
Numa conferência de imprensa dos cardeais portugueses que estiveram alojados no Colégio Português em Roma, por ocasião do Conclave, D. António Marto, D. Manuel Clemente e D. Américo Aguiar elogiaram o perfil de Leão XIV e admitiram que os eleitores já tinham uma ideia clara de quem queriam eleger.
Antes do Conclave, houve “uma série de encontros, as chamadas congregações, em que os cardeais eleitores e não eleitores tiveram ocasiões de falar”, de “uma maneira muito universal”, trazendo ao conjunto as “expectativas das suas terras, das suas dioceses e das suas culturas”, explicou D. Manuel Clemente.
Por isso, “já tínhamos muita conversa feita e um perfil mais delineado daquilo que era a realização da expectativa da Igreja”, reconheceu, salientando que o processo “já estaria facilitado”.
Isso explica porque é que “em dois dias conseguimos chegar a uma eleição com mais de dois terços dos presentes”.
"Correu tudo de uma maneira muito calma. As votações sucederam-se, o Conclave não é tempo para conversas, é tempo de votar e foi isso que fizemos", começou por resumir D. Manuel Clemente, patriarca emérito de Lisboa, sobre os últimos dias em Roma.
Tal como se previa, a primeira votação atrasou devido à intervenção inicial. "Começámos por ouvir o cardeal Cantalamessa (...) acerca do que é o papel do Papa nos tempos que correm. Por isso demorou mais tempo", confidenciou.
Além disso, "as votações em si são relativamente demoradas", já que são feitas individualmente e envolviam 133 cardeais. "Demora o seu tempo, naquele ambiente da Capela Sistina, muito propício à nossa atenção e concentração".
D. Manuel Clemente, que lembrou que ainda "vamos ver a explicação que [o Papa] vai dar sobre o porquê do seu nome", apontou que Leão XIV "é norte-americano de nascença, mas a sua família tem muitas outras pré-nacionalidades", o que lhe concede "predisposição para um papel também universal" — e um "pontificado muito feliz".
O patriarca emérito de Lisboa recordou também a “saudação muito bonita” feita da varanda de São Pedro e o compromisso de “fazer pontes, fazer com que as partes se congreguem e se escutem”.
“Há um conjunto de circunstâncias que auguram um pontificado muito feliz”, disse D. Manuel Clemente, adiantando que Leão XIV tem uma “proveniência migrante, no sentido não apenas geográfica mas também cultural”, que lhe dará vantagem no diálogo com os líderes mundiais.
A reunião com o novo papa pedida pelo Presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, foi comentada pelo ex-patriarca de Lisboa, que considerou que será uma “audiência em que o Papa irá escutar com aquela serenidade que lhe é característica e isso pode ser um ponto de partida para melhores dias”.
Uma escolha "providencial"
Já o cardeal D. António Marto, bispo emérito de Leiria-Fátima, falou sobre o que leva à escolha de determinado cardeal. "Nestas escolhas nem há candidaturas próprias nem partidos ou fações que apoiam. Entre nós não havia, ninguém fez declarações sobre o candidato que ia escolher. Nem há sondagens".
Por isso, sem desvendar a sua escolha — o processo de voto é secreto —, acentua que "cada um teve as suas próprias motivações para fazer a sua escolha".
"Para mim o mais importante era continuar o legado e o estilo do Papa Francisco", nota, com destaque para o seu ministério e para a evangelização, de forma a chegar-se a uma "pessoa cheia de proximidade, acolhimento, escuta, compaixão com os sofrimentos da humanidade".
“Não sei se não é providencial” um Papa que viveu a “experiência do capitalismo liberal sem regras nos EUA e tem a experiência da pobreza extrema no Peru”, disse ainda.
“Francisco foi Francisco, não há clones”, mas, segundo D. António Marto, Leão XIV vai “seguir esta linha do Papa Francisco, do respeito pelos imigrantes e contrário da deportação sem mais daqueles que procuram uma vida melhor e mais digna”.
O antigo bispo de Leiria-Fátima disse que “o mundo está hoje muito modificado e os regimes de países comunistas são hoje capitalismo de Estado”, a que se somam os temas da “inovação tecnológica e do continente digital”, que criam novos desafios e uma “maneira nova de estar na sociedade”, com um “individualismo extremo que levou a perder o bem comum e o sentido de comunidade”.
D. António Marto evocou a encíclica Rerum Novarum, em que o Papa Leão XIII “punha limites ao capitalismo liberal onde predomina a força do maior sobre o mais fraco”, procurando “defender a liberdade da pessoa humana e dos trabalhadores”.
"Assiste-se a uma mudança de época que requer uma atualização da doutrina social da Igreja”, disse António Marto, adiantando que “a igreja não é hoje eurocêntrica, nem o mundo é eurocêntrico. Hoje o mundo é policêntrico, é multilateral” e manifestando-se confiante que o Papa vai concluir o processo sinodal, uma auscultação das bases da Igreja promovida por Francisco.
O bispo criticou ainda que se identifique “a Igreja com a hierarquia somente”, esquecendo os leigos, porque “o laicado é um gigante adormecido e ainda continua adormecido” e os crentes “estão lá onde estão os problemas”.
Um terço da JMJ para o novo Papa
D. Américo Aguiar, bispo de Setúbal, confidenciou que fez uma oferta ao novo Papa. "Trouxe o terço da Jornada Mundial da Juventude para que todos os participantes da jornada estivessem no Conclave. E ofereci-o ao Papa".
"Ele ficou surpreendido, mas já está habituado a que da minha parte haja coisas dessas", disse a rir.
Ainda com uma nota de humor, D. Américo Aguiar brincou com o nome do novo Papa. "Para Portugal convém pormos aspas, há leões muito nervosos nos dias que correm".
Sobre o tempo da JMJ, recorda que esteve com o agora Papa Leão XIV. "Fazia parte da comitiva papal e esteve connosco. Foram dias de partilha daquilo que foi a vivência em Portugal".
Desses dias, recorda "alguém muito discreto muito afável, temos aqui essa mistura humana muito diversificada, dos seus pais, da sua vivência".
D. Américo Aguiar considerou que as origens pessoais de Prevost, norte-americano filho de imigrantes espanhóis e franceses, com ligações ao Canadá, e que fez trabalho missionário no Peru mostram a universalidade das novas gerações de líderes.
“Quanto mais a pessoa em causa tiver um historial, uma experiência de vida o mais transversal em relação à sociedade, mais capaz vai ser de ser sensível, de ser sábio e capaz de construir as pontes”, afirmou o cardeal.
"Não tenho dúvidas de que é a mão de Deus, quando estamos a viver um défice de vozes encantatórias", destaca sobre esta eleição. Por isso, devido à sua origem norte-americana, D. Américo considera que o pontífice está "no centro da geopolítica". "Acho que Deus não podia ter feito melhor — e nós fizemos o que dependia de nós".
Apenas D. José Tolentino de Mendonça esteve ausente da conferência de imprensa que decorreu esta tarde em Roma.
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