“Estamos em diálogo com Portugal e esperamos que, tal como noutros Estados-membros, seja possível que Portugal mude a legislação e volte à correta aplicação [das regras europeias]”, disse em entrevista à agência Lusa, em Bruxelas, o comissário europeu da Justiça, Didier Reynders.
Recordando que o executivo comunitário instaurou há semanas “uma ação contra Portugal pelo facto de não existir uma correta aplicação da lei europeia”, o responsável belga precisou que o passo seguinte foi encetar contactos com o Governo português esperando que “Portugal mude”.
“Se não mudar, temos sempre a possibilidade de avançar para tribunal e de pedir ao Tribunal de Justiça da União Europeia [UE] para tomar uma decisão sobre este processo de infração”, ressalvou Didier Reynders.
No início de julho, a Comissão Europeia decidiu lançar processos de infração contra Portugal e nove outros Estados-membros por violação das leis comunitárias para direitos dos passageiros, designadamente a emissão de ‘vouchers’ em vez de reembolsos, no quadro da covid-19.
Bruxelas deu, nessa altura, dois meses ao país para responder ao executivo comunitário e para “tomar as medidas necessárias para colmatar as lacunas identificadas”, caso contrário, “a Comissão poderia decidir enviar pareceres fundamentados”, naquela que é a segunda e última etapa de um processo de infração antes do eventual recurso ao Tribunal de Justiça da UE.
Antes, no início de julho, o Governo indicou à Lusa estar a equacionar uma revisão da legislação adotada temporariamente para o turismo devido à pandemia de covid-19 na sequência da advertência de Bruxelas.
Em causa está o decreto-lei adotado em abril passado com medidas relativas ao setor do turismo, no âmbito da pandemia, que prevê a emissão de ‘vouchers’ em caso de cancelamento de viagens organizadas por agências de turismo e de reservas em empreendimentos turísticos e estabelecimentos de alojamento local.
Nessa resposta à Lusa, o executivo português apontou que esta lei tem um “regime excecional e temporário”, além de ter reunido “o mais amplo consenso possível, seja da parte dos operadores económicos, seja da parte dos consumidores”, tendo em conta a “excecionalidade das circunstâncias associadas à pandemia”.
Em recomendações apresentadas em maio passado, a Comissão Europeia pediu aos Estados-membros que tornassem a escolha dos ‘vouchers’ numa “alternativa viável e atrativa ao reembolso de viagens organizadas e serviços de transporte cancelados no contexto da pandemia”, clarificando também que estes ‘vouchers’ devem ser reembolsáveis se não forem utilizados no espaço de 12 meses e que esta é sempre uma alternativa ao reembolso em dinheiro e tem de ser escolhida voluntariamente pelo consumidor.
Para os casos em que é apenas dada a opção de receber um ‘voucher’ devido ao cancelamento da sua viagem, a Comissão Europeia aconselhou a que os clientes insistam no reembolso ou que façam queixa junto das autoridades nacionais de defesa do consumidor.
“Temos de repetir que os consumidores têm sempre o direito de pedir um reembolso e não é por o país ter sido alvo de um processo de infração que isso não é permitido”, adiantou Didier Reynders na entrevista à Lusa.
Bruxelas pede investigação aos direitos dos passageiros na TAP
A Comissão Europeia solicita uma investigação das autoridades portuguesas à TAP relativamente à salvaguarda dos direitos dos passageiros, após terem chegado a Bruxelas queixas sobre alegada imposição de vales, em detrimento de reembolsos, e prestação de informações enganosas.
“Recebemos uma notificação da Organização Europeia de Consumidores e a TAP foi uma das oito companhias aéreas envolvidas na discussão. Cabe às autoridades portuguesas responsáveis pela defesa dos consumidores investigar e verificar se se registaram práticas concorrenciais desleais”, afirmou em entrevista à agência Lusa, em Bruxelas, o comissário europeu da Justiça, Didier Reynders.
Segundo o responsável, a Bruxelas foi denunciado que a TAP e sete outras companhias aéreas europeias estavam a “impor ‘vouchers’, a prestar informações confusas aos consumidores sobre os seus direitos e que, por vezes, era difícil os passageiros receberem ou pedirem reembolsos em dinheiro”, no seguimento do cancelamento de milhares de voos devido às medidas restritivas para conter a covid-19.
“É possível que estas empresas recebam milhares de pedidos de reembolso e se não pagam em sete dias [como dita a lei] isso é fácil de compreender”, mas “se o processo de pedidos de reembolso foi, intencionalmente, dificultado ou se adiado […] esse é um verdadeiro problema porque se está a pedir ao consumidor que seja credor da empresa e é nesse âmbito que podem existir investigações”, justificou Didier Reynders.
Por isso, “agora está nas mãos das autoridades nacionais verificarem se houve, de facto, práticas comerciais desleais”, frisou o comissário europeu que tutela a área dos consumidores, notando que a instituição apenas pode “pedir aos Estados-membros que estejam em total cumprimento da lei europeia”.
Além disso, “mesmo que haja uma correta aplicação da lei pelos Estados-membros, não quer dizer que os consumidores serão reembolsados pelas empresas, […] que podem não estar a cumprir as normas”, alertou o responsável.
Didier Reynders ressalvou, ainda, que o consumidor “pode sempre avançar para a justiça, se possível no âmbito de uma ação coletiva”.
Na passada quinta-feira, a Organização Europeia de Consumidores (BEUC, sigla inglesa) acusou oito companhias aéreas europeias, incluindo a TAP Portugal, de violarem os direitos dos passageiros na sequência das viagens canceladas devido à covid-19, e solicitou uma ampla investigação no setor.
Segundo a BEUC – que em Portugal é composta pela Associação Portuguesa para a Defesa do Consumidor (DECO) – em causa estão situações como a impossibilidade de solicitar um reembolso por ser difícil contactar o serviço ao cliente, a dificuldade em encontrar informação sobre reembolsos em dinheiro enquanto os ‘vouchers’ são sistematicamente promovidos e as falhas de informação aos passageiros sobre os seus direitos.
Além da TAP, as visadas foram a Aegean, Air France, EasyJet, KLM, Norwegian, Ryanair e a Transavia, que, de acordo com a organização, foram as oito companhias aéreas com mais queixas.
As normas comunitárias preveem que, perante uma viagem aérea cancelada, as companhias tenham de dar a escolher aos passageiros entre um reembolso em dinheiro e um encaminhamento futuro, nomeadamente através da emissão de um vale para posterior uso, além de serem obrigadas a prestar informação clara.
Dadas as graves dificuldades de liquidez das transportadoras aéreas, cujo negócio é dependente das receitas com bilhetes, muitas têm tentado levar os passageiros a optar pelos ‘vouchers’.
Dados do executivo comunitário enviados à Lusa revelam que, desde janeiro e até ao momento, chegaram à Rede de Centros Europeus do Consumidor cerca de 25 mil pedidos de informação sobre companhias aéreas, a maioria por recusas de reembolso, números que não incluem, porém, as queixas às associações nacionais.
Em Portugal, cabe à Direção-Geral do Consumidor (sob alçada do Ministério da Economia) assegurar o respeito pelos direitos do consumidores.
No início deste ano entraram em vigor, ao nível da União Europeia, novas regras para reforçar a defesa do consumidor, que vieram vedar práticas comerciais desleais como prestação de informações enganosas e prever a aplicação de sanções por parte dos países às empresas infratoras de até 4% do volume de negócios anual.
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