Às 23H59 de quinta-feira em Washington, o governo americano suspendeu o chamado Título 42, medida adotada pelo ex-presidente Donald Trump em 2020 e posteriormente expandida pelo atual Presidente, Joe Biden, para expulsar migrantes sob pretexto da pandemia covid-19. A medida foi usada quase 2,8 milhões de vezes para expulsar migrantes e impedir a solicitação de asilo.
Mas o seu fim, longe de causar alívio, provocou uma grande confusão e frustração do lado mexicano da fronteira.
A razão prende-se sobretudo com questões da política interna dos Estados Unidos, nomeadamente no contexto da pré-campanha eleitoral para as presidenciais de 2024, em que a imigração é um tema chave. E foi com isso em mente que o atual presidente, Joe Biden, adotou um novo pacote de medidas com o objetivo de limitar a possível chegada em massa de migrantes à fronteira com o México, agora fora da situação de pandemia. Essas restrições foram ativadas combinando "vias legais" com um endurecimento das condições de asilo, medidas que os republicanos, em particular o antecessor e futuro adversário nas eleições Donald Trump, consideram insuficientes.
Alguns migrantes tentaram atravessar a fronteira até as últimas horas da quinta-feira, aproveitando ainda a vigência das limitações da era covid-19 que, à luz das novas regras, parecem ainda assim mais facilitadoras de quem quer ir para os Estados Unidos.
Quase 1.300 pessoas, incluindo famílias com bebés, cruzaram a fronteira junto a Ciudad Juárez, no México, mas a polícia fronteiriça americana interceptou o grupo. E, ao mesmo tempo que os migrantes tentavam atravessar a fronteira nesta área, a Guarda Nacional dos Estados Unidos instalava mais cercas de arame farpado para impedir futuras travessias. Junto a Matamoros, máquinas pesadas preparam o terreno para uma cerca de arame farpado, obrigando as pessoas a procurar os espaços ainda abertos.
A partir desta sexta-feira, os migrantes que chegam à fronteira estão sujeitos ao Título 8, que já estava a ser aplicado. O Título 8 tem implícito que se alguém chegar sem preencher os requisitos para o asilo,"estará sujeito a consequências mais severas por entrada ilegal, incluindo uma proibição mínima de reentrada de cinco anos e um possível processo penal", nas palavras do próprio secretário de Estado da Segurança Interna, Alejandro Mayorkas.
Preencher os requisitos para a entrada nos Estados Unidos é agora mais difícil porque, no mesmo horário, entrou em vigor a regra de presunção de "inelegibilidade" ao asilo, que está condicionado a duas exigências: ter seguido as "vias legais" ou ter feito a solicitação num país de trânsito e ter sido negado.
Para seguir uma "via legal", o migrante pode recorrer a programas de reunificação familiar, a vistos humanitários para quotas de venezuelanos, haitianos, nicaraguenses e cubanos, ou então tramitar as solicitações antes de chegar à fronteira por meio da aplicação CBP One.
"É inacreditável que uma aplicação praticamente decida a nossa vida e o nosso futuro"
Os migrantes mal podem acreditar que o futuro deles dependa de uma aplicação móvel que, além disso, segundo eles, não funciona bem. "É inacreditável que uma aplicação praticamente decida a nossa vida e o nosso futuro", reclamou Jeremy de Pablos, um venezuelano de 21 anos, acampado em Ciudad Juárez, no México. O reconhecimento facial, que é uma das premissas, é o mais difícil porque "é uma lotaria, reconhece quem quer".
"As nossas fronteiras não estão abertas", sublinha, por seu lado, o secretário de Estado americano da Segurança Interna, contradizendo os traficantes de pessoas que "espalham informações falsas". Mas não é suficiente, no entanto, para desanimar aqueles que ainda têm esperança de conseguir entrar no país.
Mayorkas garante que a transição do Título 42 para o 8 "será rápida", com a ajuda de 24.000 agentes e oficiais da polícia de fronteira. Mas, na quarta-feira, o próprio presidente Biden reconheceu que "será caótico por um tempo".
Salvo exceções, os migrantes serão deportados para seus países de origem e, no caso de cubanos, nicaraguenses, haitianos e venezuelanos, para o México.
Na linha de fronteira entre Tijuana e San Diego, Steven Llumitaxi, um equatoriano de 21 anos, mantém "muita fé" de que as autoridades migratórias possam permitir a sua passagem com a esposa e o filho de dois anos. "Dizem que os bebés têm maior prioridade", declarou à AFP em Tijuana, para onde foi levado por traficantes que cobraram 3.000 dólares para o "ajudar" a atravessar desde a fronteira sul com a Guatemala.
Entre os migrantes que conseguem entrar, alguns dormem nas ruas ou em abrigos superlotados, enquanto outros entram em contacto com amigos ou conhecidos para viajar até às cidades onde são esperados.
Em Brownsville, uma cidade americana na fronteira, os nervos estão à flor da pele. A venezuelana Patricia Vargas chora porque conseguiu atravessar a fronteira, mas a família não. "Devolveram o meu filho a Monterrey. Acabaram de avisar. Éramos cinco no total e só eu consegui passar", lamenta. "Não é mais possível passar. Agora é esperar que a aplicação funcione", disse.
Famílias inteiras de várias nacionalidades à espera de poder passar para o outro lado
Desde quarta-feira, véspera do fim do Título 42, que dezenas de milhares de migrantes aguardavam ao longo da fronteira norte do México para atravessar para os Estados Unidos .
Em Tijuana, na fronteira com a Califórnia, milhares de migrantes de várias nacionalidades, incluindo famílias inteiras e crianças, reuniram-se junto aos muros da fronteira esperando o fim do Título 42 - marcado para quinta-feira à noite - para pedir asilo humanitário nos Estados Unidos.
No acampamento juntaram-se pessoas da Colômbia, Venezuela, Peru, Haiti e Honduras, mas também de países distantes como Turquia e Bósnia, além de mexicanos dos estados do sul de Michoacán e Guerrero, onde a violência do crime organizado os colocou em fuga
A região enfrenta um fluxo migratório sem precedentes, com mais de 2,76 milhões de imigrantes indocumentados interceptados pelos Estados Unidos na fronteira com o México em 2022.
Para incentivar os canais legais de imigração, Washington prevê abrir eventualmente uma centena de "centros de gestão regional", localizados fora do país, e onde serão estudados os processos dos candidatos à emigração. Os primeiros estão previstos na Colômbia e Guatemala.
Estas novas regras foram fortemente criticadas por associações de defesa dos migrantes que acusam Joe Biden de levar a cabo uma política migratória não muito diferente da do seu antecessor, Donald Trump.
O Presidente de 80 anos, que acaba de anunciar sua candidatura a um segundo mandato em 2024, tenta neutralizar essas críticas com um equilíbrio que alterna entre mensagens de firmeza e humanismo.
Juntamente com as novas restrições, o seu Governo está a conceder 30.000 vistos adicionais por mês para cidadãos de Cuba, Venezuela, Guatemala e Haiti.
Comentários