A posição do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida (CNECV) consta de um parecer emitido a pedido da Assembleia da República sobre uma proposta de lei que procede a uma alteração da legislação sobre IVG.

O parecer, publicado na quarta-feira, debruçou-se sobre projetos de lei do Bloco de Esquerda e do PS que propõem o alargamento do prazo legal para a IVG, o fim do período de reflexão, a eliminação da necessidade de ter dois médicos e o direito à objeção de consciência.

Em declarações hoje à agência Lusa, a presidente do CNECV explicou que o parecer “não é sobre a IVG em geral”, mas “um comentário muito bem fundamentado do ponto de vista jurídico, ético”, baseado em dados das entidades oficiais.

A proposta de alargamento dos prazos para a IVG assenta nas circunstâncias de haver perigo para a vida da mulher ou para a sua saúde, sendo proposto o alargamento das 12 para as 14 semanas, e de haver pedido da mulher, sendo proposto o alargamento das 10 para as 12 semanas.

O Conselho considerou que “não há qualquer dado oficial que justifique a alteração da lei, bem pelo contrário”, disse Maria do Céu Patrão Neves.

“O que conseguimos apurar pelos dados oficiais disponíveis é que as IVG por vontade livre da mulher costumam ocorrer por volta das sete semanas, perfeitamente dentro do prazo das 10 semanas”, justificou a presidente do CNECV.

Quanto ao fim do período de reflexão de três dias, o órgão consultivo independente defende que “deve ser mantido como elemento essencial do processo de tomada de decisão, particularmente tendo em conta as consequências irreversíveis do procedimento em causa”.

“É fundamental porque na primeira consulta a grávida vai receber informações complementares daquilo que saberia e vai ter possibilidade de apoio psicológico e de apoio social”, disse hoje Maria do Céu Patrão Neves.

Apesar de considerar este tempo fundamental, o Conselho admite prescindir dele em casos em que possa ser impeditivo para a realização da IVG.

Outra alteração proposta diz respeito aos pressupostos do consentimento informado, com a presidente a apontar que os membros do conselho ficaram “até um pouco surpreendidos, porque há quase que uma regressão da lei”.

“Há uma proposta para que, na impossibilidade de a mulher tomar a decisão, quaisquer parentes da linha colateral” a possam substituir nessa decisão, considerando a presidente do CNECV que isso não acrescenta “qualquer qualidade à decisão e, de alguma forma, afeta até a possibilidade da mulher, mesmo quando é menor de 16 anos e mesmo quando tem défices cognitivos, poder ser ouvida e participar na decisão”.

“Isto é já lei em Portugal e, por isso, aqui pareceu-nos que não tinha sido tomada em consideração a lei de saúde mental de 2023, que já apresenta este aspeto de uma forma muito clara, e, por isso, parece-nos que é de cumprir a lei tal e qual como está”, sustentou Maria do Céu Patrão Neves.

Quanto à objeção de consciência, Maria do Céu Patrão Neves disse que a lei é clara nesta matéria e afirmou que “sempre que está em risco a vida ou a saúde da mulher, o profissional de saúde não pode invocar a objeção da consciência”.

“O médico pode recusar-se a participar na IVG], mas não a pode abandonar. É obrigado a referenciar a mulher para um colega com um serviço que garanta o pleno exercício do direito que a mulher tem na legislação”, afirmou.

O Conselho louvou o facto de se pretender “alargar o apoio psicológico e social” às mulheres e também considerou que “a intervenção de dois médicos, quando se trata de uma IVG por vontade expressa da mulher, não é necessária e pode ser dispensada, havendo apenas a intervenção de um único”, adiantou ainda.

Maria do Céu Patrão Neves defendeu ainda que “havendo, e há, indícios fortes de que não está a ser assegurado de forma equitativa o acesso à IVG em todo o território nacional e a mulheres de diferentes situações socioeconómicas, compete ao Estado, através do Serviço Nacional de Saúde ou por via da contratualização de outros serviços, garantir os direitos dos cidadãos e o cumprimento escrupuloso da lei”.

Analisando dados oficiais, o CNECV constatou que entre 2011 e 2021 as interrupções de gravidez (IG) por todos os motivos decresceram de 20.480 para 12.159 e as realizadas apenas por opção da mulher até às 10 semanas decresceram de 19.921 para 11.640.

Em 2022 foram registadas 16.471 IG, alterando a tendência decrescente que vinha a verificar-se desde 2011.