Os protestos tiveram França como epicentro, mas rapidamente espalharam-se por toda a Europa, chegando hoje a Portugal.

Em comum, os agricultores europeus têm a luta por uma Política Agrícola Comum (PAC) mais justa, através de, por exemplo, mais flexibilizações para os planos estratégicos de cada Estado-membro.

A esta reivindicação central, soma-se a exigência de políticas públicas claras e justas, mais apoio para o setor, isenções fiscais, redução dos custos de produção e até a suspensão da ratificação de acordos, como o da UE com o Mercosul.

Estas manifestações já levaram vários Governos e o executivo comunitário a avançarem com medidas para responder às reivindicações do setor, que promete não abrandar a luta.

Eis as principais exigências dos agricultores:

França

Os agricultores franceses impulsionaram um conjunto de protestos por toda a Europa, que se prolongam desde meados de janeiro.

O corte de estradas, com tratores, fardos de palha e resíduos agrícolas, levou vários camiões, inclusive portugueses, a ficarem retidos e a chegada dos manifestantes às imediações de Paris fez o Governo exigir às autoridades policiais a implementação de um “dispositivo defensivo significativo”.

No início desta semana, mais de 1.700 agricultores protestavam em 25 pontos de bloqueio, abaixo do número registado na sexta-feira (113) e no sábado (38).

Os agricultores franceses, que reivindicam a flexibilização da PAC, alegam estar abandonados e criticam a falta de clareza nas políticas públicas, numa altura em que se debatem com a escalada do preço dos fatores de produção.

Com os rendimentos em queda, o setor pede que o executivo olhe para as pensões, sobretudo para as mais baixas, que resolva os problemas de concorrência e elimine burocracias.

Esta terça-feira, o recém-nomeado primeiro-ministro de França disse que o Governo está a implementar controlos sobre produtos alimentares estrangeiros, a fim de garantir “concorrência leal” e apaziguar os protestos dos agricultores franceses.

No seu discurso sobre política geral na Assembleia Nacional, Gabriel Attal afirmou que “o objetivo é claro: garantir uma concorrência leal, especialmente para que os regulamentos que estão a ser aplicados aos agricultores [franceses] também sejam respeitados pelos produtos estrangeiros”.

O governante também referiu que os retalhistas de alimentos que não cumprirem uma lei destinada a garantir uma parcela justa das receitas para os agricultores serão multados a partir de agora.

Após este anúncio, a maioria dos sindicatos agrícolas franceses já apelou à suspensão dos bloqueios, mas ameaçou com novas movimentações, caso as medidas do executivo não sejam cumpridas.

Gabriel Attal adiantou, entretanto, que o governo francês vai afetar 150 milhões de euros, “a partir deste ano e de forma permanente”, para aliviar a carga fiscal e social dos agricultores e criadores de gado.

Grécia

Na última semana, milhares de agricultores gregos e criadores de gado organizaram protestos, que se intensificaram no último dia de janeiro, contra o aumento dos custos de produção e a diminuição de rendimentos.

Os agricultores exigem a revisão da PAC, a redução dos custos de produção, através de isenções fiscais para os combustíveis, e uma indemnização devido à quebra dos lucros.

O primeiro-ministro conservador da Grécia, Kyriakos Mitsotakis, anunciou que o Governo vai aumentar a ajuda a cada produtor da região central do país, onde as cheias de setembro passado dizimaram as colheitas.

A ajuda passará dos atuais 2.000 euros para um máximo de 10.000 euros, uma medida que os agricultores consideram insuficiente.

Espanha

Os agricultores espanhóis juntaram-se aos protestos europeus no final do mês passado, com um conjunto de iniciativas convocadas pela Associação Agrária Jovens Agricultores (Asaja), pela UPA - União de Pequenos Agricultores e Ganadeiros e pela Coordenadora de Organizações de Agricultores e Ganadeiros (COAG).

Os espanhóis querem mudanças nas políticas europeias, “soluções imediatas” para resolver o impacto da seca, da guerra na Ucrânia e da aplicação da PAC.

Por outro lado, lamentam a concorrência desleal, a desregulação dos mercados e os baixos preços, que põem em causa a viabilidade de muitas explorações.

O setor exige ainda a suspensão da ratificação dos acordos com o Mercosul e Nova Zelândia, e das negociações com o Chile, Quénia, México, Índia e Austrália.

Bélgica

Na Bélgica, os protestos têm sido marcados por vários bloqueios de estradas e também do acesso ao porto de Zeebrugge, um dos principais do país.

Também Namur, capital da região francófona da Valónia, com cerca de 100.000 habitantes, foi palco de protestos, juntando, em 30 de janeiro, perto de 420 tratores nas ruas.

Em Bruxelas, onde decorre uma cimeira de líderes da União Europeia (UE), realizou-se hoje uma manifestação de agricultores com tratores, que gerou problemas de circulação.

Os agricultores estão contra a quebra nos rendimentos, a burocracia administrativa, concorrência estrangeira e imposição de restrições ambientais.

A pouco mais de quatro meses das eleições europeias, agendadas para o início de junho, muitos responsáveis políticos procuram compromissos para tentar travar a revolta dos agricultores.

O primeiro-ministro belga, Alexander De Croo, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, e o chefe do Governo dos Países Baixos, Mark Rutte, reuniram-se hoje em Bruxelas com representantes dos agricultores para debater os problemas do setor.

A Comissão Europeia vai preparar com a presidência semestral belga do Conselho da UE uma proposta para a redução de encargos administrativos dos agricultores, que será debatida pelos ministros da Agricultura dos 27 Estados-membros do bloco europeu no próximo dia 26 de fevereiro.

Itália

Milhares de agricultores italianos têm saído à rua nos últimos dias, realizando cortejos e bloqueios por todo o país, com críticas ao que dizem ser as más opções adotadas por Bruxelas.

O Governo italiano, uma coligação de direita e extrema-direita liderada por Giorgia Meloni, afirma estar ao lado dos agricultores e responsabiliza igualmente Bruxelas pela crise no setor.

Também o ministro da Agricultura, Francesco Lollobrigida, apontou "erros” a Bruxelas, argumentando que “reduzir a produção mantendo o consumo significa comprar mais a quem não respeita as mesmas regras em matéria de direito do trabalho e de ambiente".

Alemanha

Os agricultores alemães têm vindo a bloquear cidades de Norte a Sul, em protesto contra os cortes nos subsídios públicos.

Na base dos protestos está a eliminação gradual da redução do imposto sobre o gasóleo para os agricultores.

O chanceler alemão, Olaf Scholz, já se mostrou preocupado com os “extremistas” que procuram explorar a agitação social no país.

"Quando os protestos, em si mesmos legítimos, se transformam em raiva ou desprezo pelos processos e instituições democráticas, todos ficamos a perder. Só aqueles que desprezam a nossa democracia beneficiarão", avisou o líder alemão numa mensagem escrita e em vídeo, divulgada em 13 de janeiro.

As manifestações têm sido apoiadas, em especial, pelo partido de extrema-direita AfD, que tem vindo a subir nas sondagens.

Polónia

Na Polónia, os agricultores contestam as importações “descontroladas” de produtos agroalimentares ucranianos e pedem a revisão da PAC.

Estas queixas têm levado os agricultores polacos a bloquear centenas de estradas e chegaram a bloquear os produtos ucranianos, o que só foi revertido após o Governo ter lançado apoios à cultura de milho, garantido o aumento dos empréstimos e a manutenção de impostos.

Com o início do conflito na Ucrânia, Bruxelas deixou de impor quotas e controlos de qualidade aos produtos agroalimentares ucranianos, o que provocou a queda dos preços para os produtores locais em países como a Polónia e, levou os produtores agrícolas a pedirem ajuda estatal.

O primeiro-ministro polaco, Donald Tusk, prometeu tentar encontrar soluções através de negociações bilaterais com Kiev.

Roménia

Em janeiro, os agricultores juntaram-se aos camionistas e bloquearam as principais estradas da Roménia, reivindicando impostos mais baixos e subsídios para o setor.

Portugal

Portugal foi um dos últimos países a juntar-se ao protesto europeu dos agricultores, através de um movimento espontâneo, com ações de norte a sul do país e a ameaça de cercar Lisboa, caso o Governo não dê ouvidos ao setor.

Os protestos, que condicionaram centenas de vias no país, com tratores parados ou em marcha lenta, começaram um dia após o Governo anunciar um pacote de apoio, com mais de 400 milhões de euros de dotação, destinado a mitigar o impacto provocado pela seca e a reforçar o Plano Estratégico da PAC (PEPAC).

Os agricultores, que reclamam a flexibilização da PAC, condições justas de trabalho e de concorrência, direito à alimentação adequada e a valorização da atividade, decidiram manter os protestos agendados, justificando que os apoios são “uma mão cheia de nada”, tendo em conta que não são definidos prazos ou formas de pagamento.

A ministra da Agricultura, Maria do Céu Antunes, disse respeitar o direito à manifestação, mas pediu que estas sejam feitas “de forma ordeira e cumprindo os preceitos”, de modo a que não ponham em causa pessoas e bens e assegurou que o Governo vai ter em conta os cadernos reivindicativos apresentados pelos manifestantes.

Maria do Céu Antunes disse ainda que os agricultores devem confiar no Governo e nas instâncias europeias, ressalvando que a PAC não serve, neste momento, os desafios que os agricultores têm pela frente.

Apesar de as iniciativas serem da responsabilidade do Movimento Civil de Agricultores, têm contado com o apoio das confederações agrícolas, que pediram, antecipadamente, que os protestos sejam pacíficos.

Os agricultores portugueses já se comprometeram a prosseguir com a luta.