Como é que o cérebro é capaz de aprender novas habilidades motoras como tocar piano ou andar de bicicleta? Foi a esta questão que uma equipa da Fundação Champalimaud, em Lisboa, tentou responder numa investigação que foi publicada esta quarta-feira na revista científica Science Advances e que revela um novo circuito cerebral, que mostra que o cérebro é "duplamente excitado", como se refere no comunicado enviado às redações.
Tudo começa no córtex, a camada externa do nosso cérebro, um verdadeiro multitasker, envolvido em muitos processos, desde a linguagem e cognição até à memória e ações voluntárias, que, no entanto, não funciona sozinho e faz extensas conexões com muitas outras regiões do cérebro.
“Estávamos particularmente interessados em dois grandes tipos de células do córtex, conhecidas como neurónios IT (intra telencefálico) e TP (trato piramidal)”, explicou Nicolas Morgenstern, primeiro autor deste estudo desenvolvido no grupo liderado por Rui Costa, na Fundação Champalimaud. “Tanto as células IT como as TP enviam sinais do córtex para outra área profunda no cérebro, chamada estriado. Essas conexões ‘córtico-estriatais’ (ou seja, conexões do córtex ao corpo estriado) são muito importantes para a aprendizagem motora e têm sido implicadas em distúrbios do movimento como a doença de Parkinson”.
É aqui que aparece o terceiro personagem principal da nossa história: os neurónios espinhosos médios (SPNs), que compõem 95% dos neurónios do corpo estriado. Os SPNs estão em contacto direto com as células TI e TP. “Queríamos perceber os diferentes papéis das células IT e TP neste circuito cerebral, que sabemos ser fundamental para a aprendizagem e comportamento motor”.
Para entender melhor estas ligações cortico-estriatais, os autores usaram a optogenética, um método que permite controlar a atividade das células através do uso da luz.
"Modificamos geneticamente ora as células IT ora as TP, em ratinhos, e isso permitiu-nos ativar esses tipos de células de forma independente e consequentemente medir os diferentes efeitos nos neurórios SPNs do estriado”, explicou Morgenstern.
Recorrendo a esta abordagem, ao registar a atividade dos neurónios in vitro, os autores descobriram um novo circuito cortico-estriatal. E nesta via, surgiu um quarto ator principal: os interneurónios colinérgicos estriatais (ChIs). Atuando como “intermediários”, os ChIs no estriado recebem input das células TP e, por sua vez, excitam os SPNs. “Descobrimos que as células TP ligam-se preferencialmente aos ChIs, que depois ativam indiretamente os SPNs”, conclui Morgenstern.
A conclusão foi que as células TP ligam-se preferencialmente aos ChIs, que depois ativam indiretamente os SPNs. Através de métodos farmacológicos, os autores foram capazes de demonstrar, de forma detalhada, como é que os ChIs excitam os SPNs. Uma vez ativados pelos neurónios TP, os ChIs libertam um neurotransmissor chamado acetilcolina (ACh). Os neurotransmissores são mensageiros químicos que transmitem sinais de uma célula para outra. Assim, quando os ChIs libertam ACh, as fibras nervosas das células próximas excitam os SPNs.
Resumindo, os resultados da investigação revelaram que os SPNs são excitados duas vezes: primeiro, através do circuito direto, já conhecido (IT→SPN e TP→SPN), e segundo, através deste circuito indireto até agora desconhecido (TP→ChI→SPN), que amplifica a excitação inicial.
Qual é o propósito dessa dupla excitação?
No texto enviado às redações pela Fundação, os autores especulam que a ligação direta IT→SPN prepara inicialmente ações motoras específicas, enquanto a conexão TP→ChI→SPN desencadeia posteriormente o movimento.
“Além da execução do movimento”, observa Nicolas Morgenstern, “esta segunda fase excitatória mediada pelos neurónios TP pode ser importante para induzir mudanças duradouras na força de conexões específicas, através do neurotransmissor ACh. Isso pode ser importante para o comportamento, já que a aprendizagem acontece quando há uma mudança nas conexões entre as células cerebrais”.
Como resultado, além de nos esclarecer sobre os circuitos cerebrais que controlam os movimentos e o comportamento, e de nos ajudar a entender os papéis das diferentes células, este estudo também fornece uma peça importante do quebra-cabeças para perceber como aprendemos.
“Ainda há muito para explorar”, diz o autor sénior deste estudo, Rui Costa, Professor e Diretor do Zuckerman Mind Brain Behavior Institute, da Universidade de Columbia. “Por exemplo, estamos interessados em entender se este circuito é afetado em distúrbios como o Parkinson ou a doença de Huntington.” Embora ainda haja muito por desvendar, com este estudo aprendemos um pouco mais sobre como aprendemos.”
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