Entre a positividade dos membros do governo e autarquias nos dias que antecedem a Jornada Mundial da Juventude (JMJ), começam a sobrepor-se algumas críticas a que é inevitável ter de dar atenção.

A marcar o início deste fim de semana, em que cerca de dois mil e trezentos voluntários de mais de 100 países fizeram o reconhecimento dos vários setores do Parque Eduardo VII, um dos principais recintos do evento, começou a falar-se sobre a quantidade de ajustes diretos celebrados nos últimos meses devido à Jornada Mundial da Juventude, que registaram um aumento nas últimas semanas.

As contas são simples. Segundo os dados compilados a partir do Portal Base da Contratação Pública, a administração central e os dois municípios envolvidos na JMJ, Lisboa e Loures, adjudicaram até à última semana de julho, e a três dias do início do evento, 132 contratos relativos a obras, serviços e locações.

Dos 73 contratos adjudicados pela capital, 67 foram realizados através de ajuste direto e, no caso de Loures, de 32, 30 foram adjudicados com este sistema. No que toca ao Estado, recorreu ao ajuste direto para 27 de um total de 30 contratos, segundo os dados do Portal Base da Contratação Pública.

Assim, Lisboa lidera a atribuição de contratos, celebrando 73 num valor total de 21 milhões de euros. A obra mais cara da autarquia corresponde à reabilitação do antigo Aterro Sanitário de Beirolas — área que servirá de recinto principal da JMJ —, com um custo de cerca de sete milhões de euros.

Logo a seguir surge o polémico altar-palco no Parque Tejo-Trancão, com um valor de 2,98 milhões de euros, abaixo dos iniciais 4,2 milhões de euros, um número que provocou várias críticas, incluindo do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, e mais recentemente do artista plástico português Bordalo II, que partilhou a intervenção "Walk of Shame", com representações de notas de 500 euros no altar-palco.

Já em Loures, foram 32 os contratos publicados, no valor total de 5,4 milhões de euros. A Câmara Municipal tem o seu encargo mais elevado nos trabalhos de preparação dos terrenos na zona ribeirinha da Bobadela, com um custo de 4,2 milhões de euros.

De acordo com o Jornal Expresso, já foram "194 os contratos celebrados por entidades públicas relacionados com a Jornada Mundial da Juventude (JMJ) desde 2020, num valor total superior a 38,33 milhões de euros".

"Destas adjudicações, só seis contratos foram celebrados em 2020, nove no ano seguinte e apenas 27 em 2022. Significa isto que a esmagadora maioria das adjudicações (78,50%) foram feitas já em 2023, nos últimos sete meses. E há outro dado a mostrar como a receção ao Papa acelerou nos últimos meses: dos 194 contratos contabilizados pelo Expresso, 91 (46,9% do total) foram celebrados no último mês, num valor próximo dos 6 milhões — praticamente 200 mil euros por dia, em média. Nesse período, o peso dos ajustes diretos subiu 13 pontos, para 83,50% de todos os contratos celebrados, em comparação com a percentagem verificada entre 2020 e 26 de junho deste ano", lê-se no jornal.

Toda esta polémica levou este sábado a reações quer à direita quer à esquerda. Do lado da Iniciativa Liberal (IL), Rui Rocha chamou à atenção que o recurso a ajustes diretos para a Jornada Mundial da Juventude (JMJ) não pode ser justificado com a falta de tempo de preparação do evento e pediu transparência.

“Nós sabemos que vamos ter a JMJ em Lisboa há muito tempo e, portanto, nada justifica a falta de preparação [e que] a falta de tempo seja depois justificação para recorrer a ajustes direitos que, muitas vezes, depois põem em causa quer o preço a que os bens e os serviços são adquiridos, quer a própria transparência do processo”, afirmou.

Defendeu também que “só se devia recorrer a ajuste direto quando é absolutamente impossível responder em tempo”, mas “a prática diz que tem sido sistematicamente feito o contrário”.

O liberal acusou o Governo de “falta de capacidade de gerir com rigor aquilo que são os gastos e os custos do Estado”. “Há incapacidade de preparação, há pouco rigor depois no dinheiro que se gasta, mas não é só neste evento, é em geral no Estado, mas agora já não há grande coisa a fazer”, apontou.

Afirmou também que, no que toca à JMJ, “tudo foi muito mal preparado”, e referiu que “os planos de segurança, de mobilidade, foram aprovados e divulgados muito em cima da própria jornada, impedindo, por exemplo, as autarquias de se adequarem e organizarem”.

Já a colega deputada e coordenadora do Bloco de Esquerda (BE), Mariana Mortágua, acusou o Governo de não ter preparado atempadamente a JMJ, o que agrava os seus custos e diminuiu a sua transparência.

“Agora falamos de pequenas decisões, mas nós alertámos atempadamente para a falta de preparação para a Jornada Mundial da Juventude, que traria em cima da hora custos mais agravados e muito menor transparência”, apontou.

No seu entender, quando os processos “são preparados com tempo é possível haver concursos públicos, é possível preparar as jornadas, é possível preparar a sua segurança”.

“O Governo não preparou a JMJ e o que tem feito é, por um lado, ajustes diretos e contratações e decisões financeiras em cima da hora que saem muito mais caras e que são muito menos transparentes”, acusou.

Por outro, continuou, o Governo “tem gerido os trabalhadores do Estado, que garantem a segurança das próprias JMJ, sejam eles bombeiros, polícia, médicos, empresas de transporte, com maior autoritarismo”. Ou seja, “impedindo-os de tirar férias, deslocando-os contra a sua vontade de uma parte do país para a outra” e, por isso, afirmou que o BE tem “criticado esta forma de gerir a organização” das JMJ.

“E tudo isto deriva do mesmo problema: falta de preparação do Governo”, acusou.

Perante todas estas críticas poucas foram as palavras por parte do governo, que se limitou a responder através da ministra adjunta e dos Assuntos Parlamentares, Ana Catarina Mendes, que refere que se cumpriu "à risca a legalidade" no que respeita aos ajustes diretos feitos no âmbito da JMJ.

Em declarações aos jornalistas durante uma visita ao Centro de Imprensa da JMJ instalado no Pavilhão Carlos Lopes, a ministra explicou que “10% dos custos foram por ajuste direto”, que “estão absolutamente determinados e balizados naquilo que foram as normas inscritas no Orçamento do Estado” e “responderam a tudo aquilo que são as regras da contratação pública”.

Questionada sobre as críticas feitas ao Governo pelo facto de estar a recorrer a ajustes diretos, Ana Catarina Mendes frisou que “90% do valor dos contratos celebrados foram feitos por concurso público” e “alvo de visto do Tribunal de Contas”.

“Todos estes contratos foram alvo de visto prévio do Tribunal de Contas. Os ajustes diretos sê-lo-ão também. Estou absolutamente convicta de que cumprimos à risca a legalidade. É assim que um Estado responsável tem que trabalhar”, acrescentou.

A governante rejeitou ainda as críticas de falta de transparência, lembrando que qualquer cidadão pode consultar o Portal Base da Contratação Pública.

“Não há nenhum desvio daquilo que foram as intenções do Governo desde o início”, mas “houve algumas dificuldades de câmaras municipais assumirem um conjunto de responsabilidades”, disse.

Se houve ou não ilegalidade certamente vamos todos descobrir depois, bem como todos os podres da JMJ. Até lá, já se sabe, nada de reclamar, porque a PSP não deixa ofender a Santa Sé e muito menos a JMJ organizada pelo governo da República.