Protestos que ocorrem desde o fim de semana em várias cidades holandesas contra as restrições para conter a pandemia terminaram em tumultos, que provocaram centenas de detenções.

Em declarações à Lusa por telefone, o professor de Relações Internacionais e de Violência e Conflitos admite que é provável que este tipo de protestos se alastre a outros países da Europa.

“É muito possível”, admite Daniel Pinéu, lembrando que, apesar de a fadiga em relação às restrições e confinamento ter tendência a diminuir com a aproximação do verão e a generalização das vacinas, o mundo ainda terá de lidar com as consequências económicas da pandemia.

“A crise económica que aí vem por causa dos efeitos do ‘lockdown’ anterior e da mortalidade e por uma série de outras razões” constituem “substrato para protestos, para descontentamento e para alguma radicalização”, alertou.

A vizinha Bélgica, onde o recolhimento obrigatório também está em vigor, teme que comecem tumultos do mesmo género após apelos feitos nas redes sociais para protestar no próximo sábado em cidades próximas da fronteira holandesa.

Os tumultos nos Países Baixos foram já considerados como “um caminho para a guerra civil” pelo presidente da câmara de Eindhoven, John Jorritsma.

No entanto, Daniel Pinéu descartou o risco de uma guerra civil, que considerou “um exagero”, explicando que os holandeses têm uma postura muito vincada de normalidade.

“Para uma pessoa cuja ideia de política ideal é uma política de consensos, de alianças, de falar razoavelmente e de ser normal, ter este tipo de protestos em todo o país é muito preocupante, mas foi um exagero”, defendeu.

A longo prazo, alertou, o maior risco não é uma guerra, mas “uma polarização social que poderá levar a dinâmicas muito preocupantes”.

Depois de três noites de distúrbios violentos que abalaram o país, desde o estabelecimento do recolher obrigatório, no sábado, a última noite foi mais pacífica.

A forte presença da polícia em várias cidades, em particular em Amesterdão, Roterdão e Haia, impediu o aumento de manifestantes em protesto contra as medidas impostas devido à pandemia.

Um “grande grupo de jovens” ainda se reuniu na capital holandesa, acendendo foguetes, mas, segundo a polícia, foi rapidamente afastado.

Segundo Daniel Pinéu, os confrontos das últimas noites têm sido feitos por três tipos de grupos: pessoas que só querem causar distúrbios como forma de entretenimento (uma espécie de ‘hooliganismo’), um grupo formado por pessoas mais velhas, para quem o simbolismo de este ser o primeiro recolhimento obrigatório no país desde a Segunda Guerra Mundial é muito marcante, e um último grupo, que tem uma visão conspirativa alimentada sobretudo pelas redes sociais.

“Apesar de haver a ideia de que isto é um protesto que escalou, também sabemos que houve pessoas que foram para os protestos sem outra vontade que não causar distúrbios”, observou, explicando que se trata normalmente de jovens “que buscam um sentido de aventura e entretenimento através de confrontações com a polícia” e outras que acreditam em conspirações veiculadas pelas redes sociais.

Um fenómeno que “não é novo”, mas que, segundo Daniel Pinéu, tem sido muito “exponenciado com a crise da covid-19”.

“Pessoas que estão a ligar o movimento anti-vacinas, o movimento negacionista, a atirar coisas a membros do parlamento e a oficiais do Governo por dizerem que eles são pedófilos ou que estão a tentar controlar toda a gente, ou que estão no bolso do Bill Gates, que o problema é o 5G e as antenas”, referiu.

A polícia holandesa disse na terça-feira que deteve pelo menos 184 pessoas durante a noite devido à sua participação nos tumultos, elevando o número total para mais de 400.

Pelo menos 10 polícias ficaram feridos nos últimos confrontos com manifestantes, que roubaram lojas e incendiaram carros em várias cidades, incluindo Roterdão, Amesterdão e Haia, na noite de segunda-feira.

Segundo a polícia, a violência dos últimos dias são os piores tumultos vividos nos Países Baixos nas últimas quatro décadas, desde os despejos de pessoas que ocuparam ilegalmente prédios, na década de 1980.