António Costa respondia, no debate quinzenal no parlamento, ao desafio lançado pelo líder do PSD, Pedro Passos Coelho, que questionou se o Governo estaria disposto, à semelhança do que aconteceu na queda da ponte em Entre-os Rios, a aprovar um mecanismo rápido de indemnização aos herdeiros das vítimas mortais.
"Se e quando se confirmar que há responsabilidade objetiva por parte do Estado, não terei qualquer dúvida em que utilizemos o mesmo esquema expedito que usámos anteriormente sem obrigar famílias a percorrer o calvário dos processos normais", afirmou António Costa, lembrando que era ministro da Justiça quando esse mecanismo foi criado.
"Sempre fui defensor de mecanismos extrajudiciais e também serei defensor neste caso, se for esse o caso", disse.
Perante a resposta, Pedro Passos Coelho considerou que o PSD e o Governo divergem "um pouco na avaliação da responsabilidade objetiva".
"Não há muitas dúvidas de que a responsabilidade objetiva existe (…) aquelas pessoas morreram em estradas nacionais onde a responsabilidade é do Estado", afirmou, acrescentando, contudo, que deixará "ao Governo um tempo de avaliação sobre isso".
Ainda sobre esta matéria, António Costa assegurou que o Estado e os seus serviços "têm acorrido a todas as necessidades imediatas" dos cidadãos e alertou que, caso seja provada a responsabilidade do Estado, há muito mais vítimas além das famílias dos 64 mortos, referindo-se aos feridos e aos que sofreram danos materiais.
"É por isso que é necessário apurarmos, esclarecermos e estarmos cá para assumir todas as responsabilidades", afirmou.
A troca de argumentos entre Passos Coelho - que não intervinha num debate quinzenal desde 26 de abril - e António Costa decorreu em tom moderado e foi quase exclusivamente centrada na tragédia dos incêndios na zona Centro, que provocaram 64 mortos e mais de 200 feridos e só foram dados como extintos no sábado.
Destacando a solidariedade nacional que se tem vivido no país, Passo Coelho voltou a defender um "cabal apuramento de responsabilidades do ponto de vista técnico, operacional e político" e evitar na opinião pública a "perceção de que há um jogo do empurra".
O líder do PSD saudou o consenso de quase todos os partidos (à exceção do PCP e PEV) e do Governo em relação à proposta dos sociais-democratas para que se constitua uma comissão técnica independente, que deve apurar "não o que se passou nos últimos 30/40 anos mas exatamente neste incêndio".
"Não haverá, com escrúpulo, ninguém entre privados e públicos que pode dizer que não tem uma quota-parte de responsabilidade. Mas isso não pode servir para tirar a conclusão de que a responsabilidade é de todos, logo não é de ninguém", alertou o líder da oposição.
Passos Coelho contestou ainda a argumentação de que o debate sobre esta tragédia não possa e não deva ter uma dimensão política: "Se a política não servir para discutir tragédias desta dimensão, então a política não serve para nada", afirmou.
António Costa salientou que, depois da prioridade no combate aos incêndios e socorro às vítimas, o Governo está agora focado na reconstrução e no esclarecimento de "tudo o que houver para esclarecer".
O primeiro-ministro, que teve hoje uma reunião de trabalho com os sete presidentes das autarquias mais afetadas, sublinhou que foi acertado que aquela região sirva de território-piloto para duas reformas de fundo: "a reestruturação florestal e a revitalização económica do interior".
Sobre a comissão independente, António Costa disse que a aceitou "imediatamente" e de "boa-fé" e não, como ouviu a alguns comentadores, "como uma forma de adiar o esclarecimento".
"Mas o Governo não se demite de fazer o que lhe compete", afirmou, lembrando as questões que ele próprio colocou à Autoridade Nacional de Proteção Civil, GNR e IPMA, bem como os inquéritos que foram sendo abertos na sequência das respostas, nomeadamente uma auditoria global ao sistema de comunicações de emergência (SIRESP) pelo Instituto de Telecomunicações "face a respostas não coincidentes" das várias entidades envolvidas.
O líder do PSD pediu ao Governo que tudo faça "para colmatar a desconfiança" que se instalou nas populações face ao dispositivo de combate aos incêndios, alertando que "as versões desencontradas" dão aos cidadãos "uma noção de intranquilidade e insegurança que precisa de ser ultrapassada".
Já depois de ultrapassado o tempo disponível, Passos Coelho questionou de forma breve o primeiro-ministro sobre o relatório divulgado na terça-feira da auditoria da Inspeção-Geral de Finanças ao sistema de informação e controlo das declarações modelo 38 (para operações transfronteiriças) da Autoridade Tributária e Aduaneira, mas não obteve resposta.
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