Um avião cruza o céu de Lisboa. Vejo-o da janela. Quantas pessoas estarão naquele voo? Há um mês, ao atravessar o Terreiro do Paço no final de um dia de trabalho, não pensaria nisso, com as esplanadas e os restaurantes apinhados de turistas. Provavelmente, mais um voo esgotado com a maciça procura turística. Hoje os aeroportos estão vazios.
De que é feita esta matéria, esta substância a que chamamos liberdade que nos faz erguer nos momentos mais desafiantes, de adaptação, de sofrimento? De que é feita esta matéria, esta substância a que chamamos liberdade que grita, em silêncio, para ir em frente indiferente às consequências, ao preço que teremos que pagar?
A história da História é a narrativa da liberdade. Está descrita nas batalhas, nas lutas, do fim de regimes políticos provocados pela subjugação. Também a liberdade de viver plenamente a liberdade comigo própria, a liberdade que habita em mim, quando desafio os meus limites e vou, mesmo com medo, vou, num encontro com a liberdade.
Questiono se o sentido de liberdade que encontro nas definições do dicionário, incluem o sentido de consciente liberdade. Não sei. Talvez seja um novo conceito, consciente liberdade. Sinto que os sinónimos de liberdade do dicionário estão incompletos, anacrónicos. Será que o conceito de liberdade tenha de ser reinventado?
As ruas estão praticamente vazias. E as poucas pessoas que encontro, afastam-se quando passo ou atravessam a rua para manter o distanciamento social; compreendem que a liberdade de uma pessoa termina quando começa a liberdade de outra. E esse respeito pelo outro, que afinal sou eu, torna-nos humanos, e, numa homenagem à vulnerabilidade, uma forma de consciente liberdade.
É a minha liberdade de respeitar o outro, que também me obriga a estar distante, e a não abraçar, e essa liberdade mostra como são tão importantes os afetos. Não estamos próximos de quem amamos, exatamente porque os amamos, e queremos, em breve, voltar a vê-los com um longo abraço.
Hoje a liberdade está vestida com a aparência da segurança, camuflada com o medo, tem o sabor amargo da dúvida. O invisível domina o nosso quotidiano e faz pensar de que matéria, de que substância é isto a que chamamos liberdade. Uma sombra invisível que faz pensar como queremos continuar a viver, que alerta para a nossa existência, quero que seja uma vivência, de como e com quem queremos ser felizes. Uma sombra invisível chamada oportunidade, no caminho de uma consciente liberdade.
Os lugares estão à nossa espera, a vida aguarda, sábia e paciente. A natureza purifica-se com a nossa ausência. A natureza renova-se, mantém o seu ciclo inabalável, e continua a ser primavera. E eu, espero por ti, e vou encontrar-me contigo num dia em que as nuvens abraçam os raios de sol feitos de consciente liberdade.
Texto por Margarida Cipriano Rebelo. Hoje, dia 25 de abril, publicamos uma seleção dos textos que resultaram da iniciativa lançada pelo SAPO24 e O Primeiro Capítulo, assinados por novos nomes de quem tem na escrita uma forma de expressão.
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