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Introdução

A crise financeira nos Estados Unidos da América (EUA) de 2008–2010 e a crise da dívida soberana da zona euro de 2010–2012 foram exemplos flagrantes de como colapsos financeiros podem afetar negativamente economias inteiras. Ao contrário do que se verificou em décadas anteriores, estes colapsos não se limitaram a alterações bruscas e instáveis dos preços dos ativos financeiros, nem apenas a enormes ganhos e perdas para tubarões e tolos. Não se limitaram também a afetar países onde os problemas institucionais e fraquezas evidentes no modo de funcionamento dos mercados financeiros fizessem com que uma crise fosse apenas uma questão de tempo. Em vez disso, estas foram crises macrofinanceiras. Elas trouxeram dificuldades económicas a famílias em todo o mundo, quer em países ricos, quer em países emergentes. Como é natural, os economistas financeiros fizeram grandes esforços para compreender os delírios e os pânicos dos mercados financeiros, enquanto os macroeconomistas estiveram igualmente atarefados a tentar perceber as enormes recessões e depressões.

Ao longo da última década, pelo contrário, foi feita uma enorme quantidade de investigação na intersecção da macroeconomia e das finanças dedicada aos momentos em que os mercados financeiros e a macroeconomia se alteram de forma violenta. Os investigadores exploraram novas ideias, novos dados e novas explicações para o que tinham assistido, e aplicaram-no não só às crises mundiais recentes, mas também de modo a compreender os colapsos regionais ocorridos ao longo dos 30 anos anteriores. Este livro faz uma pequena introdução a algumas dessas ideias.

1.1. Colapsos

Existe um número gigantesco de mercados financeiros. Em cada um deles, pessoas transacionam ativos diferentes, em regiões diferentes, com contrapartes diferentes. Os preços dos ativos são naturalmente voláteis, pois respondem a uma multiplicidade de alterações a nível de princípios básicos, características das instituições e expectativas das pessoas. Logo, não é de surpreender que, em qualquer altura, algum mercado financeiro algures vá enfrentar uma queda acentuada dos preços ou dos volumes de transação.

"É Desta Que Leio Isto"

"É Desta Que Leio Isto" é um grupo de leitura promovido pela MadreMedia. Lançado em maio de 2020, foi criado com o propósito de incentivar a leitura e a discussão à volta dos livros.

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Ao longo da história do nosso clube, já tivemos o privilégio de contar nomes como Teolinda Gersão, Afonso Cruz, Tânia Ganho, Filipe Melo e Juan Cavia, Kalaf Epalanga, Maria do Rosário Pedreira, Inês Maria Meneses, José Luís Peixoto, João Tordo e Álvaro Laborinho Lúcio, que falaram sobre as suas ou outras obras.

Para além dos encontros mensais para discussão de obras literárias, o clube conta com um grupo no Facebook, com mais de 2500 membros, que visa fomentar a troca de ideias à volta dos livros, dos seus autores e da escrita e histórias que nos apaixonam.

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Uma crise financeira é muito mais do que isso. É uma altura em que muitos mercados financeiros demonstram o mesmo padrão de perdas, em que as más notícias numa esquina se propagam rapidamente a várias outras e em que as falhas de uma instituição levam ao incumprimento por parte de outras, todas encadeadas como peças de dominó. Um colapso macrofinanceiro é ainda mais do que isso. Ocorre quando os problemas financeiros se alastram à economia real e se transformam em novos problemas financeiros. Estas crises são acompanhadas de recessões acentuadas e profundas, em que milhões perdem o emprego, os rendimentos diminuem e as instituições democráticas são pressionadas a encontrar culpados. Esses colapsos são o tema deste livro.

Embora sejam extremos a nível de consequências, estes eventos não são raros. Só nas últimas duas décadas, os dois principais eventos macroeconómicos que afetaram muitos países em simultâneo — a recessão mundial de 2008–2010 e os problemas na zona euro em 2010–2012 — foram colapsos macrofinanceiros. Também o foram algumas das maiores quedas a nível de bem-estar em países isolados, da Argentina à Turquia, passando pelo Líbano. A recessão pandémica de 2020–2021 ameaçou evoluir para uma nova crise macrofinanceira, mas os mercados financeiros recuperaram e a economia demonstrou resiliência, mesmo que acabando por conduzir a uma inflação elevada. Da mesma forma, a invasão da Ucrânia pela Rússia em fevereiro de 2022 e as sanções subsequentes poderiam ter desencadeado uma crise financeira, e ainda o podem fazer. Como é natural, os economistas procuraram descobrir porque é que estes colapsos ocorrem logo à partida, como se propagam e como podemos atenuar os seus efeitos. Com este conhecimento, os cientistas podem compreender por que motivo os colapsos são uma característica da economia moderna e os responsáveis políticos podem estar preparados para tentar preveni-los e enfrentá-los quando ocorrem. Tal como os vírus, as crises financeiras e as recessões não podem ser erradicadas. No entanto, tal como os cientistas procuram compreender como é que os surtos virais se transformam em pandemias e como se pode contê-los, também os economistas o fazem em relação às crises macrofinanceiras.

Sem surpresa, foram desenvolvidos novos conceitos para compreender estes colapsos. No entanto, os economistas que trabalham fora da intersecção da macroeconomia e da economia financeira só os conhecem de forma vaga. A maior parte dos estudantes de economia a nível de licenciatura e, muitas vezes, a nível de mestrado desconhecem-nos totalmente. O estudo moderno dos colapsos ainda não chegou aos manuais. Consequentemente, nos debates públicos ou nas discussões políticas, os colapsos por vezes ainda são referidos como aberrações na ciência económica. Mesmo quando as pessoas utilizam conceitos modernos e modelos de colapsos, falta-lhes muitas vezes uma compreensão de como funcionam exatamente, como podem ser aplicados e como se encaixam uns nos outros. O objetivo deste livro é apresentar essas ideias na intersecção da macroeconomia e das finanças. Em conjunto, elas fornecem um relato completo de colapsos passados e apresentam ideias sobre potenciais colapsos futuros.

O livro é composto por dez capítulos principais, sendo cada um praticamente autónomo e dedicado a uma ideia específica. Por sua vez, cada capítulo é dividido em três secções integradas. A primeira apresenta um conceito macrofinanceiro, apoiado por um diagrama. A segunda e a terceira aplicam esse conceito a dois colapsos históricos distintos. Recorremos a intuição, diagramas e gráficos, em oposição a modelos formais, derivações ou econometria. A nossa abordagem é analítica, mas partimos do pressuposto de que o leitor frequentou (ou acompanhou de forma consistente) apenas uma cadeira de introdução à economia. Cada secção apresenta uma ideia, a partir de um modelo ou de um acontecimento histórico, em vez de um debate sobre alternativas ou um relato de muitos outros fatores que apresentaria a visão completa de uma situação. Tentamos ser sucintos e incisivos, estando simultaneamente cientes de que cada uma das 30 secções pode ser desenvolvida num livro exclusivamente dedicado a esse tema. O nosso objetivo não é apresentar uma recensão para investigadores, mas sim oferecer um ponto de entrada para a literatura que os professores e os alunos podem utilizar nas aulas para complementar os manuais. Resumindo, tentámos apresentar um curso intensivo sobre colapsos.

1.2. Organização do livro

O livro está dividido em três partes: i) o período que antecede uma crise macrofinanceira, ii) o seu desencadeamento, propagação e amplificação e, por fim, iii) a recuperação e as políticas que a apoiam.

A primeira parte centra-se nas características que alimentam uma crise. O Capítulo 2 debate as expectativas que as pessoas têm num mundo em que a incerteza é omnipresente sobre os princípios, assim como sobre o que outros irão fazer. Estas expectativas podem, por vezes, conduzir ao direcionamento de grandes fluxos de capital para ativos arriscados e a aumentos rápidos dos preços dos ativos. Mesmo que todos os que analisam os mercados financeiros concluam que se está perante uma bolha, os preços elevados dos ativos poderão persistir. No entanto, num determinado momento, deixam de se manter e o que se segue é muitas vezes um colapso violento. Explicamos esta situação introduzindo os conceitos de indução retrospetiva, expectativas de ordem superior e concursos de beleza.

A primeira aplicação é às bolhas dos mercados fundiário e bolsista japonês de finais da década de 1990. Ao seu colapso seguiram-se 30 anos durante os quais a economia japonesa cresceu a um ritmo significativamente mais lento do que o que se verificara entre 1955 e 1985. A segunda aplicação é à bolha dos preços dos ativos da Internet (ou dot-com) de 1998–2000, quando as alterações tecnológicas eram acompanhadas de investimentos reais, mas também de enorme incerteza na avaliação do valor fundamental dos ativos financeiros. Durante este período, os investidores sofisticados não ofereceram resistência ao aumento rápido dos preços dos ativos e, pelo contrário, «cavalgaram» a bolha. Dada a incerteza, cada um individualmente considerou que fazê-lo era lucrativo, apesar de arriscar desencadear uma crise financeira.

A maior parte dos colapsos é precedida de uma precipitação de capital para o país. Os fluxos de capital são atraídos pelo desejo de «cavalgar» a bolha e muitas vezes surgem em resposta a liberalização financeira ou a otimismo em relação ao crescimento futuro. Os comentadores dividem-se entre os que aplaudem a reafetação de capital de locais abastados para regiões que têm mais potencial de crescimento e os que alertam para os perigos e condenam os excessos insensatos. O Capítulo 3 introduz o conceito de má afetação de capital. Explica como grandes fluxos de capital podem ser afetados para longe dos setores nos quais as recompensas seriam mais elevadas e para longe das empresas mais produtivas. Algum crescimento económico pode camuflar produtividade estagnada e empresas não viáveis.

Livro: "Curso intensivo sobre crises"

Autor: Markus K. Brunnermeier e Ricardo Reis

Editora: Actual

Data de Lançamento: 18 de janeiro de 2024

Preço: € 19,90

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A primeira aplicação é à estagnação portuguesa no século XXI. O euro e a subsequente integração dos mercados financeiros na zona euro conduziram à entrada de grandes fluxos de capital no país, o que prometia prosperidade. No entanto, pelo contrário, a economia portuguesa afundou-se entre 2001 e 2008 e depois colapsou. Portugal registou o período de 20 anos com menor crescimento económico nos últimos 140 anos. Relatos semelhantes aplicam-se à Grécia e Espanha durante este período. A segunda aplicação é à economia do Chile na década de 1970, quando uma liberalização financeira e um crescimento económico acelerados deram origem a um colapso súbito em 1982. A Argentina e o Uruguai passaram por uma experiência semelhante, mas menos dramática. Estes colapsos do Cone Sul desencadearam a primeira vaga de literatura económica sobre má afetação de recursos. A experiência específica do Chile é muito relevante, pois está interligada com o regime de Pinochet, que muitos leitores conhecerão dos livros de história.

O terceiro capítulo desta primeira secção apresenta ao leitor as instituições financeiras modernas. Independentemente de se designarem bancos, serem bancos sombra ou outra coisa qualquer, têm em comum a característica de criar liquidez, mas serem suscetíveis a levantamentos massivos. O capítulo centra-se nos seus balanços e na forma como são financiados, o que inclui uma discussão sobre os incentivos para os banqueiros controlarem e gerirem os empréstimos de forma prudente. Explica também como as instituições financeiras obtêm os seus recursos diretamente de financiadores ou dos mercados, bem como de que forma estas duas fontes as expõem a riscos diferentes.

A primeira aplicação é a expansão e queda do mercado imobiliário nos EUA no período de 2000–2007. Explicamos como, nas vésperas da crise, os bancos norte-americanos titularizaram as suas hipotecas a um nível sem precedentes e como tal permitiu uma expansão do crédito. A segunda aplicação encontra-se do outro lado do Atlântico. Durante este período, o setor bancário espanhol assistiu à ascensão de um subsetor, as «Cajas», que ao longo das décadas anteriores tinha estado relativamente estagnado. Dedicavam-se sobretudo ao crédito imobiliário e o seu crescimento foi acompanhado pela ascensão de um novo produto financeiro, títulos garantidos por créditos hipotecários, que disponibilizaram em grandes quantidades. A sua história tem muitos elementos em comum com a crise das poupanças e empréstimos da década de 1980 nos EUA, ou com a ascensão e queda do Northern Rock no Reino Unido, nos anos 2000.

A segunda parte do livro estuda a chegada de uma crise. Cada capítulo introduz um elemento diferente desencadeador ou amplificador de um colapso. O Capítulo 5 começa com a forma como pequenos choques podem ser amplificados e tornar-se sistémicos através de ligações que unem diversas instituições financeiras. Estas ligações conduzem a complementaridades estratégicas, um conceito subjacente à maioria dos casos de levantamentos massivos e colapsos. Em alguns casos, podem mesmo conduzir a equilíbrios múltiplos, pelo que até pequenas alterações nas expectativas sobre o que os outros irão fazer podem desencadear um colapso. A ligação à economia real reforça estas interligações, pois uma queda nos empréstimos cria as perdas que desencadeiam novas rondas de cortes no crédito.

A primeira aplicação diz respeito à crise bancária de 2007–2008 na Irlanda. Analisa como os bancos irlandeses se tornaram sistémicos entre as décadas de 1990 e de 2000, unidos pelos seus investimentos comuns no imobiliário e pelas fontes de financiamento também comuns. A segunda aplicação refere-se à crise mundial de 1997–1998. Problemas financeiros que conduziram, primeiro, a crises na Indonésia, na Malásia, na Tailândia e nas Filipinas desencadearam crises em Hong Kong, na Coreia e em Singapura, passados apenas alguns meses. Alguns meses mais tarde, a crise propagou-se à Rússia, a que se seguiu o Brasil e depois a Argentina, o Chile, a Colômbia, o México e a Venezuela. A crise foi sistémica a nível mundial, ligando da mesma forma países que eram semelhantes ou diferentes.

A maior parte do capital flui pelas fronteiras nacionais através de contratos de empréstimo. Uma característica importante dos contratos de empréstimo é que suscitam uma definição da solvência económica de quem pede emprestado. A solvência depende da perceção dos excedentes futuros de uma instituição, um tema que é estudado no Capítulo 6. O valor que esses excedentes têm hoje depende da taxa de juro utilizada para os descontar. Quando as taxas de juro sofrem grandes subidas, uma instituição solvente pode ficar sem liquidez, incapaz de renovar e pagar o serviço da sua dívida, apesar de os seus excedentes não se terem alterado. Uma instituição externa com grandes recursos financeiros, como o Fundo Monetário Internacional (FMI), pode eliminar os resultados da falta de liquidez, mas tem de os distinguir de insolvência, uma tarefa difícil.

A nossa primeira aplicação é a crise da dívida soberana grega de 2010–2012 e explora como uma série de acontecimentos que tornaram menos clara a distinção entre insolvência e iliquidez conduziram à incapacidade gradual da Grécia para renovar a sua dívida e que, apesar do papel do FMI, culminou num incumprimento da dívida soberana. A segunda aplicação é à falência de um banco austríaco em 1931 e à forma como contribuiu para a chegada da Grande Depressão à Europa.

Enquanto os Capítulos 5 e 6 se centram no pagamento do serviço da dívida por instituições financeiras e entidades soberanas, respetivamente, o Capítulo 7 debruça- -se sobre a ligação entre ambos os casos. O financiamento dos bancos e a dívida pública estão fortemente ligados. Por um lado, as crises bancárias geralmente são acompanhadas de grandes custos orçamentais. Os governos são confrontados com a necessidade de resgatar diretamente os bancos, ao mesmo tempo que cobram menos impostos e gastam mais em prestações sociais durante uma recessão. Por outro lado, a dívida pública apresenta um risco maior, o seu valor diminui e os balanços dos bancos que detêm esta dívida são negativamente afetados. Esta situação cria uma espiral infernal, ou círculo vicioso, que liga instituições e governos.

A nossa primeira aplicação é a bancos europeus em Chipre, na Grécia, na Irlanda e em Itália desde 2010. Na década anterior, muitos destes bancos atingiram uma dimensão muito grande, em especial em relação à dimensão do Estado onde estavam sediados, pois aproveitaram a vantagem proporcionada pelo mercado comum da União Europeia e pela moeda única. No entanto, quando surgiram problemas, foram os Estados individuais que se viram a braços com uma difícil situação. A segunda aplicação é à crise argentina de 2001. Quando os governos têm dificuldade em refinanciar a sua dívida pública, uma resposta comum é utilizar o seu poder sobre os bancos nacionais para os levar a comprar essa dívida. Esta forma de repressão financeira foi comum durante décadas, muito antes da crise argentina, mas os acontecimentos de 2001 ilustram-na bem.

O último capítulo desta secção define o conceito de ativos seguros e analisa outro fenómeno importante nas crises macrofinanceiras: a fuga para a segurança. Num colapso, mesmo que o risco percecionado entre regiões, setores e instituições aumente, em algumas outras regiões ou ativos, a taxa de juro fica anormalmente baixa. Os investidores afastam as suas carteiras dos ativos arriscados e aproximam-nas de ativos que consideram seguros, mesmo que as diferenças a nível de segurança relativa sejam muito reduzidas. À medida que fogem para a segurança, aumentam a liquidez do ativo seguro e fazem com que o seu preço suba, o que justifica a segurança que percecionaram à partida. A segurança de um ativo é, em parte, autorreforçada.

A nossa primeira aplicação é à crise da dívida soberana da zona euro de 2010–2012 e à fuga da periferia europeia para a segurança do centro. Embora antes da crise do euro todas as obrigações de dívida soberana fossem consideradas seguras, este acontecimento levou a que as dos países periféricos perdessem o seu estatuto de ativos seguros. Passou-se de um regime de aposta no risco para um regime de fuga ao risco. A segunda aplicação é à fuga de capital de mercados emergentes para os EUA no segundo trimestre de 2020. Estes fluxos ocorreram apesar de, relativamente à maior parte das economias emergentes, os EUA estarem, na altura, mais fortemente afetados pela pandemia, a sua economia estar a sofrer mais com as medidas de confinamento e as suas finanças públicas estarem sob maior pressão.

A terceira e última parte do livro analisa as respostas de política económica e o modo como afetaram a forma das recuperações. O Capítulo 9 começa com políticas cambiais. Numa crise macrofinanceira, a depreciação da taxa de câmbio fomenta as exportações, mas também afeta os balanços dos mutuários nacionais se estes tiverem previamente contraído empréstimos em moeda estrangeira. O capítulo analisa este desfasamento entre moedas, os canais para estes efeitos no balanço e a amplificação financeira dos efeitos, que podem ser maiores do que o impulso convencional que uma taxa de câmbio depreciada confere à balança comercial do país. Nesse caso, podem justificar-se alguns controlos de capitais e intervenções no mercado cambial.

Aplicamos primeiro estas ideias à crise mexicana de 1994, que ilustra a dimensão da «dolarização» em muitas economias emergentes e a forma como esta interage com a depreciação da taxa de câmbio num colapso para amplificar a contração. A segunda aplicação é à recuperação em todo o mundo da recessão global de 2008– 2010. Foi o maior colapso macrofinanceiro mundial desde a Grande Depressão e deixou marcas que impediram uma recuperação plena durante muito tempo. Analisamos essas marcas e mostramos o quanto a recuperação foi lenta, ao ponto de sugerirmos que a tendência de crescimento da economia se tornou permanentemente mais reduzida.

O Capítulo 10 dedica-se à política monetária. Na década que se seguiu à crise financeira mundial, os bancos centrais de quase todas as economias avançadas adotaram duas novas políticas. Em primeiro lugar, aumentaram a dimensão dos seus balanços para saciar a procura mais elevada, e mais volátil, de reservas de um banco central. Em segundo lugar, utilizaram indicações sobre a orientação futura da política monetária e quantitative easing para reduzir as taxas de juro a longo prazo e estimular o investimento que as crises possam ter reprimido. Estas políticas foram designadas por «pouco convencionais». No entanto, já existem há bastante tempo e têm sido tão ou mais ativas do que a política convencional de aumentar e diminuir as taxas de juro a curto prazo, pelo que compreendê-las é fundamental para perceber como funcionam os bancos centrais hoje em dia.

A nossa primeira aplicação é dedicada ao Banco do Japão, que desde 1998 tem estado na vanguarda de todas estas alterações da política monetária. A nossa segunda aplicação é ao Banco Central Europeu (BCE) entre 2008 e 2015. Ao contrário da Reserva Federal norte-americana ou do Banco de Inglaterra, que adotaram estas políticas em pacotes, o BCE fê-lo de uma só vez, facilitando a sua descrição e a verificação dos seus impactos.

Por fim, o Capítulo 11 dedica-se à política orçamental. Uma das funções principais dos mercados financeiros é combinar aforradores e oportunidades de investimento. O preço a que tal acontece é referido como r*, a taxa de juro a que as poupanças encontram o investimento num equilíbrio a longo prazo. As crises macrofinanceiras, tanto ao nível das suas causas como dos seus efeitos, afetam o que esta r* é. Este capítulo introduz os conceitos de ineficiência dinâmica e de poupanças de precaução, ao analisar as forças que afetam a r* e como estas se alteram durante crises financeiras. A política orçamental, ao determinar poupanças públicas, pode ser utilizada para afetar a r*, especialmente no que se refere ao funcionamento dos seus estabilizadores automáticos. A sua eficácia depende da medida em que a despesa pública exclui o investimento privado.

A primeira aplicação é à taxa de poupança nos EUA, na União Europeia e no Reino Unido no final de 2020 e explora o que isso implica para a probabilidade de a pandemia evoluir para uma crise macrofinanceira. A segunda aplicação é à recuperação dos EUA da Grande Depressão na década de 30 e explora o papel desempenhado pelos défices orçamentais, quer através do New Deal, quer através da despesa militar associada à Segunda Guerra Mundial.