No meio do descontentamento popular pela cada vez maior escassez de alimentos básicos e medicamentos, além dos cortes diários de luz e água, e a inflação mais alta do mundo, Maduro tomou medidas mais radicais nos últimos dias.

Na sexta-feira, o presidente prorrogou um decreto de emergência económica, em vigor desde janeiro, mas de forma surpreendente acrescentou a este um estado de exceção com a duração de 60 dias. Maduro não descartou a hipótese de estender este estado de exceção sucessivamente, até 2017.

No entanto, o texto da medida, que restringe o direito de protesto e de reunião e autoriza buscas e detenções sem a necessidade de um mandato judicial, autoriza o executivo a adotar decisões para garantir à população o "usufruto pleno dos seus direitos, preservar a ordem interna e reduzir os efeitos de fenómenos climáticos" que afetam a produção elétrica e o acesso a alimentos.

Para já, Nicolás Maduro ordenou o retomar de atividade das indústrias paradas, colocando na mira quatro fábricas da cervejeira Polar - principal produtora de alimentos e bebidas do país - fechadas por falta de divisas para comprar matéria-prima.

"Este governo está a agir de forma autoritária para permanecer no poder", afirmou na segunda-feira o vice-presidente da oposição, Tomás Guanipa, numa conferência de imprensa.

O governo justifica o estado de exceção com um suposto plano por parte dos Estados Unidos e dos líderes da oposição venezuelana para intervirem no país com as maiores reservas de petróleo do mundo, sob o pretexto de uma crise humanitária. Perante esta "ameaça externa", Maduro ordenou a realização no próximo sábado de exercícios militares.

Nicolás Maduro também fundamenta o estado de exceção pela necessidade de tomar medidas drásticas contra a "guerra económica" que, segundo o presidente da Venezuela, a oposição executa para levar à escassez de bens e lançar o povo contra si. Neste contexto, admite flexibilizar o controlo de preços em troca da elevação da produção por parte de algumas indústrias.

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O decreto ordena à Força Armada Bolivariana e aos demais órgãos de segurança que "garantam a correta distribuição e comercialização de alimentos e produtos de primeira necessidade". A medida associa-se aos recém-criados Comités Locais de Abastecimento e Distribuição (CLAP), grupos de cidadãos encarregados da entrega direta de alimentos subsidiados para evitar que estes acabem nas mãos de contrabandistas.

Nicolás Maduro atribuiu ainda aos CLAPs "funções de vigilância e de organização", em conjunto com as Forças Armadas e a Polícia, "para manter a ordem pública e garantir a segurança e a soberania do país". "É uma delegação de poderes ilimitada a favor do presidente, cujo poder se concentra e aumenta", disse o constitucionalista José Ignacio Hernández.

Nesta segunda-feira, os Estados Unidos expressaram a sua preocupação com as condições de vida dos venezuelanos, e pediram a Maduro que ouça os críticos para não aprofundar a crise. "As condições da população venezuelana são terríveis", disse o porta-voz da presidência Josh Earnest.

Estado de exceção à prova

Mas os sinais de radicalização vão além do presidente socialista, cuja gestão é reprovada por 68% dos venezuelanos, de acordo com a empresa de sondagens Venebarómetro.

O vice-presidente, Aristóbulo Istúriz, rejeitou no domingo a possibilidade de Maduro, o herdeiro político de Hugo Chávez - que esteve à frente do país entre 1999 e 2013 - deixar o poder mediante um referendo. "Maduro não vai sair por referendo porque, primeiro, aqui não vai haver referendo. Eles sabem que não vai haver referendo porque: primeiro, fizeram-no (o processo) tarde; segundo, fizeram-no mal; e em terceiro, cometeram fraude", disse Istúriz, referindo-se às assinaturas entregues pela oposição para que o processo seja ativado.

Tomás Guanipa considerou que esta advertência é uma "piada" que não vai diminuir a pressão pela consulta popular. "Vão ter que matar-nos a todos antes de dar um golpe parlamentar", advertiu. Recorde-se que o Legislativo rejeitou o decreto de emergência em janeiro mas o Tribunal Supremo de Justiça validou o texto ao destacar que a votação parlamentar não afeta a integridade da medida.

Carlos Ocariz, porta-voz do movimento "Mesa de la Unidad Democrática" (MUD), que defende a realização do referendo revogatório, afirmou nesta segunda-feira que, embora o governo venezuelano insista que o processo eleitoral não será realizado, o referendo presidencial depende da pressão exercida sobre as autoridades.

"Há um poder eleitoral que, em teoria, é autónomo e independente e é esse poder eleitoral que deve ser obrigado a cumprir com o seu dever de defender o direito das pessoas a um referendo", afirmou Carlos Ocariz, em entrevista ao canal de televisão Globovisión. O porta-voz acrescentou ainda que "o MUD vai continuar a pressionar", referindo-se a um plano da aliança de partidos, que vai insistir na consulta popular com manifestações nas ruas dirigidas ao Conselho Nacional Eleitoral (CNE).

O estado de exceção será colocado à prova na próxima quarta-feira, dia em que a oposição planeia marchar em direção às sedes do Conselho Nacional Eleitoral em todo o país pedindo o cumprimento dos prazos para que o referendo revogatório seja realizado este ano. A oposição deseja a realização do referendo ainda este ano, porque se a votação acontecer depois de 10 de janeiro de 2017 - quando o atual mandato presidencial completa quatro anos - e se Maduro perder, os dois anos restantes serão completados pelo vice-presidente, designado pelo chefe de Estado. Se a votação acontecer antes da data e Maduro for derrotado, novas eleições serão convocadas. 

Henry Ramos Allup, deputado do Parlamento venezuelano, denunciou que Nicolás Maduro e o presidente da CNE, Tibisay Lucena, estiveram reunidos na terça-feira passada e que concordaram em adiar o referendo para fevereiro de 2017.

A oposição venezuelana vai ainda debater, esta terça-feira, no Parlamento, onde tem maioria, o decreto do estado de exceção, no qual Nicolás Maduro atribui a si próprio amplos poderes para enfrentar a crise económica e conter a ofensiva que pretende afastá-lo do poder. A Assembleia vai examinar o decreto, como determina a lei, mas é certo que o mesmo será rejeitado, o que deixa a palavra final com o SupremoTribunal de Justiça, que a oposição acusa de ser um apêndice do governo.

"A oposição sabe que o protesto é o único mecanismo para aumentar a pressão, e o governo precisa de deter esta tendência", disse à AFP o analista Benigno Alarcón. Mobilizações similares foram bloqueadas na última quarta-feira por polícias e militares, desencadeando confrontos.

O líder da oposição, Henrique Capriles, atingido por gás lacrimogéneo na ocasião, advertiu no sábado sobre o risco de o governo e o CNE - acusado por Capriles de servir os interesses de Maduro - "trancarem" a consulta. "A Venezuela é uma bomba que a qualquer momento pode explodir. E, portanto, convocamos todo o povo a mobilizar-se para o revogatório", disse, ressalvando que esta é a saída pacífica para crise.

De acordo com a empresa de sondagens Datanálisis, sete em cada dez venezuelanos querem uma mudança de governo, enquanto 97% acreditam que "a sua vida piorou".