Desde que foi lançado em 2008, o programa nacional de saúde oral já chegou a 3,3 milhões de portugueses, abrangendo atualmente crianças e adolescentes até aos 18 anos que frequentam escolas públicas, idosos com complementos solidários, grávidas, portadores de VIH/Sida e doentes que necessitem de intervenção precoce devido a cancro da boca.

A reforma foi lançada pelo então ministro da Saúde do Governo PS, Correia de Campos, que recordou à agência Lusa como nasceu o programa. Na altura existia “uma situação em que o SNS praticamente se desresponsabilizava de qualquer tratamento de saúde oral”, contou.

“Havia um certo acompanhamento através dos mecanismos de saúde escolar, que quase se limitava à avaliação do estado de saúde oral da população escolar, e isso era muito insuficiente porque, em primeiro lugar, cobria apenas uma franja da população, e, em segundo, não previa qualquer espécie de tratamento, de maneira que era uma lacuna muito grande no SNS”, disse Correia de Campos.

Também existiam centros de saúde com alguns equipamentos dentários que, por vezes, faziam contratos com dentistas, mas “não resolviam, nem de longe nem de perto”, a situação.

O momento da reforma, segundo Correia de Campos, foi facilitado pelo facto de, na altura, existirem recursos humanos.

“Foi uma conjugação de necessidade, agravada com o tempo, e de disponibilidade de recursos humanos, que se fez com uma enorme cooperação da Ordem dos Médicos Dentistas”, lembrou.

“Houve um bom entendimento, uma relação muito fácil, muito direta, provocada pelo facto de muitos dentistas terem pouco trabalho e pela circunstância de o SNS precisar de cuidar da saúde oral da sua população”, contou.

Para o antigo ministro, a decisão política “mais difícil e mais importante” foi a construção do sistema. “Entendi que seria um desperdício” criar consultórios de saúde oral no SNS porque já existiam em “quantidade muito abundante” e havia dentistas “bem formados, bem treinados e em grande quantidade”. Portanto, “não fazia sentido o Estado investir milhões de euros a montar instalações” e a recrutar profissionais.

“Portanto, fomos aproveitar as condições que já existiam no país”, uma decisão que “foi atacada à esquerda do Partido Socialista”, mas com “pouca convicção”, porque as pessoas perceberam que “a solução era realista e vinha resolver uma boa parte do problema”.

Devido aos “recursos limitados” foi tudo “bastante controlado” desde o início. “Se tivéssemos ido para uma solução de convencionar com os consultórios médicos sem um ‘plafond’ estaríamos numa situação de descontrolo”, porque “era muito fácil chegar a uma situação de multiplicação, não necessária, de atos, de haver aqui ou ali uma pequena fraude, e isso seria muito dificilmente controlável”.

Correia de Campos salientou a importância do bastonário dos Dentistas, Orlando Monteiro da Silva, para a construção do sistema, assim como do professor Jorge Simões, o “patrono da ideia”, na altura na Universidade de Aveiro, entidade a quem o Ministério da Saúde encomendou o sistema informático, e de Rui Calado, da Direção-Geral da Saúde.

Num artigo publicado no Health Policy Journal sobre os dez anos do programa, Jorge Simões afirmou que “o cheque-dentista provou ser uma reforma inovadora” devido a um “grande consenso entre todas as partes interessadas, permitindo a liberdade de escolha dos utentes e respondendo à necessidade de aumento o acesso da população à saúde oral”.

A população abrangida é “um dos aspetos mais positivos” do programa que “deve orgulhar os políticos que tomaram esta decisão, os técnicos que se envolveram em todo este processo e os portugueses que têm à sua disposição um instrumento que até 2008 não existia”, disse Jorge Simões à Lusa.

Para o bastonário dos Dentistas, “tem sido importante manter aquilo que já existe” e que é “uma referência internacional em termos de acesso a cuidados de medicina dentária”.

“Havia algumas tentações negativas, evidentemente, de colocar em causa o programa, que já chegou a três milhões de portugueses e que tem provocado importantes ganhos em saúde para vários grupos, mas essencialmente nas crianças, adolescentes, grávidas e portadores de VIH”, salientou Orlando Monteiro da Silva.