"A detenção de Vladimir Putin pelas autoridades da Mongólia não é um cenário realista, dado a extrema dependência económica da Mongólia em relação aos dois únicos Estados vizinhos: Federação Russa e China", nenhum dos dois países Estado-Parte do Tribunal Penal Internacional (TPI), acredita Mário João Fernandes, consultor da Abreu Advogados, especialista em Direito Público.
Esta não é a primeira vez que o TPI emite um mandado de prisão contra um chefe de Estado. Aconteceu em 2009, quando o presidente do Sudão, Omar Al-Bashir, foi acusado de genocídio no Darfur. Durante mais de dez anos deslocou-se a diversos países - África do Sul (2015) e Jordânia (2017), por exemplo - sem quaisquer consequências.
"Estamos em 2024 e já tivemos esta discussão em 2019, quando o TPI veio dizer que a imunidade dos chefes de Estado não se aplica ao Tribunal Penal Internacional", recorda Francisco Pereira Coutinho, professor da Nova School of Law e especialista em Direito Internacional, que considera que "a Mongólia não é um Estado de direito, não há separação de poderes".
A Mongólia é um Estado-Parte do TPI, ratificou o Estatuto de Roma em 2002, e está obrigada a executar o mandado de detenção do presidente russo. Mas se não o fizer, em violação do estatuto, não sofrerá quaisquer penalizações por isso. Ou por outra, "haverá apenas consequências no plano político-diplomático", diz Francisco Pereira Coutinho.
E lembra que a Mongólia acaba de designar um juiz para o TPI: "Tenho certeza que para a próxima não vai conseguir". O Tribunal Penal Internacional é composto por 18 juízes, dos quais seis são eleitos a cada três anos para mandatos de nove anos. Os juízes eleitos em 2023, entre os quais está o mongol Erdenebalsuren Damdin, têm mandatos até 2032.
Se não der cumprimento ao mandado de captura, o TPI vai notificar a Mongólia para que explique os motivos por que não o fez. Depois, fará um relatório que será apresentado à Assembleia dos Estados-Parte para se pronunciar. No limite, "a imagem da Mongólia fica abalada". Além de não ser possível expulsar um país do TPI, também não haveria qualquer interesse nisso, uma vez que interessa ao Tribunal Penal Internacional ter jurisdição sobre o maior número de territórios possível. Quanto mais abrangente, melhor.
Esta é a primeira visita oficial de Vladimir Putin a um país-membro do Tribunal Penal Internacional, que há cerca de 18 meses emitiu o mandado de prisão. Isto não significa que o presidente russo não tem direito de defesa, que deve ser exercido no processo judicial perante o TPI.
Mário João Fernandes recorda ainda que "a investigação do procurador junto do TPI relativa à Ucrânia foi solicitada por quase 50 Estados (entre os quais Portugal), e não pelo Conselho de Segurança da ONU. Assim sendo, o TPI não pode dirigir-se ao Conselho de Segurança da ONU para apreciar a conduta não cooperativa da Mongólia, mas a intervenção do Conselho de Segurança pode ser solicitada por qualquer Estado-membro da ONU".
"Sendo a Federação Russa um dos membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU, é provável que, mesmo agindo em causa própria, vete qualquer resolução que vise censurar a Mongólia pela ausência de cooperação com o TPI", acrescenta o consultor da Abreu Advogados.
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