Sobre essa matéria tive a oportunidade de responder já há seis anos. E ainda não tenho nada para acrescentar em relação àquilo que disse há seis anos", declarou António Costa.

António Costa fez esta curta declaração no final de uma visita de mais de uma hora por todos os espaços em que estão a decorrer obras de restauro e de conservação no Teatro Nacional de São Carlos (TNSC), em Lisboa, em que esteve acompanhado pela ministra da Cultura, Graça Fonseca.

Em 22 de novembro de 2014, logo após o anúncio da detenção de José Sócrates, o então líder socialista escreveu uma carta aos militantes pedindo que separarassem as águas da política e da justiça.

"Caras e caros camaradas, estamos todos por certo chocados com a notícia da detenção de José Sócrates. Os sentimentos de solidariedade e amizade pessoais não devem confundir a ação política do PS, que é essencial preservar, envolvendo o partido na apreciação de um processo que, como é próprio de um Estado de Direito, só à justiça cabe conduzir com plena independência, que respeitamos", salientou Costa na sua mensagem.

No mesmo dia, numa sessão com militantes, rejeitou "práticas estalinistas" de eliminação de fotografias dos dirigentes.

"O PS é um partido que não adota as más práticas estalinistas de eliminação da fotografia deste ou daquele. O PS assume toda a sua história, dos bons e dos maus momentos", disse, para concluir de seguida: "o PS existe há 41 anos, e existirá por muitos mais anos, e tem uma agenda própria que transcende a agenda mediática do dia de hoje: é a agenda de construção de uma alternativa política para o país".

Três dias depois, em 25 de novembro de 2014, depois de o Tribunal Central de Instrução Criminal ter decretado a prisão preventiva de José Sócrates, António Costa reiterou que o tempo era o da justiça e insistiu na necessidade de os militantes distinguirem os planos.

"Nada disto penaliza e afeta as firmes convicções do PS quanto aos valores que são essenciais num Estado de direito democrático. A confiança nas instituições, a independência da justiça, a presunção da inocência, a prioridade ao combate à corrupção e a defesa da transparência são valores que não estão nem nunca estarão afetados na vida do Partido Socialista", afirmou António Costa, numa declaração aos jornalistas, à margem da Assembleia Municipal de Lisboa.

Em 27 de novembro de 2014, António Costa repetiu a mensagem e acrescentou o pedido de Sócrates para que a política ficasse fora do processo.

"Eu sobre essa matéria já disse tudo e acho que devemos não só respeitar o tempo da Justiça como respeitar também o próprio pedido que o engenheiro José Sócrates fez hoje para que a política se aparte do processo, de forma que a Justiça funcione e ele possa exercer o seu direito de defesa", afirmou António Costa.

O juiz Ivo Rosa marcou hoje a leitura da decisão instrutória, pela qual se vai saber quem vai a julgamento e por que crimes fica pronunciado, sendo, contudo, passível de recurso para o Tribunal da Relação.

No âmbito da Operação Marquês, o ex-primeiro ministro José Sócrates está acusado desde 2017 de 31 crimes de corrupção passiva, branqueamento de capitais, falsificação de documentos e fraude fiscal, num processo com 28 arguidos e que já dura há sete anos.

Às 19 pessoas/arguidas foram imputados 159 crimes, de um total de 189, nomeadamente corrupção passiva e ativa, branqueamento de capitais, falsificação de documento e fraude fiscal qualificada, falsificação de documento, abuso de confiança e peculato e posse de arma proibida.

As empresas estão acusadas de corrupção ativa, branqueamento de capitais, fraude fiscal qualificada.

Na fase de inquérito foram efetuadas mais de duas centenas de buscas, inquiridas mais de 200 testemunhas e recolhidos dados bancários sobre cerca de 500 contas, em Portugal e no estrangeiro.

O processo, um dos mais mediáticos de sempre da justiça portuguesa e que pela primeira envolve acusações de corrupção a um ex-chefe do governo, começou a ser investigado em julho de 2013 e reuniu extensa prova documental e digital, da qual fazem parte mais de três mil documentos em suporte de papel e 13.500 milhões de ficheiros informáticos.

A fase de instrução, que termina hoje, foi pedida por 19 dos arguidos e começou em 28 de janeiro de 2019. Um ano e três meses depois, em março de 2020, teve início o debate instrutório, que terminou em 02 de julho.

O processo é composto por 146 volumes, 56.238 folhas, às quais se juntam 4.895 folhas entregues na fase de instrução, que teve mais de 39 horas de alegações.

Na fase de instrução foram realizados 11 interrogatórios a arguidos e inquirição de 44 testemunhas, o que perfaz mais 133 horas.

A acusação do Ministério Público foi elaborada por sete procuradores, é composta por 11 volumes [5.036 folhas], 14.084 segmentos de factos e 189 crimes, dos quais 31 ilícitos penais atribuídos ao ex-primeiro-ministro.

O crime de branqueamento de capitais é o que tem mais expressão no processo com a imputação de 86 crimes, seguida por fraude fiscal (35), falsificação de documentos (34) e corrupção ativa (11).