Depois de ter comandado a máquina socialista, depois de ter estado ao leme da maior empresa de construção, um cargo a que chegou anos depois de ter deixado a política, hoje, Jorge Coelho mete as mãos no queijo em Mangualde. Num regresso às origens, num projeto que lhe está no sangue e feito em homenagem ao seu avô.

Na queijaria Vale da Estrela investiu tempo e dinheiro (dois milhões de euros), contratou mulheres desempregadas, relançou a fileira do queijo e ajudou ao desenvolvimento regional. Por dia, as 11 queijeiras produzem 350 queijos de 500g de uma marca DOP - Denominação de Origem Protegida - da Serra da Estrela, que exporta para a China, Brasil, Espanha e França.

Mas Jorge Coelho não consegue estar quieto nos sítios onde está. Separa bem as águas, vida empresarial e política, e diz que nunca esteve ao mesmo tempo nas duas. Atualmente, a política é mesmo só para matar o vício de uma vida inteira.

Hoje junta a sua voz, a sua força e a sua influência à necessidade do desenvolvimento do Interior.

Diz que o Interior não pode chorar. Tem que fazer. Chama a atenção para a questão dos recursos humanos e alerta para os perigos dos avanços tecnológicos e da indústria 4.0 na região. E está na linha da frente de uma petição por melhoramentos no IP3, uma estrada "perigosíssima" que urge meter mãos à obra.

E é neste quase regresso às origens, no devolver à sociedade aquilo que a sociedade lhe proporcionou, que não esquece as preocupações que sempre o acompanharam ao longo da vida. A luta contra a pobreza infantil.

Depois da Mota-Engil não era para ser candidato a presidente do Sporting Clube de Portugal?

[Risos] Não tenho vida para isso. [O Sporting] tem um presidente que tem o maior apoio até hoje na vida de um clube português. Qualquer pessoa que se proponha... não é fácil candidatar-se. O mundo do futebol está mau. Está muito complicado. Nos clubes todos.

Fale-me do regresso às suas origens. A Mangualde. É uma resposta ao apelo, durante os anos da Troika, do professor Cavaco Silva que, enquanto Presidente, falava da necessidade de haver uma aposta e dedicação das pessoas ao setor agrícola?

Estive a falar com ele noutro dia. Disse-me que também se dedica à agricultura. Anda a tratar de umas propriedades do pai, lá em baixo no Algarve.

Engraçado ver dois ex-políticos de peso dedicar tempo à agricultura...

A queijaria Vale da Estrela tem uma história. Que tem a ver com o facto de eu, em determinada fase da minha vida, há cerca de três anos, achar que estava na altura de um certo regresso às origens e de fazer alguma coisa para contribuir para o desenvolvimento da região.

Devolver à sociedade aquilo que a sociedade lhe deu?

Pois... Tenho uma empresa em Lisboa, de consultoria estratégica, que é atividade central da minha vida profissional. Comecei com um colaborador meu, há 12 anos, e começámos a pensar que projetos novos é que podíamos ter aqui em Mangualde, ligados à região. Chegámos a ver dois. Mas depois, a certa altura, foi algo a ver com a própria questão familiar.

O testemunho do seu avô. É uma homenagem?

O meu avô, que é aquele senhor que ali está no quadro [aponta para um retrato exposto numa parede], há muitos anos desenvolvia a atividade do queijo. Não teve uma queijaria desta natureza. Esta é grande, a maior queijaria DOP da região. Temos a maior quota de mercado de queijo DOP da Serra da Estrela. O meu avô comprava queijo na Serra da Estrela e depois tinha uma queijaria numa aldeia aqui perto e refinava o queijo. Aquilo que em França se chama “le affinateur” dos produtos. Foi uma homenagem familiar...

créditos: Paulo Rascão | MadreMedia

Um homem de esquerda prossegue o legado do avô, um homem do Estado Novo.

É uma grande amizade e consideração que tenho [pelo meu avô], de tal maneira que, no gabinete onde tudo se pensa e tudo se decide, está aqui uma imagem dele. E nos folhetos institucionais está uma referência muito segura à história disto tudo, que tem muito a ver com a minha infância e a ligação do meu avô a este tipo de atividade.

Este projeto estava pensado há muitos anos, na gaveta, ou surgiu como uma mera oportunidade?

Não. Não tinha tido esta ideia. Surgiu quando começámos a pensar e a visitar feiras de queijo, aqui à volta, a falar com pessoas que sabiam do negócio.

Depois da política, da atividade empresarial, agora põe a mão nos queijos?

Saí da política há muitos anos. Estive e estou noutra área de atividade. E isto é uma parte pequena da minha atividade. Embora já tenha algum peso na região. Ajudámos a criar a fileira do leite. O projeto é em conjunto com a cooperativa agrícola de Mangualde, uma cooperativa que tem cinco mil sócios. São eles que fazem a recolha do leite, o relacionamento com os pastores. É um projeto conjunto. Temos 34 pastores que trabalham diretamente connosco.

Confirma que na sua queijaria só emprega mulheres?

Tudo mulheres, menos um. Temos um homem.

Sortudo...

Não sei se é ou não. Mas as queijeiras são todas mulheres.

créditos: Paulo Rascão | MadreMedia

Alguma razão especial?

No meio dos contactos que fomos fazendo, visitámos muitas queijarias e numa encontrámos a pessoa que hoje dirige a produção aqui. Uma pessoa nova, mas com experiência. Ela e a nossa engenheira alimentar já tinham experiência. Essas contratámos. As outras pessoas que cá trabalham estavam todas desempregadas e, numa parceria com o Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP), foi feito um anúncio em que concorreram cento e tal pessoas. Estiveram num curso de quatro meses para adquirirem os conhecimentos básicos para entrarem aqui, foram escolhidas, e passaram de desempregadas para empregadas, com contrato sem termo, uma regra dentro da queijaria. E com dignidade criou-se uma profissão nova que não havia na região. E está a funcionar, normalmente.

Com esta idade decidiu ser empreendedor com um cunho de responsabilidade social?

[risos] É, mas neste caso pequeno. Um pequeno empreendedor.

Pequeno? Mas tem uma presença notada no negócio, certo?

Tem, tem. É um mercado difícil. Produzimos queijo DOP Serra da Estrela que tem características especiais, de uma raça especifica de ovelhas, a ovelha bordaleira, que tem uma zona de mercado aprovada por entidades oficiais europeias. Não digo que seja um manjar dos deuses, porque não há, mas é um produto único. Estas ovelhas, esta natureza dos pastos... Temos produtores, pastores de vários concelhos, de Mangualde, Oliveira do Hospital, Gouveia, Celorico, todos na zona do mercado.

E como é que fazem para ir a esses sítios todos?

Como é que isto funciona? Em conjunto com a cooperativa, que é quem faz a recolha do leite. A recolha é feita toda a noite. Vem em refrigerados que existem em cada produtor e entra aqui às 8h00.

Não o sabia tão conhecedor do setor do queijo.

Especialista em queijo só a comê-lo. E desde miúdo. Nasci e cresci aqui. Temos que aprender. E isso é como tudo. Tive que aprender esta arte. Não faço queijo, mas também era capaz, com um bocado de treino, de fazê-lo [risos]. Tenho que ter os conhecimentos básicos para saber como funciona. É uma empresa como outra qualquer. Tem um plano de negócios, tem acordos com a banca, fundos comunitários. É uma empresa. E as regras que aqui têm de presidir têm de ser iguais à gestão de qualquer empresa.

Como foi feito o financiamento?

Tem capitais próprios, financiamento bancário e fundos comunitários.

Foi essa a forma de alavancar a empresa?

Sim. Há umas empresas com mais umas áreas que outras. Esta, por exemplo, tem uma participação baixa de fundos comunitários.

Temos estado a falar do setor primário. Fala-se de inovação, tecnologias e muito da indústria 4.0. Voltemos um pouco ao setor político. E a política necessita também ela de se transformar. Política 2.0. Ou 4.0? Que leitura faz?

Incomoda-me pouco hoje em dia esse assunto [política]. Incomoda-me sim a estratégia que pode haver da indústria 4.0 na indústria portuguesa.

Pode concretizar essa preocupação?

Mangualde tem muita indústria. Temos aqui ao lado a PSA-Citroen. Diz-se por aqui quando há uma constipação na PSA-Citroen, há uma pneumonia generalizada no concelho, dado o nível de emprego que ali se concentra. E agora vão por um terceiro turno com centenas de pessoas e estão a ter dificuldades com recursos humanos. É um problema grave na região. Estamos a chegar a um nível de pleno emprego, e com a economia a crescer e projetos a desenvolverem-se — há aqui nesta zona uma grande concentração de fábricas —, está a ser um problema a mão-de-obra, nomeadamente a existência de recursos humanos para fazer frente a essa necessidade.

E em que pode afetar a região ou o Interior?

No que concerne a indústria 4.0, é preciso ter muito cuidado na implantação em Portugal, porque não se pode ter de um momento para o outro a substituição de recursos humanos por robots, com as pessoas a ficarem sem emprego. Tem que ser feito com muita calma. Quer do ponto vista das questões fiscais das empresas que têm esse tipo de atividades, quer do ponto de vista das garantias às pessoas que trabalham. Tem que ser feito com calma. Por exemplo, o Interior do país tem problemas gravíssimos que não podem ser ainda mais incrementados por causa disso. Eu sei que a pergunta que me fez anteriormente não tinha nada a ver com isto. Tenho consciência disso [risos].

"[Política] é para matar o vício. E mais nada. Foi uma vida inteira."

Pois não. Tem consciência disso?

Tenho. Tenho consciência disso [risos].

Era um 4.0 mas um 4.0 diferente que queria perguntar.

A política para mim...

.... É só uma vez por semana, no programa “Quadratura do Círculo”?

É para matar o vício. E mais nada. Foi uma vida inteira. Até 10, 12 anos atrás. A minha vida inteira, a minha atividade cívica, atividade política, da qual muito me orgulho, mas tudo tem o seu tempo. Quando estava na política estava só na política, agora que estou neste tipo da atividade e não estou na política. Não estou nas duas coisas.

Na política o que é que gostou mais. É verdade que não gostou muito de ser deputado?

Gostei de exercer cargos que me permitiram fazer coisas. E executar em tempo. E não andar a projetar grandes utopias de futuro que depois nunca tinha a possibilidade de ver se se concretizavam ou não.

"A minha atividade central na política tem a ver com o meu relacionamento com um homem chamado António Guterres. Era muito melhor que eu a todos os níveis (...)"

Então um deputado é um utópico?

Não, os deputados têm um papel fundamental. É preciso elaborar leis, fiscalizar as atividades dos governos. Há pessoas que gostam muito dessa atividade. Não é a minha preferida. Gosto mais de exercer cargos executivos que me permitam dirigir equipas que façam coisas. Foi isso que eu procurei fazer na vida.

E gostava de ter estado na linha da frente? Foi um número 2. Nunca quis ser número 1 do seu amigo António Guterres?

Achava que havia pessoas com melhores condições que eu para ocupar esses lugares. Portanto, estava sempre muito satisfeito com as funções que exercia, que eram sempre de acordo com aquilo que era a minha capacidade para as exercer bem. E foi isso que fiz na vida.

Primeiro levar a máquina toda...

Fazia parte de uma equipa. A minha atividade central na política tem a ver com o meu relacionamento com um homem chamado António Guterres. Era muito melhor que eu a todos os níveis e eu tinha ali um papel importante de, em equipa, concretizar os objetivos pensados por ele, concebidos por ele e dirigidos por ele. E eu achava-me muito bem nesse papel.

E foi essa lealdade que o levou a dizer aquela frase “a culpa não pode morrer solteira” e sair do governo naquela altura, após os acontecimentos de Entre-os-Rios?

A lealdade e a consciência de quem exerce cargos políticos ao mais alto nível e com responsabilidades grandes. Tem de se saber estar à altura dessa responsabilidade. Nesse caso, aconteceu o que aconteceu, e não podia ter tomado outra atitude para estar de acordo com aquilo que era o meu conceito do exercício de uma função daquela natureza. Fiz o que devia ter feito. Não fiz nada de especial.

Fez então uma coisa normalíssima na política?

Não sei se é na política. Para mim foi fazer o que a minha consciência ditava que fosse feito. E foi o que fiz sem ter nenhuma hesitação nessa matéria e sem qualquer problema. Problemas tiveram as desgraçadas pessoas que morreram naquele acidente. A minha posição foi a posição certa de alguém que exerce funções públicas e que sabe assumir as suas responsabilidades nos momentos maus e bons. Aquele momento, era um momento mau, não é....

E momentos bons, na política, no PS, o que destacaria?

Eh pá, tantos. Tantos que já me esqueci. Só me lembro dos maus.

Porque é que só se lembra dos maus?

Não. Eu digo-lhe. De vez em quando, fazer pequenos balanços de coisas que hoje estão melhores no país, e para as quais eu tenha contribuído, é algo que pode realizar qualquer pessoa que tenha uma vida pública, uma vida política. Tenho o privilégio de ter contribuído em muita coisa e em muitas áreas por onde passei para que isso seja uma realidade. E isso é um grande orgulho que eu tenho. Isso é básico na atividade de quem está na vida política. O resto é tudo secundário.

Não quer individualizar nos cargos que exerceu. Obras Públicas, ministro de Estado....?

Não vou entrar por aí. É uma questão geral. Há muitas coisas... dou-lhe um exemplo: quando entro numa Loja do Cidadão, e hoje já há muitas em Portugal, faz-me pensar um pouco. A mim e a um colega meu que infelizmente não está entre nós, o Fausto Correia. A mim, e à equipa que connosco trabalhava. Foi o projeto mais consensual da sociedade portuguesa, todos os governos o encararam de forma positiva. Hoje está espalhado em todo o país, mas foi algo que me deu um enorme prazer trabalhar, com a equipa, com o Fausto Correia, para que se pudesse melhorar a vida das pessoas, para que pudessem ter outra forma de resolver os seus problemas.

É portanto, algo para que contribuiu, e que está vivo.

Em todas as áreas por onde passei, porque eram cargos executivos, tive a oportunidade de contribui com coisas positivas. A todos os níveis. Isso deixa-me satisfeito pela vida que tive quando exerci esse tipo de funções.

A sua passagem pela Mota-Engil foi uma experiência única?

Foi uma experiência única de ter gerido uma grande empresa, uma enorme empresa, um processo de internacionalização de enorme sucesso, numa altura complicada. E tive a oportunidade de conhecer um conjunto de pessoas extraordinárias do ponto vista profissional, e de ter conhecido um empresário, o engenheiro António Mota, que é das pessoas mais inteligentes que conheci na vida. É um grande amigo. É mesmo um dos meus maiores amigos da vida. Aprendi muito com ele. Trabalhámos muito em conjunto e muito bem. E é um empresário extraordinário. Portugal precisava de ter muito mais pessoas com aquela capacidade. Foi importante para mim. Tivemos um grande êxito, e hoje o grupo continua a ter um grande êxito porque, no momento certo, soube tomar as opções corretas.

Soube “ir lá para fora” na altura certa?

Não só isso. Soube diversificar-se. Quando entrei para a Mota-Engil estava muito concentrada em África. Hoje, a maior região do grupo é na América Latina. Tem uma capacidade de diversificar a sua atividade, não só em áreas geográficas, como em atividades. E hoje o grupo está em muito mais coisas do que no passado. Tenho um grande orgulho do trabalho que desempenhei no grupo Mota-Engil. E é um trabalho que não é individual, é de equipa, a começar por um estratega, um empresário extraordinário que é líder dos acionistas, o engenheiro António Mota. É um grande senhor da gestão e do empresariado português e internacional.

"Um país que não tenha coesão, um país que não tenha uma estratégia de desenvolvimento transversal, não é um país."

E olhando para essas grandes empresas portuguesas, sente que as novas gerações estão à altura?

Está a falar no grupo Mota-Engil?

No geral.

É normal que sim. Eu próprio no grupo Mota-Engil, quando lá estive, comecei a criar condições para que a terceira geração tivesse meios para exercer a sua atividade, e hoje já estão nos níveis executivos de topo. Alguns deles convidei para a comissão executiva. Penso que o grupo terá um bom destino por também saber fazer isso de forma integrada e correta.

....

Eh pá, você só me faz perguntas... E coisas que tenham a ver com a minha área, não pergunta nada? Com a minha vida de hoje. Tenho muito gosto em responder às outras questões, mas coloque lá umas sobre a queijaria. É que eu não dou entrevistas sobre mais nada que não seja sobre queijos.

Ok. Tem uma biografia não autorizada...

Não autorizada. Foi o Fernando Esteves que fez, mas não tenho nada a ver com isso.

Então tem que fazer uma autorizada agora com a parte do queijo.

[Risos] Já cá não estou, mas há coisas importantes relativamente às quais estou hoje envolvido.

créditos: Paulo Rascão | MadreMedia

Para além da queijaria? Quais?

O movimento pelo Interior. O Interior do país tem que ter aqui um grande abanão para se desenvolver. Um país que não tenha coesão, um país que não tenha uma estratégia de desenvolvimento transversal, não é um país. Às vezes as pessoas dos agrupamentos urbanos não dão conta que elas próprias podiam ter uma vida bem melhor se houvesse um Interior mais povoado. E para que isso aconteça tem de haver investimento. E tem de haver condições para que haja aqui criação de postos de trabalho. Olhe, aqui no sítio onde estamos temos autoestradas, temos o caminho-de-ferro a três quilómetros, a linha da Beira Alta, as ligações para Espanha são feitas por estrada e caminho-de-ferro. Tem o Porto de Aveiro a 70 quilómetros e o Aeroporto do Porto a 100 quilómetros. Agora, tem um aeroporto civil em Viseu, que está a ter um incremento brutal na área do turismo e dos transportes de negócios. Esta região está a ter um grande incremento, esta terra tem grandes empresas na área da logística, confeções e automóvel. Temos milhares de pessoas a trabalhar nesta região e o Interior precisa aqui de apoio e não precisa de chorar que vai morrer tudo. Não. Tem que acreditar nas suas próprias capacidades. Aqui, em Tondela, de Nelas, Viseu...

Não está quieto?

Também estou a envolver-me nas associações empresariais. Sou presidente da Assembleia Geral da maior associação empresarial da região, a AIRVE (Associação Empresarial da Região de Viseu), entre outras coisas, com o meu amigo Luís Ferreira.

É o seu braço direito?

Direito e esquerdo. E também é do Sporting. Vai haver eleições para a Estrelacoop – (Cooperativa de Produtores De Queijo Serra Da Estrela), que é a entidade certificadora do queijo da Serra e tem sede em Celorico da Beira. Estamos aqui a integrar-nos.

"Não temos que pedir nada. Somos portugueses, pagamos impostos como os outros todos e temos direitos. E o problema do IP3 é um problema gravíssimo."

Passa do geral, das preocupações gerais, para focar no Interior?

Estou num sítio, tenho que me meter nesse sítio. Agora é Mangualde. Participo em muitas atividades em Mangualde. Estamos aqui fortemente metidos, estamos aqui todas as semanas. Num seminário sobre migração com António Vitorino discutimos esta questão: se já não há recursos humanos para o desenvolvimento, então como é que o vamos fazer. Dizia-lhe que Mangualde tem uma das grandes empresas de logística do país: a Patinter. 1.300 viaturas. E há pouco tempo almocei com o presidente da empresa que me disse que estiveram aqui 200 búlgaros. Motoristas. Vieram para cá uns e convidaram outros. Integraram-se. Em Viseu há cerca de 400 pessoas bem integradas, dizem, mas a região precisa de recursos humanos. São matérias a que eu também me dedico em conjunto com outras entidades, a discutir, ver e encontrar as melhores formas e as melhores soluções aqui para a minha região.

E tem que convencer “Lisboa”?

A melhor forma de convencer Lisboa é nós termos força. Agora lançámos uma petição por causa do IP3, que é das coisas mais dramáticas...

Também está por detrás, não me diga?

Não estou por trás. Eu estou à frente porque já assinei. A petição foi lançada pela Associação Empresarial, assinei como presidente da AG. E está a ser assinada por milhares de pessoas. A melhor forma de resolver não é esse conceito de ir a Lisboa pedir. Não temos que pedir nada. Somos portugueses, pagamos impostos como os outros todos e temos direitos. E o problema do IP3 é um problema gravíssimo. É a estrada com a maior taxa de mortalidade que existe no país. E é uma obrigação do Estado encontrar uma solução para este problema. Não sei se devem ter passado por lá quando vieram para cá. É uma estrada perigosíssima. Quando está a chover, e à noite, é certo que morre lá alguém. Não há dúvida nenhuma. A nossa força é, portanto, aquilo que vai resolver os problemas. Temos a petição em andamento, vamos ter milhares de pessoas a assiná-la e vamos ter mais ações.

"E nós vamos todos, os que aqui vivem, os presidentes de câmara, demonstrar a questão do IP3 é uma questão que nunca ninguém resolveu..."

Quais?

Como diz a petição em cima: não podemos parar mais. E não podemos. E estou convicto que o IP3 vai ser recuperado e reclassificado de forma a tornar a estrada algo também ao serviço da região.

É tornar os acessos melhores e mais atrativos para quem vier para cá viver?

É também para as pessoas que têm aqui as suas empresas e os seus negócios, para que o façam em segurança. Isto está perto de Espanha. Por estrada e comboio. É aquela discussão muitas vezes tida das zonas transfronteiriças e o potencial que isso tem.

Está totalmente virado para o Interior. É a sua luta?

É. O Interior tem que ter aqui vozes que movimentem aquilo que é a sua força. Lutar por si próprio e lutar pelos seus direitos. E é possível fazê-lo. E nós vamos todos, os que aqui vivem, os presidentes de câmara, demonstrar a questão do IP3 é uma questão que nunca ninguém resolveu...

Desculpe interromper, também foi ministro e teve debaixo do seu pelouro o IP3.

Tenho uma coisa que me salvaguarda um pouco. Fui eu que adjudiquei a A25. Não podia estar a fazer as duas estradas ao mesmo tempo. A autoestrada, quando eu era ministro, foi adjudicada. Embora isso não diminua a minha responsabilidade também. Mas agora chegou o momento. Não podemos esperar mais. Não pode ser. Há aqui um problema. Os Fundos Comunitários, quem os negociou, não estou a dizer que poderia ter sido de outra forma, não sei, mas não há verba nenhuma para o rodoviário. Há sim para o ferroviário, e a linha da Beira Alta está a ser restaurada. Mas tem que se encontrar uma solução para isto, porque assim não podemos mais.

...E com a sua voz, que é de peso...

E assumo essa responsabilidade de o ser. Tenho consciência que tenho locais onde posso exprimir esses pontos de vista, fazer as pressões legítimas. Mas não sou só eu. São as pessoas todas. E está aqui tudo de acordo. Que é uma prioridade.

Há consenso em todas as câmaras sobre o assunto.

Há. Agora sobre o itinerário, já cada um pensa da sua maneira. Mas desde que comecem as obras a reparar aquilo tudo, depois vai ao sítio. E gostava de, mais uma vez, ter a minha pessoa, a minha capacidade e a minha voz associada [a esta causa].

Teve preocupações nacionais, depois locais, a responsabilidade social, emprego e qualificação. Dizem que também tem uma preocupação com a pobreza infantil. Sempre teve?

Sim, é um projeto da minha vida inteira, e tenho pugnado por ele a nível público. E procuro, nos sítios onde estou, colaborar a título pessoal ou das empresas a que estou ligado para que o combate seja uma realidade. E tenho-o feito. Aqui nesta região, felizmente não há pobreza infantil. Há outros problemas. O que há aqui é o abandono de jovens... Tenho aqui uma atividade gira na queijaria – até que enfim consigo falar em qualquer coisa da queijaria.

créditos: Paulo Rascão | MadreMedia

[Risos] Conte lá.

Tenho um acordo com o agrupamento de escolas de Mangualde. Vêm aqui 600 crianças para ver como se faz o queijo. É a forma que temos de interagir com a sociedade que nos cerca, é dar mais conhecimento aos miúdos. Por exemplo: no dia em que apresentei a queijaria Vale da Estrela em Lisboa levei a orquestra juvenil de Mangualde, que tem cento e tal miúdos, para serem os artistas que tocaram para as 800 pessoas que estavam na iniciativa. São miúdos, com um professor extraordinário, é uma boa escola que aqui há. E foi a parte musical que eu escolhi. Foi a orquestra da minha terra para mostrar às pessoas, a maior parte de Lisboa, que há aqui coisas muito bem feitas na região. Tenho sempre essa preocupação em tudo aquilo que faço, de ter aqui um toque do que são as minhas preocupações de vida.

Quem é que lhe ensinou essas preocupações de vida. Os seus pais, o seu avô?

O meu pai infelizmente não me ensinou muita coisa porque morreu cedo. Foi acima de tudo a minha mãe. Foi uma grande pessoa. Foi a pessoa que mais admirei na minha vida toda. Foi mãe, foi pai, foi tudo. E uma amiga extraordinária. Estes conselhos todos de vida aprendi com a minha mãe. Foi o maior exemplo de vida e que infelizmente não posso ter mais, mas a vida é assim.

Mãe e avô que deveriam estar orgulhosos com este seu regresso a casa?

Sim, gostariam muito de ver isto, mas não tiveram oportunidade. Cabe-me a mim, agora, com os meus netos e família dar conta que isto não morreu. A minha família é muito grande, mas hoje em dia praticamente não está aqui ninguém. Mas têm todos aqui raízes. Na minha aldeia, vários têm lá casa. E estão a reabilitá-las. A ver se conseguimos juntar este clã que aqui viveu durante muito tempo. Uns foram para Lisboa estudar, outros para isto, outros para aquilo. Eu estudei aqui com uns primos. Depois Coimbra e Lisboa. Estudei e trabalhei ao mesmo tempo. Andei pelo estrangeiro. Aquilo que é normal nas pessoas.

O filho pródigo regressa à terra, é assim?

Não estou cá a viver. Mas estou cá todas as semanas. Até há semanas em que estou cá duas ou três vezes. Sou um grande utilizador do IP3. Há muitos anos. E sei bem o que é a perigosidade daquela estrada. Não é só por isso. Também por ser um instrumento do desenvolvimento aqui da região. Embora, hoje em dia, felizmente, existam alternativas. Uma autoestrada que liga ao Porto, Lisboa e Coimbra... Mas quer dizer, é outra coisa, aquela estrada tem de ser requalificada. Não há alternativas. Como falava há pouco, é um sitio com um posicionamento estratégico magnifico. É por isso que vêm para cá tantas empresas. Ligações a Espanha, Porto, Coimbra ou Lisboa.

E os seus queijos também vão para Espanha?

São vendidos em Madrid, no El Corte Inglés. E essencialmente em feiras de queijos tradicionais. A Espanha é um país fechado. É complicado terem coisas estrangeiras. Nós temos tido esse privilégio. Vendemos para o El Corte Inglés Portugal e abriram-nos esse mercado. Também estamos a vender para França, Luxemburgo, Londres.

Vendem para o mercado da saudade?

Não é esse o nosso objetivo. O nosso queijo é premium, o que não quer dizer que não haja quem dentro do mercado da saudade que o compre. Mas queremos mesmo é entrar nos mercados dos países que disse: em França, Reino Unido, no Brasil, em Minas Gerais. Fomos curiosamente à China e, no principio de março veio cá um empresário com quem fizemos um pré-entendimento. E vai seguir queijo para a China ligado a outro projeto nosso.

E vai aos locais desse crescimento? Vai aos sítios?

Vou. Tenho ido a todos. Fui a Minas, China, Londres e Paris. Fiquei impressionado com a última vez que estive em Paris, ao ver o sentimento de entreajuda que há entre os portugueses que lá estão a viver. Hoje a migração não tem nada a ver. Os portugueses são empresários de alto nível e há um clima de entreajuda. Foi o país onde encontrei esse espírito. No Brasil, a comunidade é mais pequena.

Para terminar: as primárias no PS...

Fui eu que organizei as únicas primárias.

Gostava que se repetissem?

Não sei como isso está. Desliguei-me. Estou fora disso. Vou mostrar-lhe a queijaria. Venha lá.

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