Contactada pela agência Lusa, a responsável comentou que a ex-deputada comunista “não tem formação na área, nem perfil profissional” para exercer o cargo de diretora do Museu do Aljube Resistência e Liberdade, em Lisboa.

O resultado do concurso realizado pela Empresa de Gestão de Equipamentos e Animação Cultural (EGEAC) para a substituição de Luís Farinha, que se aposentou, foi anunciado na terça-feira, e, desde então, surgiram várias críticas nas redes sociais a esta escolha, nomeadamente por parte de historiadores e investigadores como Irene Pimentel, autora de “A História da PIDE”, e António Araújo, que publicou “Morte à Pide! – A queda da polícia política do Estado Novo”.

No centro da polémica está o perfil da antiga deputada do PCP, licenciada em Ciência Política e Relações Internacionais pela Universidade Nova de Lisboa.

Rita Rato foi deputada pelo PCP à Assembleia da República, entre 2009 e 2019, e fez parte, como coordenadora do Grupo Parlamentar, da Comissão de Educação, Ciência e Cultura, entre 2011 e 2015.

Para a presidente do ICOM-Portugal, “formação na área, e perfil profissional são essenciais para o cargo de direção de um museu, que precisa de conhecer as condições do meio, e deter competências técnicas que vão fazer falta”.

“A pessoa selecionada [Rita Rato] não tem nenhuma experiência que a capacite nem formação adequada que a recomende para aquele lugar”, sublinhou Maria de Jesus Monge.

Na terça-feira, a EGEAC recordava que o processo de recrutamento para selecionar a nova direção tinha sido aberto em abril deste ano, e que contou com algumas dezenas de candidaturas, resultando na seleção de Rita Rato Fonseca, “que se destacou pelo projeto apresentado e pelo desempenho nas entrevistas realizadas com o júri”, indicava a EGEAC.

Sobre esta justificação, a presidente do ICOM-Portugal disse não colocar em causa o projeto apresentado pela eleita.

“Pelo que tive conhecimento, de alguns dos concorrentes, o resultado do concurso não corresponde à formulação dos requisitos, portanto é normal que alguns se sintam desconfortáveis”, apontou.

O ICOM (sigla da designação em inglês) é uma organização não-governamental dedicada à preservação do património cultural através da divulgação de boas práticas e, em Portugal, possui mais de 400 membros, incluindo museus nacionais, municipais, privados e diversas instituições museológicas.

Sobre o facto de muitos dos diretores de museus não terem formação em museologia, Maria de Jesus Monge observou que “normalmente são de áreas relacionadas, ou pelo menos têm experiência no setor, o que não é o caso”.

Por seu turno, o presidente da Associação Portuguesa de Museologia (APOM), João Neto, usa os mesmos argumentos para manifestar “estupefação” com a escolha.

“Depois de termos tido conhecimento do resultado pela comunicação social, e por alguns dos outros concorrentes, ficámos preocupados sobre a aparente incoerência dos requisitos do concurso em comparação com a opção do júri”, disse, contactado pela Lusa.

João Neto disse que tentou contactar a EGEAC, mas ainda não conseguiu obter esclarecimentos sobre o processo, e questiona se foram apresentados os mesmos requisitos a todos os candidatos, ou “se o objetivo era recrutar uma pessoa da área da ciência política para o museu”, inaugurado em abril de 2015, na antiga prisão política da PIDE, um dos equipamentos culturais do município de Lisboa.

“A EGEAC tem pessoas de qualidade à frente dos seus museus, por isso ficámos surpreendidos com a escolha”, reiterou João Neto, ressalvando que “não está em causa o facto de Rita Rato ter sido deputada do PCP”.

Na mesma linha, a presidente do ICOM-Portugal observou que “a EGEAC tem tido uma política muito correta na área dos museus e na abertura de concursos, com as melhores práticas, exemplares e de transparência”, daí ter sentido “surpresa” com esta escolha para a direção de um museu dedicado à “memória do combate à ditadura e à resistência em prol da liberdade e da democracia”, como indica o sítio ‘online’.

Contactado pela Lusa, o presidente do movimento cívico Não Apaguem a Memória (NAM), Fernando Cardeira, manifestou a mesma opinião sobre uma escolha que “cria uma situação muito difícil”.

“Por um lado, as pessoas com carreira política não devem ser prejudicadas por isso, mas, por outro lado, estas instituições [como o Museu do Aljube] devem ter dirigentes que não tenham conexões tão diretas e óbvias com um partido político”, defendeu.

Para Fernando Cardeira, este currículo político “não é impeditivo, mas deve ser evitado”, advertiu, tomando esta como uma posição pessoal, já que não falou ainda com os outros membros da direção do movimento.

“Tomámos posse em janeiro, e o caso do Museu do Aljube interessa-nos particularmente porque queríamos fazer iniciativas conjuntas com a direção, mas o surgimento da pandemia bloqueou tudo”, lamentou.

Desde a instalação, o museu tem vindo a desenvolver projetos como a recolha de testemunhos de combatentes pela liberdade e de histórias de vida de muitos resistentes, para consulta pública e para memória futura dos crimes cometidos pela ditadura e os agentes que a sustentaram.

Na rede social Facebook, a historiadora Irene Pimentel, com investigação feita sobre a história contemporânea, portuguesa, e várias obras publicadas sobre a PIDE, questiona: “O que é isto? Que escolha é esta? Alguém que não é nem historiadora, nem museóloga, mas apenas militante de um partido, da qual foi deputada e que, ao ser questionada, sobre o Gulag estalinista e prisões políticas na China, responde que não sabe de nada! E que tem uma licenciatura em Ciência Política e Relações Internacionais”.

“Não há concurso público para museus camarários, ou a escolha é por camaradagem? Não será de discutir o que é um museu sobre o tema do Aljube, que – lembro – foi um cárcere político?”, acrescenta a investigadora, doutorada em História Institucional e Política Contemporânea, pela Universidade Nova de Lisboa.

Por seu lado, o jurista e historiador António Araújo, doutorado em História Contemporânea pela Universidade Católica Portuguesa, também questionou, no seu blogue, a escolha de Rita Rato, considerando-a “um insulto grave aos historiadores e investigadores portugueses (…) aos resistentes e às vítimas pela liberdade”.

Ambos os historiadores referem uma entrevista ao Correio da Manhã, em 2009, na qual Rita Rato dizia desconhecer a existência dos Gulag, os campos de trabalho forçado da antiga União Soviética.

A Lusa tentou contactar a ex-deputada agora selecionada para diretora do Museu do Aljube, mas, até ao momento, não obteve resposta.