“É uma aspiração legítima. Um comandante num teatro de operações quer ter acesso ao melhor material e em quantidade para desenvolver a sua atividade, e infelizmente tem de ser assim, tem que se combater com material letal também”, reconheceu o major-general João Gonçalves, da Força Aérea Portuguesa, em entrevista à Lusa, em Maputo.

“Politicamente foi decidido ao mais alto nível que o desenho desta missão seria com estes 89 milhões de euros de equipamento não letal, equipamento de qualidade de topo, que equipa qualquer tipo de exército moderno no mundo”, explicou ainda.

A EUTM-MOZ, liderada por Portugal, formou em quase dois anos mais de 1.650 militares comandos e fuzileiros moçambicanos, que constituem agora 11 companhias de Forças de Reação Rápida (QRF, na sigla em inglês) e já combatem o terrorismo em Cabo Delgado, bem como uma centena de formadores.

A missão em Moçambique foi ainda financiada através do Mecanismo Europeu para a Paz para aquisição de todo o tipo de equipamento não letal para estas companhias de forças especiais. Contudo, as autoridades moçambicanas já pediram várias vezes a disponibilização de material letal para reforçar o combate aos grupos insurgentes em Cabo Delgado, norte do país.

“A União Europeia, ao dar este equipamento como parte dessas QRF, libertará Moçambique para tentar compensar e arranjar outras parcerias para material letal. Continuo a dizer, do ponto de vista militar e de emprego no teatro das operações, a aspiração de Moçambique é válida e será algo que será negociado a um nível muito superior ao meu, a nível político”, disse João Gonçalves.

O Conselho da União Europeia (UE) anunciou este mês a prorrogação da missão de treino militar em Moçambique até 30 de junho de 2026, com um orçamento previsto de 14 milhões de euros para os próximos dois anos, que será apenas para o funcionamento da operação.

“Ainda não foi decidido se haverá, ao abrigo do Mecanismo Europeu para a Paz, um novo pacote de ajuda, de equipamento, a Moçambique (..) são aspetos que são tratados ao nível político”, disse o major-general.

A nova missão vai incorporar uma alteração estratégica, passando a ser designada de Missão de Assistência Militar da UE em Moçambique (EUMAM Mozambique), com efeito a partir de 01 de setembro de 2024, adaptando os objetivos estratégicos da missão, transitando do modelo de treino para assistência com aconselhamento.

“Vamos continuar a monitorizar esse treino [das QRF], a acompanhar as atividades desenvolvidas por Moçambique, mas já numa posição um pouco mais de retaguarda. E vamos assessorar em toda a parte do ‘icebergue’ que está por baixo de água e que não é visível, que é a sustentação, a operação deste ciclo das QRF”, disse.

“As QRF necessitam de ser regeneradas, não estão sempre em combate, precisam de fazer regeneração, manutenção de todo o equipamento que a UE tem estado a entregar e portanto Moçambique entendeu que agora seria a altura para esse apoio já diferenciado”, detalhou João Gonçalves.

A missão, disse, ainda está a ser desenhada com as autoridades moçambicanas para ser operacionalizada para os próximos dois anos, mas caso Moçambique decida aumentar o número destas companhias de forças especiais, já serão os militares moçambicanos a garantir a sua formação.

“Será já com os seus próprios instrutores

, sendo que a QRF não deve ser olhada como os homens que vão formar a companhia. É todo o pacote, todo o equipamento. As viaturas que estamos a entregar, que são centenas, as embarcações, também cerca de uma centena, hospitais de campanha, tudo isso faz parte das QRF. O investimento é mais do que o treino”, sublinhou o comandante.

A EUTM-MOZ integra 119 militares de 13 Estados-membros, mais de metade de Portugal, mas tem a particularidade de integrar outros dois países, fora da União Europeia, que contribuem com um militar cada, casos da Sérvia e de Cabo Verde.

Em cima da mesa está a possibilidade de Portugal continuar a liderar, a partir de setembro, a nova EUMAM Mozambique, mais reduzida face à atual.

“Uma vez mais é uma decisão política. O que lhe posso dizer é que nos contactos que vou tendo é que existe essa expetativa em alguns camaradas com quem fui falando, até de outras nações, existe essa expetativa, mas isso é uma decisão eminentemente política (...) Também nesse aspeto tenho a certeza que as Forças Armadas portuguesas estarão disponíveis para aquilo que o nosso Governo definir como prioridade no âmbito da sua atuação nesta missão”, concluiu.