A legislação foi publicada em Diário da República a 3 de abril, após ter sido aprovada no parlamento em 10 de fevereiro em votação final global, com os votos favoráveis apenas do PS, a abstenção do PSD, Chega, PAN e Livre e votos contra do BE, PCP e IL. O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, promulgou o decreto-lei em 22 de março, mas manifestou dúvidas quanto aos efeitos de algumas soluções que, segundo considerou, "podem porventura vir a ter, no mercado de trabalho, um efeito contrário ao alegadamente pretendido".
As confederações patronais apontam inconstitucionalidades ao diploma, enquanto as centrais sindicais consideram que as medidas são insuficientes para garantir os direitos dos trabalhadores. Segundo o Governo, a Agenda do Trabalho Digno assenta no combate à precariedade, na valorização dos jovens no mercado de trabalho, na promoção da conciliação entre a vida profissional, pessoal e familiar e na dinamização da negociação coletiva.
Entre as principais medidas estão:
- Alargamento do teletrabalho: O direito ao teletrabalho é alargado a pais com filhos com deficiência, doença crónica ou doença oncológica, independentemente da idade.
Segundo o novo artigo 166-A do Código do Trabalho, "o trabalhador com filho com idade até três anos ou, independentemente da idade, com deficiência, doença crónica ou doença oncológica que com ele viva em comunhão de mesa e habitação, tem direito a exercer a atividade em regime de teletrabalho, quando este seja compatível com a atividade desempenhada e o empregador disponha de recursos e meios para o efeito".
- Despesas de teletrabalho fixadas no contrato: O diploma passou a prever a fixação do valor das despesas adicionais nos contratos para prestação de teletrabalho.
"O contrato individual de trabalho e o contrato coletivo de trabalho devem fixar na celebração do acordo para prestação de teletrabalho o valor da compensação devida ao trabalhador pelas despesas adicionais", define a lei. O limite de isenção fiscal e contributivo das despesas em teletrabalho ficou por definir por portaria do Governo.
- Pedidos de baixas até três dias através do SNS24: As baixas até três dias podem agora ser passadas pelo serviço digital do Serviço Nacional de Saúde (SNS24), mediante autodeclaração de doença, com limite de duas por ano.
"A prova da situação de doença do trabalhador é feita por declaração de estabelecimento hospitalar, ou centro de saúde, ou serviço digital do Serviço Nacional de Saúde, ou serviço digital dos Serviços Regionais de Saúde das Regiões Autónomas, ou ainda por atestado médico", define a lei laboral. A declaração "é feita mediante autodeclaração de doença, sob compromisso de honra, que apenas pode ser emitida quando a situação de doença do trabalhador não exceder os três dias consecutivos, até ao limite de duas vezes por ano".
- Renúncia a créditos salariais só nos tribunais: Com a entrada em vigor da legislação, a possibilidade de os trabalhadores renunciarem a créditos salariais no fim do contrato só será possível por meio de transação judicial.
O crédito, que prescreve decorrido um ano após a cessação do contrato de trabalho, "não é suscetível de extinção por meio de remissão abdicativa, salvo através de transação judicial", estabelece a nova regra.
- Aumento das compensações por despedimento: O valor das compensações por despedimento coletivo e por extinção de posto de trabalho vai passar dos atuais 12 dias de retribuição base e diuturnidades por ano para 14 dias por ano, com a nova legislação.
O aumento das compensações irá aplicar-se apenas nos contratos que forem celebrados a partir da entrada em vigor da lei, sem efeitos retroativos. No caso dos contratos a termo, o valor da compensação passa a ser de 24 dias (em vez de 18 dias) de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de trabalho.
- Fim dos descontos para Fundo de Compensação do Trabalho: As empresas deixam de descontar mensalmente cerca de 1% sobre os salários dos trabalhadores contratados desde 2013 para o Fundo de Compensação do Trabalho (FCT), fundo criado nessa altura para pagar parte das indemnizações por despedimento.
O FCT conta com mais de 600 milhões de euros acumulados e a forma de mobilização desta verba ainda está a ser discutida na Concertação Social, tendo como destino formação e apoio à habitação.
- Empresas têm de dar informação sobre algoritmos: As empresas terão de passar a prestar informação às comissões de trabalhadores sobre decisões baseadas em algoritmos, nomeadamente sobre acesso e manutenção do emprego.
A comissão de trabalhadores passa a ter direito a informação sobre "os parâmetros, os critérios, as regras e as instruções em que se baseiam os algoritmos ou outros sistemas de inteligência artificial que afetam a tomada de decisões sobre o acesso e a manutenção do emprego, assim como as condições de trabalho, incluindo a elaboração de perfis e o controlo da atividade profissional".
- Valor das horas extra aumenta a partir das 100 horas anuais: O valor das horas extraordinárias a partir das 100 horas anuais passa de 25% para 50% na primeira hora ou fração desta, de 37,5% para 75% por hora ou fração subsequente, em dia útil, e de 50% para 100% por cada hora ou fração, em dia de descanso semanal, obrigatório ou complementar, ou em feriado.
Esta norma entra em vigor hoje, mas as associações patronais e sindicais têm um período transitório, até 01 de janeiro de 2024, para alterarem as convenções coletivas.
- Empresas que despedem impedidas um ano de recorrer a 'outsourcing': As empresas ficam impedidas de recorrer a 'outsourcing' (contratação externa) nos 12 meses seguintes a terem feito despedimentos coletivos ou despedimentos por extinção de posto de trabalho.
"Não é permitido recorrer à aquisição de serviços externos a entidade terceira para satisfação de necessidades que foram asseguradas por trabalhador cujo contrato tenha cessado nos 12 meses anteriores por despedimento coletivo ou despedimento por extinção de posto de trabalho", estabelece a lei.
- Contratos temporários com limite de quatro renovações: Com a entrada em vigor da lei, o número máximo de renovações dos contratos de trabalho temporário a termo certo passa das atuais seis para quatro.
A lei prevê ainda que, ao fim de quatro anos de cedências temporárias pelas empresas de trabalho temporário ou outra do mesmo grupo, estas empresas são obrigadas a integrar os trabalhadores nos quadros.
- Licença parental do pai passa a 28 dias seguidos ou interpolados: A licença parental obrigatória do pai passa dos atuais 20 dias úteis para 28 dias seguidos ou interpolados o que, segundo alguns advogados, pode resultar, nalguns casos, em menos dias de licença.
"É obrigatório o gozo pelo pai de uma licença parental de 28 dias, seguidos ou interpolados, nos 42 dias seguintes ao nascimento da criança, cinco dos quais gozados de modo consecutivo imediatamente a seguir a este", estabelece a norma.
- Presunção de contrato nas plataformas digitais: As alterações laborais prevêem a presunção de contrato de trabalho entre os operadores e as plataformas digitais, como a Uber ou a Glovo, que irá aplicar-se ao setor do transporte individual e remunerado de passageiros em veículos descaracterizados (TVDE).
A existência de contrato de trabalho presume-se "quando, na relação entre o prestador de atividade e a plataforma digital se verifiquem algumas" características, deixando de ficar expresso a referência aos operadores intermédios.
Porém, a lei define que "a plataforma digital pode, igualmente, invocar que a atividade é prestada perante pessoa singular ou coletiva que atue como intermediário da plataforma digital" e nestas situações aplica-se a presunção de contrato "cabendo ao tribunal determinar quem é a entidade empregadora".
- Trabalho não declarado pode ser crime: A lei prevê a criminalização dos empregadores que não declarem a admissão de trabalhadores à Segurança Social nos seis meses seguintes ao início do contrato, podendo esta norma incluir o trabalho doméstico.
Em causa está um artigo que será incluído no Regime Geral das Infracções Tributárias onde se prevê que “as entidades empregadoras que não comuniquem à Segurança Social a admissão de trabalhadores nos termos previstos nos n.ºs 1 a 3 do artigo 29.º do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social (…), no prazo de seis meses subsequentes ao termo do prazo legalmente previsto, são punidas com as penas previstas no n.º 1 do artigo 105.º”. Ou seja, estas empresas podem ser condenadas a pena de prisão até três anos ou multa até 360 dias.
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