Para apoiar "toda a linha da frente de combate ao vírus" da doença covid-19, desde médicos a auxiliares de saúde, uma empresa familiar de fabrico de fardas, localizada na freguesia lisboeta de São Domingos de Benfica, decidiu contribuir com um desconto de 20% em vestuário hospitalar, em resposta à afluência dos profissionais de saúde para adquirirem "material que não tinham", nomeadamente batas, túnicas e calças.

"Paramos, por completo, toda a produção que não seja para a área de saúde ou empresas que, nesta fase, estejam a laborar em hospitais, em centros de saúde", disse à Lusa o dono da fábrica de fardas, Marco Tavares, referindo que a procura por vestuário hospitalar tem sido, "diariamente, em massa".

Ainda que consciente do impacto económico que a empresa vai sofrer, em consequência do estado de emergência devido ao surto de covid-19, Marco Tavares defendeu que "o melhor do ser humano se está a revelar nesta altura", com toda a cadeia de produção preocupada e solidária, desde fornecedores a clientes, facilitando ao nível do adiamento do pagamento de faturas.

"Isto vai passar, vai ser muito difícil, vamos todos sair um bocadinho mais pobres, no mínimo, mas mais juntos, mais preparados para lutar e ultrapassarmos esta crise", apontou.

Segundo o responsável de marketing da fábrica, Paulo Lagartinho, o desconto no vestuário hospitalar tem sido "imprescindível" para os profissionais de saúde, "porque estão a desembolsar do seu dinheiro, dos seus vencimentos, para se poderem equipar adequadamente".

Além das fardas, a fábrica está a estudar a possibilidade de produzir máscaras de proteção para fazer frente ao vírus, "sempre numa ótica de oferta" à população, avançou Paulo Lagartinho.

Outro exemplo de solidariedade do comércio é o de Zeferino Nunes, dono de uma churrasqueira na freguesia de São Domingos de Benfica, em Lisboa.

Antes de o Presidente da República decretar o estado de emergência, o comerciante prometeu que, se o deixassem trabalhar, baixava o preço do frango, e foi o que fez.

"Enquanto a pandemia estiver instalada, o preço do frago é 6 euros. Quando voltar tudo à normalidade, o preço do frango volta, também, aos 7,10 euros", afirmou Zeferino Nunes, adiantando que foi "de cortar o coração" ver comércio a aumentar o preço em bens essenciais, como é o caso do álcool.

Sensibilizado para a perda de rendimentos das famílias, o comerciante realçou que é preciso "baixar o preço, não é aumentar, não é aproveitarem-se da situação e encherem os bolsos à conta da desgraça das pessoas".

"Não é só Portugal, é o mundo, o mundo precisava de levar, assim, este abanão", exprimiu Zeferino Nunes, referindo-se ao impacto da covid-19 na sociedade, que pode contrariar um caminho para o "abismo total" e permitir que haja "mais solidariedade".

"É preciso ter este abanão, para as pessoas pensarem. Agora as famílias estão juntas em casa, coisa que não estavam, há famílias que os pais nem viam os filhos, e agora estão", sustentou o comerciante, observando que, "infelizmente, tem de haver estas coisas más, para pôr as pessoas a pensar, não devia de ser assim".

Na fila para o frango de churrasco, Fernando Cotrim aplaudiu a iniciativa de se baixar o preço neste momento de crise.

"Estou convencido que nós, os portugueses, unidos vamos conseguir dar cabo do vírus", expôs o cliente, considerando que, apesar do impacto económico "muito complicado", o país vai "crescer no sentido humano".

Mais reticente, o jovem João Correia argumentou que a crise provocada pelo novo coronavírus "poderá ser uma oportunidade".

"É pena que só nos consigamos unir quando o mundo se virá contra nós, não sermos nós a tomar essa iniciativa, mas obviamente que poderá ser uma oportunidade e deveremos fazer de tudo para que alguma coisa consigamos aprender de melhor, para levar para o futuro", ressalvou.

Sem sair do distrito de Lisboa, na aldeia de Pirescoxe, na freguesia de Santa Iria de Azóia, em Loures, José Bragança dá o exemplo de solidariedade nas suas quatro padarias e pastelarias.

"Se hoje estás com dificuldades em pagar o pão, tira o teu saco". É com este aviso junto ao balcão da padaria que José Bragança pretende dar ajudar a quem mais precisa, porque "com esta crise, houve pessoas que, de repente, ficaram desempregadas e pediram se podia começar a fiar, pelo menos, um pãozinho".

Com o negócio a funcionar a meio gás, em que a faturação "desceu, talvez, 60%", o comerciante pretende, mesmo assim, "ajudar no máximo" que pode, criticando a situação de especulação de preços em alguns produtos.

"A sociedade é que está a estragar os humanos, que eles lá no fundo, lá no fundo, somos todas boas pessoas", avançou José Bragança, concluindo que: "Às vezes, há males que vêm por bem e este, vamos ver, vamos ver se não é só mal, espero bem que não".

O novo coronavírus, responsável pela pandemia da covid-19, já infetou mais de 271 mil pessoas em todo o mundo, das quais pelo menos 11.401 morreram.

Depois de surgir na China, em dezembro, o surto espalhou-se já por 164 países e territórios, o que levou a Organização Mundial da Saúde (OMS) a declarar uma situação de pandemia.

Em Portugal, há 12 mortes e 1.280 infeções confirmadas.

O número de mortos duplicou hoje em relação a sexta-feira e registaram-se mais 260 casos no mesmo período.

Portugal encontra-se em estado de emergência desde as 00:00 de quinta-feira e até às 23:59 de 02 de abril.

Além disso, o Governo declarou na terça-feira o estado de calamidade pública para o concelho de Ovar.

*Por Sónia Miguel, da agência Lusa