“Vamos remontar o processo de legalização. Vamos processar o governo, o ministério da administração do Território e o Ministério da Justiça por danos materiais, morais e psicológicos”, anunciou Abel Chivukuvuku que falava aos jornalistas em Luanda junto ao local onde hoje iria terminar uma marcha que, no entanto, não foi autorizada pelo Governo Provincial de Luanda.
Em causa estão assinaturas que foram levadas às administrações municipais e autenticadas, mas que o Tribunal Constitucional não aceitou, questionando o facto de documentos validados pelas administrações (que são do Estado) não terem sido aceites por outro órgão do Estado que é o tribunal.
“Então fomos enganados pelos órgãos do Estado”, criticou o político.
O PRA JA Servir Angola queria hoje realizar, em Luanda, um curto desfile de menos de um quilómetro para “contactar a população” e sensibilizar para as autarquias, tema de uma palestra realizada esta manhã pela direção do projeto político.
“Nós notificámos o Governo Provincial e recebemos uma nota inconstitucional que nos proíbe de andar. Permitem a palestra, mas não permitem o estar em contacto com o cidadão e alegam a lei constitucional de 1991, que já não está em vigor. O direito de circular é normal”, contestou.
No documento endereçado ao PRA JA Servir Angola, o Governo Provincial de Luanda (GPL) diz que o pedido relativo à marcha não foi autorizado por “não reunir os pressupostos” da lei sobre o direito de reunião e manifestação de 11 de maio de 1991.
Em causa estava o desrespeito pelo horário (antes das 13:00 de sábado) e indicação do trajeto a seguir (que, no entanto, constava da carta enviada ao GPL, a que a Lusa teve acesso).
O GPL autorizou, no entanto, a palestra “por se tratar de um local fechado”.
"Na próxima semana já não vamos aceitar, estaremos novamente na rua para conversar com o cidadão”
Chivukuvuku, que viu inviabilizadas várias tentativas de legalização do seu projeto político e foi eleito deputado nas listas da União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA, maior partido da oposição angolana) no ano passado, sublinhou que, nesta qualidade, pretende estar próximo daqueles que representa, para “ouvir o cidadão, perceber as perspetivas do cidadão e o sofrimento do cidadão”.
E acrescentou que as eleições autárquicas em Angola devem ser realizadas nos próximos dois a três anos, pelo que lançou a campanha “Preparar as autarquias ouvindo o cidadão”.
O político angolano afirmou que decidiu “acatar” as orientações do GPL por que percebeu que haveria “outra vez violência (no sábado passado, a polícia reprimiu uma marcha do PRA-JA Servir Angola com recurso a gás lacrimogéneo), mas vai discutir a questão com as autoridades. “Porque na próxima semana já não vamos aceitar, estaremos novamente na rua para conversar com o cidadão”, garantiu
Frisou, igualmente, que segundo a Constituição, os promotores da marcha teriam apenas de “informar” e não de ser autorizados, e que a lei de 1991 contradiz a Constituição pelo que “não há fundamento nenhum” para a proibição, considerando o ato “ilegal”.
“O cidadão tem o direito de circular onde quiser, não estamos a fazer manifestações contra ninguém, nem contra o Estado, nem para exigir nada, só queremos ouvir o cidadão. Se nós, que somos deputados, não podemos ouvir o cidadão, como é o vamos representar esse cidadão cujos sentimentos não conhecemos”, questionou.
“A verdade é que, como perderam Luanda em 2022, nas eleições, têm medo que esse contacto com o cidadão os faça perder ainda mais. Vão perder outra vez em 2027”, afirmou Abel Chivukuvuku. O Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), partido no poder em Angola desde a independência em 1975, ganhou as eleições no ano passado, mas com o pior resultado de sempre e perdeu a capital, Luanda, para a UNITA, seu principal adversário.
Legalização do PRA-JA: um processo atribulado
Chivukuvuku afirmou também que o “chumbo” do PRA-JA causou também mortes a cinco militantes que foram afetados psicologicamente e “muita gente” sofreu, um processo que espera ver concluído este trimestre, a par da cassação do acórdão do TC.
“O nosso objetivo é que, até ao final do ano, o PRA JA vai estar legal. Eu já tinha avisado, fecham a porta, passo na janela. Em 2022, passei na janela. Se fecham a janela, passo no teto, passo na mesma”, ironizou.
O Tribunal Constitucional de Angola chumbou em definitivo a legalização do PRA-JA Servir Angola, no final de 2020, após várias respostas negativas e recursos apresentados pela comissão instaladora do partido político
Em causa estariam dúvidas relativas às mais de 30 mil assinaturas que o partido recolheu com vista à sua legalização, sendo que de acordo com a lei angolana, é necessário recolher as assinaturas de pelo menos 7.500 cidadãos devidamente reconhecidas pela administração.
No acórdão em que rejeitou o recurso extraordinário apresentado pelo PRA-JA por “não suprir insuficiências” e apresentar “alegações ambíguas”, o Tribunal Constitucional remeteu a possível legalização deste partido para os próximos quatro anos.
“Para o caso de processos de partidos políticos subscritos por grupo de cidadãos, somente decorridos quatro anos, a contar da data de rejeição do processo de credenciamento para a inscrição de partido político ou do acórdão que o confirma, tem a possibilidade de requerer a inscrição de novo projeto partidário”, indicou o TC.
Abel Chivukuvuku foi membro e dirigente da UNITA, principal partido da oposição angolana de 1974 até 2012 e, em seguida, líder da coligação CASA-CE, para a qual conquistou 16 lugares na Assembleia Nacional e da qual foi afastado em 2019.
A CASA-CE perdeu, entretanto, a representação parlamentar e não conseguiu eleger nenhum deputado nas eleições gerais de 2022.
Chivukuvuku apresentou o PRA-JA em agosto de 2019, com a ambição de representar uma alternativa no panorama político angolano, mas a nova formação politica não conseguiu ser legalizada junto do TC.
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