No Relatório de Inquérito relativo à intervenção da PSP no quadro das celebrações promovidas pelo Sporting Clube de Portugal (SCP), ocorridas nos dias 11 e 12 de maio de 2021, pode ler-se o o seguinte:

Após "ter tomado conhecimento, através das redes sociais, da realização de um cortejo festivo da equipa do SCP passando pela praça do Marquês de Pombal", um pai dirigiu-se ao local "levando consigo o filho menor de 13 anos", tendo "todos chegado ao local às 22h34".

Por volta das 3h50, pai e filho encontravam-se "numa zona de confluência entre a Avenida Fontes Pereira de Melo e a praça do Marquês de Pombal, do lado de parque Eduardo VII, à frente de um grupo de adeptos que arremessava garrafas de vidro sobre os polícias".

Sete minutos depois, o trio elétrico que transportava a equipa de futebol dos leões chega ao Marquês de Pombal.

Foi "imediatamente após a passagem do primeiro autocarro do cortejo" que " o menor de 13 anos foi atingido por um projétil não identificado, disparado pelo dispositivo policial, que o atingiu na região parietal direita, causando-lhe ferimento, na sequência do qual caiu no solo".

Acrescenta o relatório que "o menor foi assistido pela equipa de socorro dos bombeiros no interior do perímetro de segurança".

A PSP instaurou um processo disciplinar para analisar a situação.

MAI diz que Sporting não colaborou. Leões lembram ao ministro que não é o clube que impõe as regras

Este relatório foi apresentado esta sexta-feira pelo Ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita e disponibilizado para consulta pública no site do IGAI.

Na apresentação deste relatório, Eduardo Cabrita disse que “o Sporting Clube de Portugal não respondeu a qualquer dos pedidos de esclarecimento feitos pela IGAI”, o que o clube contesta.

Também presente na conferência de imprensa, a inspetora-geral da Administração Interna, Anabela Cabral Ferreira deu conta que "ao Sporting Clube de Portugal e ao Sporting SAD foram solicitados sete conjuntos de documentos, mas não obtivemos respostas e entendemos que a falta de resposta não podia daí decorrer prolongar mais inquérito para além do prazo fixado de 60 dias”.

Num comunicado divulgado ao início da noite de sexta-feira, o clube de Alvalade considerou que "as declarações assumidas pelo ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita, relativamente às comemorações do título de Campeão Nacional de Futebol, no passado mês de Maio, são de extrema gravidade". Segundo o clube, "é lamentável o profundo desconhecimento que o ministro revela dos factos sucedidos que resultaram na transmissão à esfera publica de informações que, em nada, correspondem ao realmente sucedido".

O Sporting argumenta que "o plano executado na celebração do título foi resultado de uma proposta discutida, aceite e planeada por todas as partes, sendo que inclusive a proposta original não surge por parte do Sporting CP".

Isto não é, todavia, o que consta do relatório, que atribui ao SCP a proposta de um cortejo até ao Marquês de Pombal.

O clube diz ainda que "foram abordados vários cenários com as autoridades. Destes a possibilidade de comemoração exclusivamente do interior do estádio foi debatida em reunião no MAI a 07 de maio e nenhuma das entidades acabou por aceitar a sugestão (...)".

Segundo o relatório, todavia, esta foi a opção defendida em vários momentos pela PSP.

A decisão final sobre a forma com os festejos se deveriam realizar surge apenas um dia antes da festa, numa nota assinada por Eduardo Cabrita onde se lê que "as três alternativas referidas foram analisadas [festejos no interior do estádio, festejos em zona exterior controlada, cortejo com trio elétrico]" e "a Câmara de Lisboa e o SCP acordaram com a terceira alternativa".

São então dadas ordens por parte do MAI para que a PSP se articule com a CML e o SCP para garantir a segurança dos festejos.

O clube, todavia, reforça em resposta às críticas do ministro que o clube "participou nas reuniões de forma colaborativa" e lembra que "não é o Sporting CP que impõe regras à DGS, PSP, Ministério da Administração de Interna ou ao Governo".

Nas conclusões do relatório, todavia, lê-se que "apesar de dizer sempre que aceitaria qualquer modalidade de festejos que fossem decididos, nomeadamente, nada a realizar, o seu posicionamento perante a apresentação de alternativas demonstra o contrário. O SCP seria irredutível na decisão de promover o desfile, mesmo após as intervenções da PSP e do Subdiretor geral da saúde (...). O SCP nunca colocou a hipótese de, simplesmente, não se realizarem quaisquer festejos fora do estádio".

Mas o que diz, afinal, o relatório? A cronologia de uma festa conturbada

— Cerca de dois meses antes da 32º jornada [em março], o Sporting contactou o Secretário de Estado Adjunto e da Administração Interna "no sentido se solicitar a realização de uma reunião preparatória para os festejos do SCP. O pedido terá ficado sem resposta, "porque ainda se estava longe do final do campeonato" e era "prematuro" e a reunião só viria a ter lugar em maio.

— No mês seguinte, em abril, a Câmara Municipal de Lisboa (CML) contactou a PSP no sentido de convocar uma reunião preparatória. A PSP recusou participar na reunião.

— No dia 3/05/2021, a apenas oito dias da festa, o município remete um e-mail à PSP colocando-se à disposição "para as diligências tidas como convenientes para apoiar a ação da PSP na gestão" dos festejos.

— No dia 6/05/2021, o Sporting volta a contactar o Secretário de Estado Adjunto e da Administração Interna para marcar a dita reunião de preparação dos festejos. Nesse mesmo dia, na CML, teve lugar uma reunião entre o município, o SCP, o Comando Metropolitano de Lisboa e a Polícia Municipal de Lisboa.

Nesta reunião, onde se discutiu "a proposta do SCP para os festejos na via pública com cortejo do autocarro pela cidade, passando pelo Marquês de Pombal" e "a receção da equipa nos Paços do Concelho", a PSP disse que "garantiria a segurança a qualquer evento", chamando porém à atenção para a potencial aglomeração de pessoas em tempo de pandemia.

Já o representante da Direção-Geral da Saúde (DGS) presente "opôs-se à organização de festejos na via pública, salientando a atual situação pandémica". Neste encontro, a cinco dias dos festejos, "não foi tomada qualquer decisão em relação aos festejos na via pública".

— No dia seguinte, a 7/05/2021, tem lugar uma reunião no Ministério da Administração Interna (MAI) com o SCP em que participaram também a PSP, a CML e um representante da DGS.

A proposta do Sporting foi ter "um primeiro momento dentro do estádio (com sponsors, convidados restritos e comunicação social)" e um segundo momento, a seguir ao jogo, "de contacto da equipa do SCP com o público, com cortejo a realizar de Alvalade até à Praça do Marquês de Pombal". Pedia ainda o "recurso a uma autoescada do Regimento de Sapadores de Bombeiros para a colocação de um cachecol na estátua do Marquês de Pombal", ideia que acabaria por cair.

A PSP disse que "preferia que as comemorações fossem realizadas no interior do estádio e foi contrária à realização do cortejo". No entanto, segundo o relatório, "o representante da Direção Nacional da PSP, onde exerce funções no Departamento de Operações, teve um papel fundamental na reunião, mas que foi completamente subestimado pelo SCP".

Mas não houve consenso e a reunião terminou também sem decisões.

— Foi também no dia 7/05/2021 que a Juventude Leonina contactou as autoridades (CML, PSP) para comunicar a realização "de um evento que denominou como manifestação", com "a presença de um veículo onde iriam transmitir o jogo e com música". A comunicação foi depois encaminhada para o MAI e para a Polícia Municipal.

(Questionado sobre esta matéria, durante a apresentação do relatório, Eduardo Cabrita considerou que se tratou de "um uso manifestamente abusivo da figura do direito de manifestação”)

— Só no dia 9/05/2021, a dois dias dos festejos, o SCP recebeu "a notícia informal" de que "haveria autorização para a realização do cortejo".

— No dia seguinte, a 10/05/2021, a Direção Nacional da PSP remete para o MAI um ofício em que são considerados três cenários de atuação: 1) celebração no interior do recinto; 2) Recinto improvisado no Marquês de Pombal, 3) Utilização de trio elétrico/desfile pela via pública.

Nesta nota, a PSP volta a recomendar como "formato preferencial" a "celebração no interior do recinto desportivo". Só em última opção, refere, deve ser realizado do cortejo devido ao "elevado grau de imprevisibilidade relativamente à manutenção da ordem pública e riscos elevados".

Quanto à "manifestação" comunicada pela Juventude Leonina propõe-se a definição de um perímetro através de grades; controlo de acessos com revistas pessoais e a fiscalização do cumprimento das regras inerentes à pandemia, como o uso de máscara e o distanciamento social".

A PSP apela ainda à CML, por e-mail, que recuse o pedido da Juventude Leonina para ter ecrãs gigantes nestas manifestação "uma vez que tal facto propiciará ajuntamentos". A CML, todavia, afirmou desconhecer esta comunicação. Nas conclusões do relatório lê-se que "tornou-se evidente (...) que qualquer evento que seja comunicado à CML como uma manifestação, é tratado como tal, independente da sua natureza". Ficou também ilustrada "a falta de competência da CML para apreciar ou limitar o direito à manifestação", cabendo-lhe intervir somente se existirem dois eventos marcados para o mesmo local à mesma hora. No entanto, ao aceitar o enquadramento jurídico de manifestação, a CML "condicionou a atuação da PSP", lê-se no relatório.

Ainda no dia 10/05/2021 uma nota assinada por Eduardo Cabrita diz o seguinte: "As três alternativas referidas foram analisadas [festejos no interior do estádio, festejos em zona exterior controlada, cortejo com trio elétrico] na reunião de de sexta-feira passada. A Câmara de Lisboa e o SCP acordaram com a terceira alternativa".

São então dadas ordens por parte do MAI para que a PSP se articule com a CML e o SCP para garantir a segurança dos festejos.

— No dia 11/05/2021, dia em que o Sporting se viria a sagrar campeão nacional de futebol, a "manifestação" da Juventude Leonina estava marcada para as 14h00, mas a essa hora não estava ainda montado o dispositivo de segurança pela PSP. O Posto de Comando Operacional só é ativado às 14h30 e só pelas 16h00 chegou ao Estádio José Alvalade, já os veículos com os ecrãs gigantes estavam estacionados no local.

Segundo as conclusões do relatório, a PSP "ainda aguardava a resposta da CML à recomendação da Polícia para que fosse impedido aos promotores a colocação dos meios de transmissão vídeo e áudio no local".

E quais foram as conclusões do IGAI?

No final do relatório pode ler-se que "considerando o que antecede, a intervenção da PSP no quadro das celebrações promovidas pelo SCP, ocorridas nos dias 11 a 12 de maio, não é digna de censura disciplinar".

Na apresentação deste relatório, a Inspeção-Geral da Administração Interna (IGAI) concluiu que “globalmente” a PSP “cumpriu a sua missão” durante os festejos do Sporting como campeão nacional de futebol, não tendo sido aberto qualquer processo disciplinar quanto à sua atuação.

“Quanto à atuação da PSP a conclusão de que a IGAI chegou é que globalmente não há razões para instaurar processos de natureza disciplinar”, disse a inspetora-geral da Administração Interna, Anabela Cabral Ferreira, na conferência de imprensa de apresentação do relatório sobre a atuação da Polícia de Segurança Pública nos festejos do Sporting.

A inspetora-geral reconheceu que a PSP podia “ter agido de uma forma melhor” junto ao estádio do Sporting e no Marquês de Pombal, mas, “globalmente apreciado”, cumpriu a sua missão, que “era num quadro dificílimo”. “As circunstâncias em que atuou a PSP eram efetivamente muito difíceis, apesar disso conseguiu realizar a sua missão”, disse, recordando que atuou “num quadro de pandemia e em que havia milhares de pessoas na rua”, além do autocarro com a equipa ter chegado ao Marquês de Pombal por volta das 04:00, onde havia “uma grande agitação”.

Foi ainda anunciado que a IGAI vai abrir um processo de inquérito para acompanhar as queixas-crime decorrentes da ação policial que forem denunciadas à justiça, tendo sido até ao momento apresentadas duas.

Recorde-se que o Sporting sagrou-se a 11 de maio campeão português de futebol pela 19.ª vez, 19 anos após a última conquista, e durante os festejos ocorreram confrontos entre os adeptos e a polícia.

À data, a PSP referiu, em comunicado, que os festejos dos adeptos do Sporting em alguns locais de Lisboa resultaram em "alterações relevantes da ordem pública” e que foi necessário reforçar o dispositivo policial para “restabelecer a ordem e tranquilidades públicas” e “conter as desordens”, que consistiram “no arremesso, na direção dos polícias, de diversos objetos perigosos, incluindo garrafas de vidro, pedras e artefactos pirotécnicos, que também atingiram outros cidadãos”.

A PSP alegou ter usado a força pública, incluindo o disparo de balas de borracha, para fazer face aos comportamentos "desordeiros e hostis por parte de alguns adeptos”.

Foram detidas três pessoas e identificadas outras 30. A polícia apreendeu ainda 63 engenhos pirotécnicos.

(Notícia atualizada às 21:29 com novas informações constantes do relatório)