Ainda não são 09:00 quando Sara Santos e Pedro Pereira recebem a agência Lusa em sua casa. Sara dá aulas de Educação Musical a alunos ao 1.º ao 9.º ano e Pedro é professor de Educação Física, ambos na Escola Básica Integrada de Ponta Garça.

É também nesta freguesia do concelho de Vila Franca do Campo que moram e é a partir de casa que, sem aulas marcadas para aquela hora, se preparam para dar apoio a alunos que tentam aceder a outras aulas, ao mesmo tempo que a filha, Maria Jasmim, de 12 anos, aguarda o início da aula de Educação Física.

Hoje vai ter Português, na RTP, e depois físico-química, por videochamada.

Antes do início da aula teórica, Maria confessa que estes dias “têm sido diferentes”.

“Temos de estar muito atentos aos emails dos professores. Temos de estar muito atentos e muito focados. Depois temos também aulas na televisão que podemos acompanhar. O meu ciclo [3.º] só tem aulas da parte da tarde”, explica a aluna do 7.º ano.

Ainda assim, às 09:00, Maria Jasmim já estava sintonizada na RTP Memória, “caso passe alguma coisa” para a sua idade, já que “mais vale prevenir”.

A diferença horária de uma hora entre Portugal continental e os Açores deu-lhe oportunidade de, antes das suas aulas, “espreitar o que por lá se passa”. Até agora, parece-lhe que corresponde ao que aprendeu no 1.º ciclo.

Para esta aluna da Escola Secundária Antero de Quental, daqui para a frente, vai ser preciso “equilibrar um pouco”, já que, mesmo voltando ao ensino presencial, “os professores não estão impedidos de usar os computadores, a escola virtual…”

No andar de baixo, Sara e Pedro lutam para conseguir reunir todos os alunos nas plataformas.

“Isto não é nada fácil, a Nicole diz que não foi convidada para a reunião. A Nicole é uma aluna que está perdida no sistema”, conta Sara.

Pedro, que se levanta frequentemente para ir lá fora falar com outros professores e alunos, admite que uma das dificuldades que têm é serem muitas pessoas a falar ao mesmo tempo e terem que se dividir em várias divisões da casa.

“Eu não posso estar a trabalhar na mesma divisão que ela”, mencionou, apontando para Sara.

Enquanto desabafava, Maria grita de lá de cima “ó pai, eu não consigo ouvir nada!”. Mais um fogo para acudir, enquanto Sara tentava resolver o problema de Nicole.

“Muitos pais não têm condições para ultrapassar esta fase: não havia computadores em casa, os ‘tablets’ são rudimentares, sem capacidade de memória, os conhecimentos de base das novas tecnologias na utilização de plataformas não existe. Os miúdos estão apenas formatados para o uso de redes sociais”, afirma o professor.

Numa das freguesias mais pobres da região mais pobre do país, muitas famílias precisam de apoio para conseguirem acompanhar as aulas.

Uma realidade atestada por Cidália Garcia, professora contratada de Português, Francês e Educação Especial, que este ano está a lecionar francês a alunos do 7.º, TPCA (Turmas com Projeto Curricular Adaptado) e 9.º ano, na Escola de Ponta Garça.

“Falei com uma mãe que me disse que não tinha Internet, porque precisa desse dinheiro para comprar comida. É complicado nos dias de hoje vermos que existe ainda muita pobreza, e às vezes pobreza envergonhada”, conta a professora.

Partilha, neste momento, a sua casa apenas com o filho de 13 anos, Francisco, porque o seu marido é enfermeiro nos cuidados intensivos do Hospital do Divino Espírito Santo, em Ponta Delgada, e está em isolamento num alojamento local.

À Lusa, Francisco, aluno do 8.º ano na Escola Secundária da Ribeira Grande, confessa que o sistema de ensino à distância “podia estar mais bem organizado do que está agora”, uma vez que está “tudo espalhado por várias plataformas”.

“Acho que há uma falta de fluidez”, atira.

Se vai ou não acompanhar as lições através da telescola, confessa que “os professores não têm dado indicações” nesse sentido.

Já Rui Carreiro, pai de Gustavo, de 7 anos, adianta que a “escola aconselhou a acompanhar a telescola, mas ele costuma ter aulas de manhã, através do zoom”.

“Eu, pessoalmente, ainda não me consegui inteirar com a programação da televisão”, reconhece.

O ensino à distância “tem sido uma coisa completamente nova”, e teve de comprar uma impressora e uns ‘headphones’ para que o filho, que estuda no Jardim-Escola João de Deus, pudesse acompanhar as aulas através das plataformas digitais.

“Eu questiono-me, noutras famílias com menos possibilidades, como é que conseguem. E eu só tenho um filho – para mim torna-se super fácil. Ele tem o computador totalmente disponível para ele, não tem de revezar com outros irmãos, não é?”

Foi a pensar nessas famílias que arrancou hoje a telescola, transmitida na RTP Memória.

As aulas começam às 9:00 para os mais pequenos e terminam às 17:30 depois das matérias dadas aos do 9.º ano. A grelha horária está disponível em https://www.rtp.pt/estudoemcasa-apresentacao/

Também a RTP Açores está a transmitir conteúdos para o ensino pré-escolar e 1.º ciclo, atendendo a que a região tem um currículo diferente do de Portugal continental, principalmente em matemática.

Com base em dados do INE de 2019 sobre famílias com filhos com menos de 15 anos que vivem em habitações sem acesso à Internet, os economistas Hugo Reis e Pedro Freitas concluíram que, só no ensino básico, a nível nacional, haverá cerca de 50 mil alunos nesta situação.

Portugal regista 735 mortos associados à covid-19 em 20.863 casos confirmados de infeção, segundo o boletim diário da Direção-Geral da Saúde (DGS) sobre a pandemia.

O país cumpre o terceiro período de 15 dias de estado de emergência, iniciado em 19 de março, e o decreto presidencial que prolongou a medida até 02 de maio prevê a possibilidade de uma "abertura gradual, faseada ou alternada de serviços, empresas ou estabelecimentos comerciais".

*Por Inês Linhares Dias (texto) e Eduardo Costa (fotos), da agência Lusa