“O que nós vamos vendo é que essa é uma tendência que se tem vindo a recuperar. A seguir à pandemia, lentamente, as pessoas foram voltando ao mercado, à venda direta e aos cabazes. Tudo isso acaba por se estar a recuperar”, apontou, em declarações à Lusa, Pedro Santos, da direção da Confederação Nacional da Agricultura (CNA).
No entanto, a confederação notou que existe “uma pressão muito grande” para que os consumidores façam as suas compras nas grandes superfícies, impulsionada pelas campanhas promocionais e pelos incentivos dados pelo Governo.
Exemplo disso, segundo Pedro Santos, é a isenção da tributação em sede de IRS no caso do subsídio de alimentação, que é superior quando é paga em cartão de refeição, uma escolha que impossibilita as compras na maior parte das bancas dos mercados e feiras.
“A forma como estes incentivos são dados, canaliza para um determinado local, em detrimento de outros. Tem sido feito algum investimento [na própria atividade dos mercados], mas está longe do que seria necessário”, acrescentou, lembrando que os horários destes pontos de venda não permitem que sejam frequentados por um grande número de pessoas.
O consumidor, que já optava por marcas próprias (vulgarmente conhecidas como marcas brancas) nos supermercados, começa agora também a fazer escolhas dentro do cabaz básico de alimentos.
“É a parte mais complicada para as famílias, quando percebem que têm que começar a diminuir. Muitas vezes, reduzem outras despesas para suportar os custos da alimentação e chega o momento em que os gastos na alimentação também têm que ser reduzidos. Não é uma situação com a qual podemos continuar indiferentes”, referiu a coordenadora do Gabinete de Apoio ao Consumidor da Deco, Ana Sofia Ferreira.
Segundo a Deco – Associação Portuguesa para a Defesa do Consumidor, esta realidade tem levado os consumidores a ficarem mais atentos e a alertarem para práticas que consideram erradas, como as diferenças entre o preço da prateleira e o valor pago na caixa dos supermercados ou a reduflação (diminuição do tamanho dos produtos, mas o preço fica inalterado).
As queixas enviadas à Deco têm vindo a aumentar desde o último semestre de 2022 e a associação lembra que o preço de venda ao público tem que ser cumprido, aconselhando assim os consumidores a utilizar o livro da reclamações e também a dar conhecimento da situação à ASAE- Autoridade de Segurança Alimentar e Económica.
Em particular, no que se refere à reduflação, Ana Sofia Ferreira explicou que não existe regulamentação nesta matéria, mas apelou às empresas para que sejam “transparentes na informação disponibilizada ao consumidor”.
A Deco pede também a criação de um Observatório de Preços, que represente toda a cadeia – produção, distribuição, retalho e consumidores.
Entre janeiro e 21 de março, o Portal da Queixa recebeu 9.488 reclamações nas categorias água, eletricidade e gás, bancos, financeiras e pagamentos, gastronomia, alimentação e bebidas, híper e supermercados, transportes públicos, aluguer e condução e tecnologia, um aumento homólogo de 30%.
No caso da gastronomia, alimentação e bebidas, foram recebidas 980 queixas, sobretudo, devido a problemas com entregas ou pedidos (471) e mau atendimento (258), tendo-se verificado uma taxa de resolução de 37,6%.
Já os híper e supermercados foram alvo de 603 reclamações por, sobretudo, aumento de preço dos produtos (222 reclamações), mau atendimento (178) e problemas com entregas ou pedidos (144), com uma taxa de resolução de 78,5%.
Os comparadores de preços e as plataformas alternativas de compras também são já uma realidade para os portugueses, que optam, cada vez mais, por cabazes de alimentos, com destaque para os que vêm diretamente do produtor, apesar de também terem sofrido alguns aumentos.
Na Fruta Feia, cooperativa que criou um mercado alternativo para frutas e hortaliças de dimensões e aspeto não padronizados, que tem por objetivo combater o desperdício alimentar e gerar valor para os agricultores, tem-se verificado um aumento do número de inscrições e um maior compromisso quanto ao levantamento dos cabazes.
“Na nossa cooperativa, os cabazes que não são cancelados previamente e não são levantados, são doados a instituições que os encaminham para pessoas que precisam, mas os associados pagam na mesma esses cabazes. Se antes alguns associados não iam levantar o cabaz, não se importando de o pagar na semana seguinte, pois sabiam que o mesmo tinha sido doado, hoje em dia, dada a diminuição do poder de compra do consumidor, isso já pouco se verifica”, adiantou, em resposta à Lusa, a equipa da Fruta Feia.
Para aumentar o preço pago aos agricultores, a Fruta Feia optou por agravar o valor do cabaz aos consumidores, mas, mesmo assim, tem-se verificado, em alguns pontos, uma subida significativa das compras de cestas grandes (7,80 euros).
“O aumento de preços a que assistimos nos supermercados não reflete um aumento equitativo do valor de compra aos agricultores, mas sim um aumento do lucro dos mesmos. Foi, contrariando esta lógica, que a Fruta Feia decidiu aumentar o preço da cesta a partir de outubro de 2022”, referiu.
Também na Too Good To Go, aplicação que liga os utilizadores a lojas com excedentes alimentares, o número de clientes cresceu 42% no ano passado, evolução que acompanhou a inflação, uma vez que os consumidores “procuram por alternativas mais económicas para cumprir com as mesmas necessidades de compras dos cabazes de alimentos familiares”.
Desde 2019, em Portugal, já foram salvas mais de 2,6 milhões de ‘surprise bags’ (caixas com excedentes alimentares, a um preço mais acessível), graças a 3.700 parceiros e 1,5 milhões de utilizadores.
A nível global, a Too Good To Go conta com 200 milhões de refeições salvas, sendo que, a cada segundo, através da aplicação, são aproveitadas três ‘surprise bags’.
Perante o atual contexto económico, os consumidores recorrem, cada vez mais, a comparadores de preços de produtos e créditos na hora de fazer as suas compras e, apesar de os bens essenciais, regra geral, não fazerem parte dos produtos analisados, categorias como a alimentação animal têm já alguma expressão.
Dados do KuantoKusta, apontam que, em 2023, manteve-se uma “elevada procura” por ‘smartphones’ ou televisores, mas também se destacaram produtos de saúde, beleza e alimentação animal.
“Categorias como portáteis, ração seca para animais, produtos de cuidado de rosto e pequenos eletrodomésticos, nomeadamente ‘airfryer’, ganham mais expressão nas pesquisas. Por outro lado, as categorias relacionadas à área de casa e decoração registaram um decréscimo […]. A tendência para comparar mais preços em produtos de valor menor e de compra mais regular é algo que, no último ano se intensificou, principalmente, após o início da guerra e com o aumento da inflação”, explicou à Lusa o diretor comercial do KuantoKusta, André Duarte.
Este responsável adiantou ainda que os consumidores não têm optado pelos produtos mais baratos, mas feito compras “informadas e ponderadas”, principalmente as de maior valor.
“A nossa experiência como ‘marketplace’ do KuantoKusta mostra-nos, por exemplo, que em produtos de compra recorrente como ração para animais ou produtos de higiene pessoal, o prazo de entrega é, por vezes, o fator com mais peso na decisão. O cliente não se importa de pagar um preço ligeiramente acima do preço mais barato se receber a encomenda com mais antecedência”, acrescentou André Duarte.
Já o recurso a crédito para fazer compras tem vindo a ser impactado, nomeadamente pela subida das taxas de juro, sendo que, por exemplo, no caso do interesse pelo crédito à habitação a quebra foi de quase 50% no primeiro trimestre deste ano, de acordo com o ComparaJá.
“O crédito está cada vez mais caro e, por isso, a solução adotada pela maior parte dos portugueses tem passado por melhorar as condições dos créditos já contratados, transferindo os mesmos para outros bancos”, defendeu o ‘managing director’ do ComparaJá, André Pedro.
No mesmo sentido, a procura também diminuiu no crédito pessoal (-1,16%), o que, “tendo em conta a imprevisibilidade dos mercados, é normal que as pessoas se retraiam na contratação de créditos”.
A comparação de tarifas de energia também evoluiu este ano, tendo, em média, entre janeiro e março, mais do que duplicado.
Situação parecida verificou-se com os seguros, cuja procura disparou quase 94% em comparação com o período homólogo, destacando-se o seguro automóvel.
Para conter o impacto da inflação na carteira dos portugueses, o Governo lançou um conjunto de medidas, como a aplicação de uma taxa de IVA de 0% num cabaz de produtos alimentares essenciais e o reforço dos apoios à produção, uma ajuda que vai custar cerca de 600 milhões de euros aos cofres do Estado.
A lista de produtos com IVA a 0% inclui o atum em conserva, bacalhau, pão, batatas, massa, arroz, cebola, brócolos, frango, carne de porco ou azeite.
O Pacto para a Estabilização e Redução de Preços dos Bens Alimentares, que foi celebrado entre o Governo, a Associação Portuguesa de Empresas de Distribuição (APED) e a Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP) prevê ainda um reforço de 140 milhões de euros nos apoios à produção.
O executivo comprometeu-se igualmente a assegurar a renovação imediata do apoio extraordinário ao gasóleo agrícola, bem como o apoio para mitigar os aumentos dos custos com fertilizantes e adubos.
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