Mas esta decisão também teve um efeito positivo: aumentaram os candidatos a dadores de óvulos e espermatozoides, revelou hoje o diretor do Laboratório de Procriação Medicamente Assistida da clínica Ferticentro, Vladimir Silva, no simpósio “Procriação Medicamente Assistida – Que futuro?”, promovido pela Associação Portuguesa de Fertilidade (APF).

“O ‘boom’ mediático que este assunto trouxe teve um efeito paradoxal, aumentaram os candidatos a dadores, coisa que nós não esperávamos”, disse Vladimir Silva, comentando o impacto do acórdão do TC de 24 de abril, que considerou inconstitucionais algumas normas da lei da Procriação Medicamente Assistida (PMA), nomeadamente o anonimato dos dadores de gâmetas.

Segundo o responsável, esta decisão está a criar “um problema grande” em relação aos embriões que estão congelados porque “envolvem pessoas que já fizeram doações há muito tempo”, muitas delas sob anonimato.

Citando dados do Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida (CNPMA), Vladimir Silva disse que em 2017 existiam 7.495 embriões obtidos com gâmetas de dadores anónimos. “Se nós admitirmos uma percentagem em que em 60% a 70% destes casos possamos estar a falar de dadores incontactáveis ou de dadores que não querem deixar de ser anónimos ou de dadores que são provenientes de bancos de gâmetas estrangeiros chegaremos com facilidade aos 5.000 embriões” que podem ser destruídos.

“Só em 2017 tivemos 390 aplicações de espermatozoides importados e 151 de ovócitos importados”, disse, explicando que “a normal atividade da PMA depende da utilização de gâmetas importados e, os que não são importados, uma percentagem deles é de dadores que não querem ou não podem deixar de ser anónimos”.

Esta semana a clínica pediu o envio de “seis ou sete casos para o estrangeiro, de pessoas que têm os tratamentos suspensos” e condições financeiras para ir. “Temos muitos outros que estão à espera de uma resolução da lei”, disse.

Contou ainda os telefonemas “absolutamente horríveis” que a clínica tem de fazer a dizer a alguém que “não pode ter um segundo filho porque os embriões são de dadores anónimos, embora o tratamento tenha sido feito em 2014”.

Por outro lado, “há dadores que reagem violentamente quando são contactados (para saber se permitem levantar o anonimato), porque doaram esperma há cinco anos ou seis anos”, disse Vladimir Silva.

Presente no simpósio, o diretor da clínica IVI, Sérgio Soares, afirmou ter vergonha do que se está a passar.

“Eu tenho vergonha de participar no que tem acontecido nesta fase de transição com pessoas que doaram e com pessoas que receberam [as doações] quando o anonimato era uma garantia”, disse Sérgio Soares, aludindo aos tratamentos que tiveram de parar devido a esta situação.

“Em termos de mudança legal futura, o que vier vai ser gerível e nós vamos conseguir trabalhar com isso, o que eu acho vergonhosa é essa fase de transição”, sublinhou.

Ana Oliveira, psicóloga da Ava Clinic, alertou, por seu turno, para os efeitos que esta decisão pode ter: “não sei qual serão os efeitos em todos os envolvidos se continuarmos dois três anos sem clarificar o que é que se passa”.

O juiz desembargador Eurico Reis, que se demitiu do CNPMA, em protesto contra o acórdão do Tribunal Constitucional, defendeu no simpósio que o legislador tem que dizer já que “a declaração de inconstitucionalidade só vale a partir de 24 de abril de 2018 ou então é a Assembleia da República que estará também a colaborar neste golpe de Estado”.

“A partir desta altura a situação que ocorre é a de que não há preservação do segredo da identidade civil dos dadores. Vamos ter de esperar por uma nova legislatura e espero que não tenhamos de esperar sete anos, que é o tempo de duração do mandato dos juízes que estão neste momento no Tribunal Constitucional”, afirmou Eurico Reis.