O famoso cruzador russo Moskva, em serviço desde os anos 80, afundou-se a 14 de abril depois de sofrer uma forte explosão a bordo. O Ministério da Defesa russo confirmou o naufrágio, que terá decorrido quando a embarcação estava a ser rebocada, mas adianta apenas que os estragos foram provocados devido a um incêndio a bordo. A Ucrânia, porém, defende que a perda foi causada devido a dois mísseis por si enviados.

Se as causas do naufrágio têm sido contestadas, o destino da tripulação — composta por perto de 510 membros — do Moskva também. No sábado, o Ministério da Defesa russo apresentou um vídeo que diz tratar-se de um encontro entre o chefe da marinha e os tripulantes resgatados, em Sevastopol, na Crimeia.

Nas imagens, de cerca de 30 segundos, dezenas de homens vestidos com uniformes da marinha russa aparecem alinhados diante de Nikolai Yevmenov, líder da Marinha russa. "O comandante da Marinha, o almirante Nikolai Yevmenov, e o comandante da frota no Mar Negro reuniram-se com a tripulação do cruzador Moskva em Sevastopol", declarou o ministério num breve comunicado.

O almirante "informou à tripulação do cruzador que os oficiais, aspirantes e marinheiros continuarão a servir a Marinha", acrescentou a instituição.

A divulgação do vídeo, porém, não esclarece o que realmente aconteceu à tripulação, numa fase em que a utilização de propaganda ao serviço da guerra tem vindo a aumentar. A Rússia tem vindo a defender que a tripulação foi retirada do barco antes que este afundasse, sem que o incidente tivesse provocado vítimas.

As imagens que subsequentemente surgiram do Moskva a afundar parecem apontar que os seus botes salva-vidas foram usados, o que significa que foi dada uma ordem para abandonar o navio. Todavia, esse dado é insuficiente para esclarecer quantas pessoas foram salvas.

Essa mesma informação é adiantada pelo Pentágono, que confirmou o naufrágio do cruzador e assegurou que os Estados Unidos viram sobreviventes a serem resgatados por outros navios russos nas proximidades.

De acordo com o jornal britânico The Guardian, muitas famílias dos tripulantes desesperam por confirmações, já que, internamente, o destino dos ocupantes do Moskva permanece um segredo de estado e os números oficiais de mortos, feridos e desaparecidos não foram revelados.

No rescaldo deste acontecimento, o portal independente russo Meduza noticiou hoje que pelo menos 37 pessoas morreram no naufrágio, citando fontes não identificadas, inclusive "uma pessoa no comando" da Marinha no Mar Negro.

Apesar da versão passada por Moscovo, há casos de familiares a serem discretamente informados de que os seus entes queridos morreram. É o caso de Yulia Tsyvova, que recebeu a confirmação de que o seu filho Andrei, de 19 anos, pereceu no navio. A mulher russa disse ao The Guardian de que o seu filho foi conscrito a entrar na guerra e de que as autoridades “não disseram mais nada”, nem sequer “informações onde decorreria o funeral”. “Tenho a certeza de que ele não foi o único a morrer”, alerta.

Segundo o jornal britânico, este foi apenas o segundo óbito confirmado às famílias, tendo outras três afirmado publicamente que não conseguem encontrar ou contactar os seus entes queridos que estavam a bordo do Moskva. 

Outras, porém, conseguiram identificar os seus familiares no vídeo publicado pelo Ministério da Defesa russo, como foi o caso de Eskender Djeparov, que soube através deste meio que o seu irmão Akbar está vivo. O tripulante, de resto, ligou à família no dia a seguir ao naufrágio, dizendo estar bem mas sem querer revelar mais nenhuma informação, e contactando-a a partir de números de telefone diferentes.

A opacidade da comunicação às famílias levou a algumas a tratar do tema no local, com foi o caso de Dmitry Shkrebets, cujo filho Yegor era um cozinheiro e foi declarado como desaparecido em combate. “Como é possível estar desaparecido em combate no meio do mar alto?!!!”, escreveu ao The Guardian.

A mulher de Dmitry, Irina, denunciou ao jornal digital independente russo the Insider que o casal encontrou perto de 200 marinheiros feridos num hospital militar da Crimeia, quando estavam à procura do seu filho. “Olhamos para cada um dos miúdos queimados, não consigo pôr em palavras o quão difícil foi, mas não encontrei o meu [filho]. Estavam apenas 200 pessoas, mas estavam mais de 500 tripulantes a bordo do Moskva, onde estão os outros?” pergunta-se, adiantando ainda que não conseguiu encontrar Yegor em Krasnodar nem em mais nenhuma cidade.

O diário russo da oposição "Novaia Gazeta", que depois de suspender a sua publicação na Rússia tem uma edição digital europeia, publicou no fim de semana a história de uma mulher cujo filho também estaria a cumprir o serviço militar a bordo do Moskva.

A mulher, que não quis ser identificada por medo de represálias, declarou que o seu filho sobreviveu ao naufrágio e ligou-lhe em lágrimas na sexta-feira da Ucrânia, dizendo-lhe que cerca de 40 pessoas morreram, muitas ficaram feridas e outras estão desaparecidas.

O naufrágio do Moskva não só consta como uma pesada e humilhante perda militar para a Rússia, como coloca sob os holofotes a utilização de soldados conscritos — ou seja, recrutas não profissionais — na guerra.

No início de março, após uma série de relatos sobre recrutas russos capturados pelas forças ucranianas, o Presidente russo, Vladimir Putin, assegurou que nem reservistas nem recrutas estavam a participar na "operação militar especial", como o Kremlin se refere à invasão russa da Ucrânia.

No entanto, o Ministério da Defesa russo foi forçado a admitir que algumas das forças no terreno eram conscritas depois da captura pelas ucranianos de soldados nesta condição no início da guerra. Apesar disso, o ministério assegurou que deixaria de fazê-lo no decurso da guerra, informação agora contraditada por algumas famílias, que asseguram que os seus entes queridos eram conscritos e não soldados profissionais sob contrato.

Além do caso de Yulia Tsyvova, também Dmitry Shkrebets denuncia que o seu filho era um conscrito e que “não era suposto” estar num cenário de batalha ativo — ainda para mais porque, em 2017, houve uma declaração oficial de que os recrutas não eram destacados para navios de guerra. Já Eskender Djeparov, apesar do seu irmão ter sobrevivido, disse também que este não é um soldado profissional.

O jornal alemão "Frankfurter Allgemeine Zeitung" (FAZ) indicou também na sua edição de hoje, com base em fontes russas não identificadas, que havia conscritos a bordo do Moskva, contrariando as versões oficiais do Kremlin, fontes essas que também negam que a tripulação do Moskva tenha sido resgatada na sua totalidade.

Os meios de comunicação ucranianos, segundo a FAZ, também noticiaram a morte do tenente Ivan Wachrusew a bordo do Moskva, confirmada pela sua mulher, que garantiu ainda que há 27 tripulantes desaparecidos.

Esta não é a primeira vez que a Rússia procura ocultar o número de perdas navais, sendo provável que o número de óbitos seja bem maior que o inicialmente reportado. O naufrágio do Moskva tem sido comparado ao desastre a bordo do submarino nuclear Kursk, que se afundou no mar de Barents em 12 de agosto de 2000 após explosões causadas por armamento defeituoso, vitimando a sua tripulação de 118 pessoas. O Kremlin, já na altura liderado por Vladmir Putin, foi altamente criticado pela resposta indiferente ao caso e pela incapacidade das forças russas de conduzirem uma operação de resgate.

De resto, a perda do Moskva já começou a ter implicações no teatro de guerra. O Comando Operacional Sul do Exército ucraniano fez saber que os navios da frota russa no Mar Negro afastaram-se 200 quilómetros da costa ucraniana, embora "a ameaça de ataques de mísseis permaneça".

A Rússia está inteiramente dependente da frota de guerra que se mantém no Mar Negro, já que a Turquia tem direito a controlar o acesso ao mar Negro e tem bloqueado a entrada de navios russos. Os termos do tratado de Montreux, assinado em 1936, garantem a livre circulação nos estreitos do Bósforo e dos Dardanelos mas concedem a Ancara o direito de bloquear a passagem a navios de guerra em tempo de conflito, exceto se estiverem de regresso às suas bases.

*com agências

[Notícia atualizada às 15:54 — Inclui novas informações, como a notícia de que 37 tripulantes a bordo do Moskva terão morrido]