Pouco mais de um por cento. É esta a percentagem de médicos dentistas que trabalha no Serviço Nacional de Saúde em Portugal. Muito resumidamente, são 150 dos cerca de 13 mil que exercem a profissão no nosso país.

São poucos, muito poucos, daí ninguém estranhar esta petição. “Os cidadãos, incluindo os médicos dentistas, usam os mecanismos das petições para fazerem prevalecer as suas ideias e acionarem a Assembleia da República para que esta possa também fiscalizar e comentar com o Governo sobre estas medidas. Por isso, é natural que exista uma petição oriunda de médicos dentistas que trabalham no SNS”, começou por referir ao SAPO24 o bastonário da Ordem dos Médicos Dentistas, Miguel Pavão, que tenta 'explicar' a razão desta neste momento a poucos meses de umas eleições legislativas.

Esta petição não é inédita. Existiram mais ao longo dos últimos 30 anos, mas que não sofreram efeitos ou tiveram qualquer consequência. Neste momento, diria que os partidos políticos, e vimos neste fim-de-semana com as afirmações do secretário-geral do PS, estão cientes de que vai ser preciso criar a carreira para mobilizar os profissionais. E esta visão resulta sem dúvida do trabalho desenvolvido pelos médicos dentistas em prol da importância desta medida, através da OMD e também da associação de médicos dentistas que exercem no serviço público, a APOMED.”, confessou.

"Não basta investir na criação de gabinetes de medicina dentária, se não forem criadas condições para o exercício da profissão, condições materiais, humanas e, naturalmente, a carreira adequada às funções"Miguel Pavão

A petição surge assim após muitas outras. Várias porque a promessa já vem de há alguns anos, sendo que era também um objetivo da Ordem já em 2017. Quais as razões para tanta demora? Miguel Pavão fala em orçamentos, condições de trabalho, materiais, etc.

“As razões, diria, são o facto de a saúde oral, embora seja usada como uma bandeira política, sobretudo nos períodos eleitorais, nunca ser priorizada em termos de investimento. E a implementação de uma carreira que dignifique e legalize os médicos dentistas que exercem no Serviço Nacional de Saúde é um desses exemplos. Desde 2017 que a carreira especial de medicina dentária aguarda o aval do Ministério das Finanças. Falta, portanto, um orçamento para a saúde oral e esse é um ponto basilar. Por exemplo, os profissionais de medicina dentária que atualmente exercem funções nos gabinetes de saúde oral estão associados ao SNS por regime de prestação de serviços, ou integrados na carreira de regime geral de técnico superior. Por isso, não basta investir na criação de gabinetes de medicina dentária, que são sem dúvida um passo muito importante para a tardia integração da especialidade no SNS, se não forem criadas condições para o exercício da profissão, condições materiais, humanas e, naturalmente, a carreira adequada às funções”, diz Miguel Pavão, recordando que o atual diretor do SNS, Fernando Araújo, há muito está por dentro deste assunto, mas a verdade é que nada foi feito até aos dias de hoje.

Que tratamentos dentários oferece o SNS?

"São tratamentos prestados à população referenciada pelos médicos de medicina geral e familiar, que regra geral apresenta inúmeras necessidades de tratamento, nomeadamente falta de dentes e para a qual o SNS tem uma resposta limitada. Ortodontia e reabilitação oral/ próteses dentárias não têm, por exemplo, resposta no SNS. Além das dificuldades existentes no acesso a aparelhos de radiografia odontológica que auxilie no diagnóstico de patologia dentária.

Se pensarmos que há uma boa parte dos pacientes que estão a consultar um médico dentista pela primeira vez, as necessidades de tratamento são inúmeras e que não se esgotam numa consulta. E, neste campo, a resposta é igualmente limitada perante o elevado número de pacientes e face ao reduzido número de médicos dentistas.

De todas as áreas da saúde, a medicina dentária continua a ser o parente mais pobre, apesar do caminho que tem sido feito nos últimos meses no sentido de integrá-la na saúde geral, reconhecendo o seu papel crucial na saúde sistémica. Razão pela qual a OMD defende que a rede de médicos dentistas prestadores privados pode ter um papel importante, para que através de parcerias público-privadas os utentes possam, por exemplo, ter a possibilidade de colocarem próteses dentárias.

De referir ainda que o investimento em saúde oral não deve estar confinado à condição da cavidade oral, mas sim ao seu papel na saúde sistémica, papel esse que é fundamental fazer prevalecer. Temos quase 14% da população com diabetes, o que do ponto de vista do SNS representa um peso muito grande em termos de Orçamento de Estado na Saúde. Poderia reduzir-se a carga de doenças sistémicas e crónicas, como a diabetes e as doenças cardiovasculares, através do apoio à saúde oral em termos de prevenção".

“Desde que o atual Diretor do SNS, Fernando Araújo, na altura Secretário de Estado Adjunto e da Saúde, anunciou no congresso da OMD, em 2017, a criação da carreira de medicina dentária no SNS, os vários detentores da pasta da Saúde foram prometendo a sua implementação, mas sem desenvolvimentos até hoje. Este ponto constitui uma das principais recomendações do relatório apresentado pelo Grupo de Trabalho – SNS | Saúde Oral 2.0, em dezembro, após consulta pública, ao considerar a criação da carreira como “fator crítico” para a sustentabilidade do projeto de criação de gabinetes de medicina dentária em todos os concelhos do país. Contudo, perante o atual cenário político, diria que tudo pode acontecer no novo ciclo governativo. Da nossa parte, continuaremos a pugnar para que não se perca o trabalho realizado e se obtenham compromissos de ação”, diz o bastonário.

Miguel Pavão, nas sua declarações, deu já conta das ditas promessas durante as campanhas eleitorais, as chamadas “bandeiras políticas”. E, curiosamente, Pedro Nuno Santos, secretário-geral do PS e candidato às legislativos de março, abordou este tema no congresso do partido no último fim de semana. A OMD 'agradece', mas espera ação.

"Desde que o atual Diretor do SNS, Fernando Araújo, na altura Secretário de Estado Adjunto e da Saúde, anunciou no congresso da OMD, em 2017, a criação da carreira de medicina dentária no SNS, os vários detentores da pasta da Saúde foram prometendo a sua implementação, mas sem desenvolvimentos até hoje"

Este posicionamento do tema da saúde oral neste período de eleições que se avizinha é muito positivo e, na prática, vem mostrar a intenção de dar continuidade ao trabalho que tem vindo a ser desenvolvido e às medidas concretizadas ao longo dos últimos meses, desde que Manuel Pizarro assumiu a liderança do Ministério da Saúde, tanto pela atual Direção Executiva do SNS, como pela DGS”, diz Miguel Pavão, garantindo que a “governe quem governe, a OMD continuará a pugnar pelos avanços alcançados, pelo que o desafio que lançamos neste momento é que os restantes partidos coloquem o tema nas suas agendas e apresentem as suas propostas para esta área da saúde”.

Por falar em propostas, o bastonário pensa em outros cenários também, nomeadamente a “definição de uma estratégia para a saúde oral coerente e a longo prazo, assente em pactos de entendimento entre todos os partidos, que não esteja dependente dos sucessivos ciclos políticos”. De acordo com Miguel Pavão, “só desta forma poderemos efetivamente criar uma política de saúde oral, que promova o acesso generalizado dos portugueses aos cuidados de saúde oral”. “A criação de uma carreira de medicina dentária no SNS, que está plasmada no plano Saúde Oral 2.0, vai naturalmente de encontro às expectativas da OMD e cuja implementação é urgente, pelas razões que já expus anteriormente”, conclui.