Com uma contração do PIB de 5,7%, uma inflação de 180,9%, em 2015, e a escassez de dois terços dos produtos básicos, os apagões diários e as falhas de abastecimento de água agravam o dia a dia dos venezuelanos, que desde quarta-feira pedem a realização de um referendo pela revogação do mandato de Nicolás Maduro.

O Presidente, que tem uma imagem negativa que chega aos 68%, ordenou um racionamento elétrico desde a última segunda-feira na maior parte do país e reduziu para dois dias da semana a jornada do setor público com o objetivo de poupar energia.

Em Maracaibo, a segunda cidade do país, manifestantes queimaram pneus e bloquearam ruas em mais um protesto contra o racionamento de energia e de bens.

"Estamos a protestar porque não há comida e agora tiram-nos a eletricidade para beneficiar Caracas. Como é possível ficar 12 horas numa fila para conseguir apenas um pacote de farinha", denunciou Ana Pirella, professora com 56 anos.

A Guarda Nacional informou que 100 pessoas foram detidas durante os protestos, protestos que resultaram em saques a cerca de 50 estabelecimentos em Maracaibo. O general Néstor Reverol, comandante da Guarda Nacional, informou que 3.500 homens foram enviados para a cidade na véspera.

Os analistas consideram que as medidas governamentais refletem improvisação e desconhecimento. Miguel Lara, ex-gerente do órgão estatal que administra a rede elétrica, assegurou à AFP que o atual esquema de cortes residenciais, que exclui o horário de pico da noite, "não é correto em termos de engenharia", pois leva a pontos altos de consumo impossíveis de serem supridos por um sistema que não tem geração e transmissão de energia suficiente. Os residentes do interior do país queixam-se que os apagões não são realizados de acordo com os cronogramas.

Nicolás Maduro justificou o racionamento com a seca causada pelo El Niño, o pior nos últimos 40 anos, fenómeno que esvaziou a bacia hidrográfica da hidroelétrica de El Guri, que gera 70% da eletricidade da Venezuela.

O nível de água estava, na quarta-feira, apenas um metro acima do ponto crítico, o que obriga a paralisar as turbinas de geração. Miguel Lara assegura que a demanda atual de 15.500 megawatts pode ser garantida com o parque termoelétrico, que alcança 18.400 megawatts, "sem a necessidade de El Guri, mas as centrais eléctricas só operam a 35% da sua capacidade porque não recebem a manutenção ou porque não há combustível para isso", devido ao deterioramento das refinarias da estatal Pdvsa.

O ex-funcionário aponta que a estatal Corpoelec, que unificou todas as empresas de energia após a nacionalização do setor em 2007, é um posto burocrático, com poucos especialistas e sem a manutenção adequada nos equipamentos. Isto, segundo Miguel Lara, provocou uma superexploração dos recursos hídricos, ao que se soma os casos de corrupção em contratos de construção de centrais elétricas e hidroelétricas.

A empresa "Capital Economics" afirma que "durante a crise elétrica de 2010, o país pôde importar energia, mas com a atual falta de divisas (devido à queda dos preços do petróleo), esta não é uma opção".

A "Eurasia Group" aponta igualmente que, por causa da falta de divisas, o governo não pode, para já, recuperar o parque termoelétrico ou melhorar a sua infraestrutura.

Economia de descaso

Os funcionários públicos, que já tinham as sextas-feiras livres, pelo menos até junho, agora só trabalham às segundas e terças-feiras. Além disso, as escolas só vão funcionar de segunda a quinta-feira. "A educação, que já é deficiente, será mais agora com essa folga. Haverá mais atraso económico pelos dias livres, falta de água, insegurança e escassez de alimentos. A minha mãe vive em Barquisimeto e ontem privaram-na de luz durante quatro horas duas vezes, na madrugada e pela noite", comentou Izaguirre, um designer gráfico de 42 anos.

As medidas também são questionadas pelo presidente da Fedecámaras, Francisco Martínez, que acredita que "novamente o país dá uma demonstração de que está parado", advertindo que as medidas "vão afetar enormemente a atividade da produção de bens e serviços".

A "Capital Economics" estima que a crise elétrica "pode reduzir em 1,5 ponto o PIB deste ano, impulsionando a contração económica até 9,5 ou 10%".

Francisco Martínez lamenta que os cortes cheguem justamente quando o país "necessita de mais tempo para trabalhar, 24 horas por dia se for possível, para recuperar todo o terreno perdido na produção", acrescentando que "isso terá um impacto sobre a escassez".

Segundo a Conindustria, principal sindicato industrial do país, durante o último trimestre de 2015, 70% dos seus afiliados manifestaram que "o racionamento elétrico era um dos fatores que impedem o aumento da produção".