Em declarações à agência Lusa, o coordenador do Movimento Cidadão Diferente, um movimento cívico de defesa das pessoas com deficiência, denunciou atrasos superiores a seis e oito meses para a marcação de junta médica, quando a legislação estipula que tem de ser marcada até 60 dias após a apresentação do respetivo requerimento.
“Temos muita gente que não consegue aceder a prestações sociais, benefícios fiscais ou exercer apenas aquele direito natural de passar à frente dos outros [nas filas] porque a lei o permite, mas tem de ter uma certificação que demonstre que de facto a pessoa tem uma incapacidade, e não conseguem exercer esses direitos porque não conseguem ter um atestado de incapacidade porque as juntas médicas estão a demorar muito tempo”, apontou Miguel Azevedo.
O responsável explicou que antes da pandemia de covid-19 “já existiam atrasos de seis a oito meses” para ir a uma junta médica, uma situação que com o tempo se “foi agravando” e que “em muitas unidades de saúde já ia em mais de um ano”.
“No plano de recuperação apresentado pelo governo as coisas não se alteraram em nada e neste momento observamos na mesma atrasos superiores a seis e oito meses quando a lei diz que tem de ser em 60 dias”, referiu.
Acrescentou ter conhecimento de que muitas unidades de saúde não aceitam pedidos para juntas médicas como forma de não aumentar ainda mais as listas de espera.
“Com a desculpa de que está muito demorado, vão dizendo às pessoas para aguardar, para aguardar, mas nunca ficam com o registo”, denunciou.
Segundo Miguel Azevedo, são “centenas de pessoas” com deficiência a contactar o Movimento Cidadão Diferente a pedir ajuda para resolver esta situação.
Explicou que há atestados que são vitalícios, como nos casos de pessoas com deficiências cognitivas ou deficiências motoras permanentes, mas em outros casos são sujeitos a avaliação por parte de junta médica, acrescentando que no caso de uma pessoa jovem o atestado tem a validade de cinco anos porque “pode haver algum tipo de progressão”.
Muitos dos atestados médicos caducaram entre 2019 e 2021, tendo o governo publicado uma portaria para que o prazo de validade fosse prorrogado até 31 de dezembro de 2022, na condição de que, antes do fim deste prazo, as pessoas com deficiência requeressem uma nova junta médica para prolongar a validade.
“Neste momento temos pessoas com atestado de incapacidade caducado, não existe nenhuma portaria que lhes revalide a caducidade e o que acontece é que as pessoas estão a perder e vão perder os benefícios fiscais, as prestações sociais porque sem o atestado não conseguem comprovar a incapacidade”, explicou.
Miguel Azevedo disse que a solução para este problema passa por resolver os atrasos nas marcações das juntas médicas, “que continuam a ser uma bola de neve”, e que a secretária de Estado da Inclusão, Ana Sofia Antunes, já foi alertada para a questão.
“Alertámos para este problema e alertámos também para o problema das pessoas que não têm acesso a prestações sociais nem a outras coisas porque estão dependentes das juntas médicas”, disse.
O coordenador do Movimento Cidadão Diferente deu como exemplo o caso de uma mãe que contactou a associação porque estava a tratar do processo de isenção do imposto automóvel — um direito que assiste às pessoas com deficiência — e que da parte da Autoridade Tributária teve a resposta de que o processo não podia continuar porque o atestado estava caducado.
“Seria muito mais fácil haver um portal onde as pessoas carregassem toda a documentação e só quando levantasse alguma dúvida é que chamavam as pessoas para uma verificação de que era aquela pessoa e que tinha aquela incapacidade”, sugeriu.
José Reis, presidente da Confederação Nacional dos Organismos de Deficientes (CNOD) confirmou a existência de dificuldades na marcação de juntas médicas para o atestado médico de incapacidade multiúsos, alertando que deste certificado depende o acesso a muitas das prestações sociais inerentes.
“Verificam-se muitos atrasos e numa das últimas reuniões que tivemos com a secretária de Estado [da Inclusão] ela terá dito que estavam a fazer o possível para que essas situações se agilizassem mais, mas que estava a haver alguma dificuldade porque implica outros ministérios, nomeadamente o da Saúde”, revelou.
Segundo o dirigente, a secretária de Estado terá dado também como explicação para a demora “um grande movimento de [pedidos de atestado] multiúsos”, nomeadamente por parte de doentes oncológicos.
“Aquilo que no foi dito é que iam procurar agilizar, mas não há dúvida nenhuma que a demora está a provocar grandes inconvenientes às pessoas”, disse José Reis.
De acordo com José Reis, há efetivamente casos de pessoas com deficiência em que “não se justifica a renovação” e disse entender que essa questão teria sido “retificada”, defendendo que nos casos em que haja constatação de impossibilidade de regressão da deficiência, as pessoas deveriam ser dispensadas da junta médica.
A Lusa contactou o Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social e aguarda resposta.
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