As vozes das centenas de pessoas que se reuniram hoje de manhã, na praça Felix Éboué, em Paris, para preparar o cortejo de homenagem e apoio aos coletes amarelos feridos nas últimas duas semanas pela polícia francesa, elevaram-se quando Jerome Rodrigues se equilibrou em cima de um banco para acenar à multidão.

Os coletes amarelos cantaram-lhe a Marselhesa, chamaram Cristophe Castaner, ministro do Interior, de "assassino" e gritaram dizendo não estar cansados de se manifestar. O lusodescendente, ferido na semana passada e ainda em risco de vir a perder a visão do olho direito, foi agradecendo ao que diz ser "a sua família".

Jerome Rodrigues ficou apenas cerca de 20 minutos na praça, sempre rodeado por vários coletes amarelos que tentavam afastar quem se queria aproximar. A atenção não só dos jornalistas, como dos curiosos, em relação a esta figura de destaque no movimento levou a que o lusodescendente não participasse no cortejo.

Seguido na sua página da rede social Facebook por mais de 60 mil pessoas, Jerome Rodrigues assegurou posteriormente ter sido retirado da manifestação "por razões de segurança" e lamentou "não ter ficado para o cortejo". O lusodescendente voltou a aparecer no fim do protesto, na Praça da Bastilha.

O lusodescendente tem estado nos cabeçalhos dos jornais e tem sido presença constante nos canais de televisão durante a última semana, e muitos dos coletes amarelos que estavam na praça tinham cartazes com a imagem do seu rosto ou uma pala no olho para simbolizar o seu apoio.

"O Jerome foi sempre o mais pacifista desde o início, alguém que nunca apelou à violência e eles tocaram na pessoa errada. Eu já falei com ele várias vezes e ele é mesmo aquela pessoa que nos atende sempre o telefone e tenta ajudar na organização das manifestações. Eu já nem vinha manifestar-me ao sábado, mas agora voltei por causa dele", garantiu Claire, colete amarelo vinda dos arredores de Paris, em declarações à Agência Lusa.

A marcha foi organizada por Antonio Barbetta, colete amarelo de 40 anos ferido em novembro num pé por uma granada de gás lacrimogéneo e que está há dois meses sem trabalhar.

"Decidi criar esta marcha porque é intolerável e inaceitável que o nosso Governo nos mutile e nos destrua, com o pretexto de sermos delinquentes que viemos só para partir. Nós somos pacíficos e estamos revoltados porque não conseguimos viver em França com estas condições. Para além de homenagear as vítimas, queremos justiça e a interdição das 'flashball' e das granadas de gás lacrimogéneo", disse o colete amarelo aos jornalistas.

Esta é a reivindicação feita agora por grande parte dos coletes amarelos. As chamadas 'flashballs' são armas de defesa que lançam balas de borracha de 40 milímetros e as granadas de gás lacrimogéneo contêm, em França, uma parte de explosivo TNT.

Estas armas, usadas pela polícia para dispersar manifestantes em protestos ou em outros distúrbios da ordem pública, podem causar perda de olhos ou perda de membros, dependendo da região do corpo onde atingem as pessoas. Vários coletes amarelos visados em diferentes manifestações e diferentes pontos do país já apresentaram queixa contra o Estado francês pela utilização destas armas.

Outro dos temas deste cortejo, foram as duas listas já apresentadas por coletes amarelos às eleições europeias. Marco, colete amarelo português instalado na Bretanha e que trouxe a bandeira nacional para o cortejo, rejeita qualquer representação política do movimento.

"Estou contra. É uma farsa do Republique en Marche [partido que apoia Emmanuel Macron] porque são eles que vão beneficiar. Toda a gente aqui lhe vai dizer a mesma coisa. Isso é para aqueles que já queriam entrar na política e encontraram nisto uma forma mais fácil de lá chegar", afirmou o colete amarelo português à agência Lusa.

Vários cartazes mostravam o descontentamento dos coletes amarelos em relação a estas listas, mostrando que movimento está dividido entre a possibilidade da representação política formal e a rejeição das tradicionais formas de aceder ao poder político.