciso fazer oposição neste momento para dar um futuro melhor ao nosso país”, disse.

Rui Rio confirmou em 03 de fevereiro que iria deixar a liderança do PSD na sequência da derrota eleitoral das legislativas de 30 de janeiro, mas Luís Montenegro – eleito em diretas no passado sábado com 72,5% dos votos contra Jorge Moreira da Silva – só assumirá funções plenas depois do Congresso do PSD, que se realiza entre 1 e 3 de julho.

O PSD “tem que ser muito claro na identificação do adversário político: o PS e o seu Governo”

“O que eu penso sobre o futuro do PSD é que ele se deve dirigir a todos aqueles eleitores que não estão satisfeitos com a forma de governar do PS. A todos: aqueles que votaram no PCP, aqueles que votaram no Chega, na Iniciativa Liberal e até os que votaram no PS. Através de políticas alternativas, através de ideias novas, diferentes e ganhando credibilidade para os portugueses serem convencidos de que podem fazer mais e podem fazer melhor”, considerou.

Para Cavaco Silva, "o PSD deve dirigir-se a todos os que não estão satisfeitos com o PS e não preocupar-se muito com as lideranças dos outros partidos, exceto a do PS".

Segundo o antigo presidente dos sociais-democratas, “para trazer aqueles que se afastaram eventualmente do PSD para votar noutros partidos” não se pode criticar esses eleitores.

“Não é através de insinuar que eles foram menos inteligentes ao votar neste ou naquele partido. Não, eu acho que o PSD deve respeitar todos os eleitores, votem eles como votarem e depois, tentar convencê-los pelas políticas que propõem, pelas ideias que defendem, e muito importante, pela denúncia dos erros, das omissões, das atitudes eticamente reprováveis do PS”, afirmou.

Questionado sobre estas atitudes, Cavaco Silva referiu a polémica com a nomeação do almirante Gouveia e Melo para Chefe do Estado-Maior da Armada, “o afastamento da Procuradora-Geral da República” ou a escolha do procurador europeu, José Guerra.

“Até de alguma forma indo contra as regras normais de uma democracia e do Estado de direito e ao PSD compete neste momento denunciar tudo isto. Quanto a mim, não gastava muto tempo com qualquer um dos outros partidos, cada um vai à sua vida”, disse.

Neste contexto, Cavaco Silva recomenda uma oposição sistemática do PSD ao PS, mas como “adversário político e não como inimigo”.

“O PS é um grande partido e o PSD deve ter contactos com o PS em determinadas matérias como seja a defesa nacional, a política externa, a União Europeia, são matérias em que os dois grandes partidos devem ter um contacto permanente. Mas em relação ao resto, o PSD tem que ser muito claro na identificação do seu adversário politico: é aquele, não são os outros partidos”, vincou.

Surpreendido com “apatia” dos sociais-democratas Cavaco diz que é “fundamental acordá-los”

“E enquanto isso o que é que acontecia? A pandemia, a guerra na Ucrânia, havia o Orçamento do Estado, o programa de Governo, o Programa de Estabilidade e o PSD não contava, não contava porque não havia líder, eu não consigo entender. Naquele tempo em que eu conheci o PSD com militantes muito enérgicos, muito dinâmicos, eu penso que se fosse nesse tempo, ocorreria uma revolução dos militantes, que se levantavam", disse.

E vincou: "Surpreende-me muito esta apatia dos militantes do PSD. É fundamental acordá-los”.

Cavaco Silva reconheceu que “nas últimas eleições legislativas as coisas não correram bem para o PSD”, uma vez que os eleitores não viram o partido como “uma verdadeira alternativa ao PS” e encaminharam os seus votos “para outros partidos ou mantiveram no próprio PS”.

Na opinião do antigo primeiro-ministro – entre 1985 e 1995 – “era claro desde o início que o PS estava voltado para o PCP e para o BE e nunca faria qualquer reforma que o país precisa, e precisa muito, com o partido da oposição”.

“E, portanto, surgiram dúvidas sobre se o PSD era ou não era uma alternativa credível ao PS e se consideravam ou não que o PS era o seu adversário político”, afirmou.

Por outro lado, continuou Cavaco Silva que se mostrou “chocado”, o PSD “não denunciou” a “desinformação e as mentiras do PS, e de alguma comunicação social, em relação ao governo do doutor Passos Coelho”.

“O PSD devia elogiar o trabalho que foi feito pelo governo do doutor Passos Coelho porque foi o governo socialista que negociou aquele duríssimo programa de austeridade com o FMI, com a chamada ‘troika’ e o governo do doutor Passos Coelho tentou atenuar a austeridade que o PS negociou com essas instituições e tirou o país da situação da bancarrota, colocou-o numa trajetória de crescimento económico que o Governo que se seguiu da geringonça não soube tirar proveito”, defendeu.

Quanto ao futuro do partido, Cavaco Silva considerou que as eleições diretas do último fim de semana, que deram a vitória a Luís Montenegro, foram “um confronto entre dois bons candidatos”.

Lembrando que trabalhou com Jorge Moreira da Silva quando era Presidente da República - que foi seu consultor para as áreas da ciência e ambiente entre 2006 e 2009 - Cavaco Silva elogiou o “debate civilizado” entre os dois, sem “insultos de parte a parte” e com “respeito”.

Para Cavaco Silva, Luís Montenegro é agora “o presidente de todos os sociais-democratas”, esperando que “siga uma estratégia que tenha em conta o novo quadro partidário que surgiu depois das eleições de 30 de janeiro”.

Questionado diretamente sobre a liderança do líder social-democrata cessante, Rui Rio, Cavaco Silva escusou-se a comentar. “Desculpe que repita: o doutor Rui Rio é passado, agora devemos olhar para a o futuro, e eu olho de forma positiva para o futuro naquilo que concerne à nova liderança do PSD”.