António Costa chega a Luanda na manhã de segunda-feira, durante um feriado dedicado ao “Herói da Nação”, o que remeteu a parte institucional e política do seu programa para terça-feira, altura em que se encontrará com o Presidente da República de Angola, João Lourenço.
Pela parte diplomática nacional, transmite-se uma mensagem de “confiança” sobre a perspetiva de os dois países recuperarem a partir de agora os níveis de cooperação anteriores a 2011.
Em 2011, Portugal entrou em crise económico-financeira, sendo sujeito até maio de 2014 a um programa de assistência acordado com a ‘Troika’ (Comissão Europeia, Banco Central Europeu e Fundo Monetário Internacional).
Depois, em 2014, foi a vez de Angola entrar em crise com a quebra dos preços do petróleo nos mercados internacional, fator ao qual se juntou mais recentemente a decisão da justiça portuguesa de constituir como arguido o antigo vice-presidente de Angola Manuel Vicente no âmbito da “Operação Fizz”, o que gerou, como resposta, o cancelamento por parte de Luanda de todas as visitas de alto nível envolvendo Portugal.
Entre 2014 e 2017, de acordo com os dados fornecidos pelo executivo de Lisboa, as trocas comerciais entre Portugal e Angola caíram cerca de 40%.
Com Angola a apresentar sinais de recuperação económica e de renovação política e, sobretudo, com a resolução do caso judicial – “o irritante” – de Manuel Vicente, após a decisão da justiça portuguesa de transferir este processo para Luanda, o Governo português considera que se encontram agora reunidas as condições políticas para “um novo salto” na cooperação estratégica entre os dois países.
“O campo está agora aberto”, disse fonte do executivo nacional, salientando que a visita oficial de António Costa a Angola “tem sido preparada de forma intensa ao longo dos últimos meses” e que as autoridades angolanas “têm manifestado grande empenhamento”.
Sinal do novo clima político foi ainda a marcação para 23 e 24 de novembro da visita de Estado a Portugal do presidente angolano, João Lourenço – algo que não acontecia desde 2009, quando o anterior chefe de Estado de Angola, José Eduardo dos Santos, esteve pela última vez em Lisboa.
Ainda segundo o Governo português, mesmo no período de maior tensão em consequência do processo judicial que envolveu Manuel Vicente, as relações pessoais entre o primeiro-ministro português e o chefe de Estado angolano “foram sempre muito boas”.
Desde que sucedeu a José Eduardo dos Santos na chefia do Estado angolano, António Costa já teve duas reuniões a sós com João Lourenço, a primeira no final do ano passado em Abidjan, durante a última cimeira entre União Europeia e África, e em janeiro deste ano, em Davos, na Suíça.
“Nas duas ocasiões ficou sempre a convicção de que as relações luso-angolanas voltariam ao normal logo que estivesse resolvido o ‘irritante’ judicial, algo que transcendia o Governo e o Presidente da República de Portugal”, disse fonte diplomática.
Logo na segunda-feira, no primeiro dia de visita oficial, António Costa tem no seu programa várias iniciativas que traduzem de forma simbólica o interesse do Governo português em retomar a normalidade da cooperação com Angola – país que está entre os dez maiores destinos das exportações nacionais, onde estão instaladas mais de mil empresas com capitais mistos luso-angolanos e onde residem cerca de 150 mil portugueses.
António Costa visita nesse dia a Fortaleza de Luanda, mais concretamente o renovado Museu Nacional de História Militar, vai dar um passeio pela Baia de Luanda, desloca-se ao Navio Patrulha Oceânico Viana do Castelo, aqui numa ação para evidenciar a importância da cooperação técnico-militar.
Já na parte da tarde, visita a obra do hospitalar materno-infantil da Camana, cuja construção está a cargo da empresa portuguesa Casais, num projeto avaliado em 194 milhões de dólares norte-americanos.
A cooperação na área da saúde volta a estar na agenda do primeiro-ministro na terça-feira, ao fim da tarde, antes de regressar a Lisboa, quando se deslocar ao Instituto Hematológico Pediátrico, cujas obras estão a cargo da Mota Engil, envolvendo cerca de 38 milhões de dólares norte-americanos.
Ao longo dos dois dias de presença de Luanda, António Costa estará acompanhado pelos ministros dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, e da Agricultura, Capoulas Santos, e pelos secretários de Estado Teresa Ribeiro (Negócios Estrangeiros e Cooperação), Eurico Brilhante Dias (Internacionalização) e Ricardo Mourinho Félix (Adjunto e das Finanças).
Tanto Augusto Santos Silva, como Capoulas Santos, continuarão em Luanda na quarta-feira para aprofundamento dos contactos com as autoridades angolanas.
O fim do "irritante"
Foi precisamente na cerimónia de posse do atual chefe de Estado angolano, João Lourenço, em 26 setembro do ano passado, em Luanda, que ficou patente a deterioração das relações diplomáticas entre Portugal e Angola.
Com o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, presente na cerimónia de posse, João Lourenço, no seu discurso, nunca se referiu diretamente à decisão da justiça portuguesa de constituir como arguido Manuel Vicente no âmbito da "Operação Fizz", mas enumerou os países com os quais Angola teria cooperação estratégica prioritária nos próximos anos, e ignorou deliberadamente Portugal.
Na véspera da posse de João Lourenço, o executivo angolano tinha já enviado uma nota de repúdio ao Governo português, acusando as autoridades de Lisboa de enveredarem "por uma via manifestamente política" que se traduzia "num ato inamistoso, incompatível com o espírito e a letra de relações iguais".
Na Operação Fizz, o antigo vice-presidente angolano e ex-líder da petrolífera Sonangol foi considerado pela justiça portuguesa suspeito de ter corrompido o procurador Orlando Figueira para que este arquivasse dois inquéritos, um deles o caso Portmill, relacionado com a aquisição de um imóvel de luxo no Estoril.
Perante este processo, desde o primeiro momento que as autoridades angolanas consideraram que a parte relativa a Manuel Vicente deveria ser transferida para Angola.
Pelo contrário, em Portugal, a Procuradoria Geral da República alegou que a decisão de rejeitar a transmissão do processo para Angola fundamentou-se no facto de as autoridades angolanas terem comunicado "não haver qualquer possibilidade de cumprimento de eventual carta rogatória que, porventura, lhes fosse endereçada para audição e constituição como arguido de Manuel Vicente, por considerar que o mesmo é detentor de imunidade".
A decisão da justiça portuguesa baseou-se, ainda, na comunicação por parte de Luanda de que os factos de que Manuel Vicente estava acusado se encontravam abrangidos pela Lei da Amnistia em vigor em Angola.
E foi neste clima de impasse judicial entre os dois países que o primeiro-ministro, António Costa, se encontrou pela primeira vez formalmente com o chefe de Estado angolano, em 29 de novembro passado, em Abidjan, durante a Cimeira União Europeia/África.
"Ficou claro que o único irritante que existe nas nossas relações é algo que transcende o Presidente da República de Angola e o primeiro-ministro de Portugal, transcende o poder político, e tem a ver com um tema da exclusiva responsabilidade das autoridades judiciárias portuguesas", acentuou António Costa no final do encontro com João Lourenço.
Na segunda reunião entre António Costa e João Lourenço, esta em janeiro deste ano, em Davos, na Suíça, o clima diplomático entre os dois países pouco ou nada se alterou, apesar de o tribunal de Lisboa ter já decidido separar o processo de Manuel Vicente no âmbito da Operação Fizz.
O primeiro-ministro caraterizou como "fraternas" e de "excelência" as relações económicas, sociais e culturais luso-angolanas, mas adiantou que o processo judicial que envolvia Manuel Vicente mantinha congeladas as visitas de alto nível político-diplomático entre os dois países.
As relações luso-angolanas só começaram a desbloquear-se em 10 de maio passado, quando a justiça portuguesa, na sequência de recursos apresentados pela defesa do "ex-vice" angolano, decidiu transferir para Luanda o processo relativo Manuel Vicente.
Nesse mesmo dia, o primeiro-ministro congratulou-se por "o irritante" nas relações luso-angolanas estar finalmente a desaparecer, e o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, comunicou que falara já por telefone com o seu homólogo angolano, João Lourenço, tendo os dois expressado "a vontade de desenvolver a cooperação a todos os níveis".
Ainda nessa semana, o ministro da Defesa, Azeredo Lopes, foi recebido de surpresa pelo Presidente de Angola em Luanda, num sinal de que estavam desbloqueadas as relações ao mais alto nível de Estado.
Neste novo quadro, igualmente em maio passado, o primeiro-ministro encerrou a questão do "irritante", adiantando que, depois de ter desaparecido "o obstáculo" às relações luso-angolanas, estavam já a ser efetuados os contactos diplomáticos e políticos bilaterais para que se realizasse em breve a sua visita oficial a Angola.
Quase em simultâneo, João Lourenço dizia aguardar, "ansiosamente", pela visita do primeiro-ministro português a Luanda.
Já neste mês, o ministro das Relações Exteriores angolano, Manuel Augusto, anunciou que o seu chefe de Estado realizará uma visita de Estado a Portugal nos dias 23 e 24 de novembro.
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