"Guterres teve um batismo de fogo na ONU. O seu desafio constante tem sido desenvolver uma relação com a administração Trump, e isso tem consumido uma grande parte do seu tempo e energia", disse à Lusa o professor universitário Richard Gowan.
Na terça-feira, marca-se um ano desde que António Guterres fez juramento sobre a Carta das Nações Unidas como secretário-geral da ONU. O português assumiu funções a 1 de janeiro, 20 dias antes de Donald Trump se tornar Presidente dos EUA.
Gowan, que é investigador do Centro Europeu de Relações Internacionais, disse que Guterres conseguiu persuadir Trump e a sua embaixadora junto da ONU, Nikki Haley, a não esvaziar o orçamento da ONU completamente, mas que ainda existem desafios.
"Trump ainda vê a ONU de forma suspeita e a sua decisão de retirar os EUA da UNESCO demonstra isso. Mas ele parece gostar de Guterres pessoalmente. E isso é algo que não era garantido no início do ano", explicou.
Gowan disse acreditar que "Guterres teve de trabalhar tanto no problema dos EUA que não teve tempo para muitos mais assuntos" e que o português deve estar "frustrado por ainda não ter conseguido um acordo de paz que será lembrado no mundo", como aquele que tentou negociar no início do ano para a reunificação do Chipre, que acabou por falhar.
Jean Krasno, que em 2016 liderou a campanha que tentou eleger uma mulher para o cargo de secretário-geral, disse que Guterres "lançou várias iniciativas para reformar a arquitetura das Nações Unidas e tornar a organização mais apta a enfrentar os obstáculos do mundo de hoje".
Krasno deu como exemplo de boas reformas a criação do Escritório de Contra Terrorismo ou a criação do Painel de Alto Nível de Mediação.
"O secretário-geral reforçou a capacidade de mediação através da criação do painel e da expansão do dossier de mediadores capazes que pode enviar a qualquer momento quando necessários em situações criticas", disse.
Jean Krasno, que é professora no City College em Nova Iorque, disse, no entanto, que "gostava de ver o secretário-geral aproveitar a oportunidade de ser um líder global para ser uma voz moral mais proativa".
A especialista disse acreditar que a recente declaração de Guterres sobre o povo Rohingya, dizendo que as atrocidades cometidas constituem uma limpeza étnica, mostraram o tipo de liderança de que a organização precisa.
"Entendo que um secretário-geral precise manter a imparcialidade e confiança dos membros, mas nestes tempos caóticos, em que parece haver um vazio de liderança, ele tem de se colocar à frente, usar os media, e tirar vantagem deste púlpito que o escritório oferece para ser uma bússola mural para o mundo", disse.
Gowan disse concordar que a voz Guterres não tem sido tanto ouvida como muitos esperavam e que, por vezes, o português "parece encurralado pelos limites do sistema da ONU".
"Ele fica extremamente aborrecido com o nível de burocracia no Secretariado. Suspeito que gostaria de estar mais no terreno, envolvendo-se de forma ativa na resolução de crises, mais do que o seu trabalho permite. Ele tinha mais liberdade quando liderava o Alto Comissariado para os Refugiados", explicou o professor.
O especialista alertou, no entanto, que "se 2017 foi um ano difícil para Guterres, 2018 pode ser pior, com os perigos de uma guerra na Coreia e o agravar da violência no Médio Oriente a lançarem uma longa sombra sobre a ONU".
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