António Costa enviou uma ordem aos serviços da Câmara Municipal de Lisboa a determinar que estes não tinham competência para estabelecer medidas de segurança quanto à organização de manifestações na capital. Essa responsabilidade caberia somente à PSP e ao Ministério da Administração Interna (MAI), refere hoje o semanário Expresso.
A ordem foi dada em 2013, quando Costa era Presidente da Câmara de Lisboa, tendo como contexto as suas dúvidas quanto à legislação que distribuía as competências dos governos civis, entretanto extintos, no que toca à organização de manifestações no município.
A revelação surge no âmbito do caso espoletado pela publicação de notícias que deram conta de que a Câmara Municipal de Lisboa fez chegar às autoridades russas os nomes, moradas e contactos de três ativistas russos que organizaram em janeiro um protesto, em frente à embaixada russa em Lisboa, pela libertação de Alexey Navalny, opositor do Governo russo.
Durante a sua passagem pela autarquia, Costa anunciou ao MAI que remeteria quaisquer comunicações de manifestação ao seu gabinete e à PSP, ordenando depois os serviços camarários a reencaminhar quaisquer pedidos nesse sentido pois a câmara “não dispõe de competência legal” para o assunto.
No entanto, a minuta do agora primeiro-ministro não terá sido respeitada. O caso dos ativistas russos, de resto, já tinha antecedentes. Segundo o Expresso, o Comité de Solidariedade com a Palestina já se tinha queixado publicamente, em 2019, quanto ao envio de informações sobre um protesto para a embaixada de Israel.
Foi por via dessa queixa que se ficou a saber que a prática do envio de informações às embaixadas cujos países sejam visados em manifestações é “habitual”. “Desde a extinção dos governos civis, são as câmaras municipais os organismos que recebem as comunicações da parte das entidades promotoras de manifestações no espaço público e, desde essa data, é prática habitual reencaminhar essa informação para várias entidades, nomeadamente, as forças de segurança e o ministério da Administração Interna”, respondeu a assessoria de imprensa da CML em 2019.
Na quarta-feira foi revelado que foi um técnico do Gabinete de Apoio à Presidência da Câmara Municipal de Lisboa a enviar o e-mail à embaixada russa, mas está por esclarecer se o mesmo apenas seguiu ordens superiores.
Face a este caso mais recente, o atual Presidente da Câmara, Fernando Medina, disse que a Câmara "já tirou consequências desta situação, alterando os procedimentos, a partir do mês de abril, deixando de facultar os nomes de organizadores de iniciativas junto de embaixadas" e anunciou a abertura de uma auditoria urgente sobre as manifestações realizadas no município nos últimos anos.
Essa auditoria terá como finalidade então, entre outras coisas, apurar em que instâncias a Câmara Municipal de Lisboa terá partilhado dados de organizadores de manifestações com entidades além do MAI e da PSP e quais foram normas a serem seguidas desde 2012.
Resta saber se no rol de conclusões a autarquia vai explicar porque é que as indicações dadas por António Costa não foram respeitadas. Outra questão relevada pelo Expresso prende-se com as razões pelas quais a Câmara não atualizou os seus procedimentos com a entrada em vigor do Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados, em 2018.
Além destas questões, o semanário ainda aponta para a atuação de António Costa já no Governo, não tendo os seus dois executivos trabalhado para clarificar ou alterar a lei das manifestações de 1974 que o próprio teve de encarar enquanto autarca.
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