O boneco de António Costa esteve na dianteira de muitos carros alegóricos que saíram hoje da Alta de Coimbra, com o primeiro-ministro nos mais variados preparos, fosse a tocar uma flauta para ‘encantar’ o Zé Povinho, a andar com um burro à trela ou de mão dada com o ministro das Infraestruturas, João Galamba, em cima de um túmulo onde estavam ‘enterradas’ Alexandra Reis e Christine Ourmières-Widener.

Ao contrário de anos recentes, onde as mensagens de cariz sexual, imagens fálicas e trocadilhos prosaicos dominavam a narrativa do cortejo, este ano, nas laterais da maioria dos carros adornados de flores com as cores dos cursos ou faculdades estiveram presentes mensagens sobre a falta de condições laborais e salariais num futuro próximo, a crise da habitação, ou a perspetiva de emigração como solução para arranjar trabalho.

“O nosso curso tem uma licenciatura que não é fácil, investimos tanto na nossa formação e depois o mercado de trabalho oferece-nos uma remuneração que é baixa. É frustrante”, disse à agência Lusa Tomás Neves, estudante de 20 anos de Contabilidade e Auditoria no Instituto Superior de Contabilidade e Administração de Coimbra.

Mariana e Margarida, estudantes do 5.º ano de Medicina, estão num carro que tem como nome “Indestino del Gado”, numa referência à falta de perspetivas de futuro e aos novos médicos serem tratados como “gado”.

“A perspetiva de futuro não é muito alegre e então tentamos criticar, seja as vagas, as perspetivas de trabalho, o método de ensino ou a abertura de cursos no privado”, contou à Lusa Margarida, de 23 anos.

Para as duas jovens, que estão perto de terminar o curso, a perspetiva de futuro é serem “médico indiferenciados ou emigrar”.

“Temos de falar do que está mal. Este é um dia de festa, mas que não seja só para falar das flores [que adornam e decoram os carros com as cores dos cursos]. É preciso falar dos problemas”, vincou Mariana, de 22 anos.

“Oh Costa, não devíamos aumentar os salários médios? Oh Marcelo, olha para o céu que está tão bonito”, “Estudamos como desesperados, trabalhos como burros e recebemos como escravos”, “Tantumefaz [referência ao elixir Tantum] o destino final, qualquer um é melhor que Portugal”, “Costa a ganhar milhões, enfermeiros a contar tostões”, foram algumas das frases que se podiam ler nos carros que passavam em ruas cheias de estudantes, familiares e visitantes.

Também o carro de Educação Básica da Escola Superior de Educação de Coimbra decidiu dar voz aos problemas dos futuros professores, cujo “futuro é muito incerto”, notou Luísa, de 20 anos.

Em Enfermagem, Bárbara, estudante do 3.º ano, tece o mesmo cenário.

“O futuro é imprevisível e muitos pensam logo em ir para fora. Houve agora uma feira de emprego e era só agências especializadas na emigração. O Estado investe tanto na nossa formação e depois não nos segura cá”, criticou a estudante de um carro que perguntam “onde estão os aplausos” aos profissionais da saúde depois da pandemia ter acabado.

Pelo cortejo surgiam também críticas mais locais, nomeadamente dirigidas à Câmara de Coimbra, acusando-a de preferir os Coldplay à festa dos estudantes, com os concertos a terem obrigado o cortejo a decorrer a uma terça-feira em vez do já habitual domingo.

Já o carro de Arquitetura, que tradicionalmente nunca leva flores, fazia uma alusão aos problemas do seu próprio departamento, em que há muito se reclama por obras estruturais num edifício degradado e “sem condições”, explicou à Lusa a estudante Eva Castro.

“A estrutura é frágil, não tem teto e parece quase partida, tal como o edifício do departamento”, afirmou.

Este ano o cortejo, para além de ser a uma terça-feira, em vez de acontecer ao domingo, terá um percurso ligeiramente diferente na Baixa da cidade, face às obras do Sistema de Mobilidade do Mondego, estando previsto terminar na Guarda Inglesa, na margem esquerda do rio Mondego.