Pela segunda vez desde que chefia o governo italiano, Meloni, líder do partido de direita radical Irmãos de Itália, deslocou-se a Washington, desta feita também na condição de presidente em exercício do G7, para ser recebida, na passada sexta-feira, pelo Presidente norte-americano, num encontro que voltou a evidenciar a excelente relação entre ambos, espelhada nas posições comuns assumidas em matérias como a Ucrânia e o Médio Oriente, e retratada no beijo paternal dado por Joe Biden à primeira-ministra italiana na Casa Branca.

No entanto, sensivelmente ao mesmo tempo, Matteo Salvini, líder dos populistas de extrema-direita da Liga, parceiro de coligação dos Irmãos de Itália, enviava a Donald Trump, através da rede social X, uma mensagem de felicitações pelos triunfos nas primárias republicanas em mais três estados, fazendo votos para uma vitória sobre Biden nas eleições de novembro próximo, no que a generalidade dos analistas políticos italianos entendeu como uma óbvia manobra de ‘sabotagem’ à chefe da coligação, com a qual disputa, internamente, o mesmo eleitorado.

“Mais três passos em frente para a mudança na Casa Branca. De Bruxelas a Washington, a mudança está a chegar!”, escreveu Salvini na sua conta oficial na rede social X, após os triunfos de Trump nas primárias republicanas nos estados do Michigan, Missouri e Idaho.

Questionada sobre este apoio expresso do vice-primeiro-ministro italiano a Trump pela agência noticiosa italiana Ansa, a Casa Branca limitou-se a responder com um lacónico “sem comentários”.

Meloni encabeça há cerca de ano e meio um governo de coligação formado pelo ‘seu’ partido Irmãos de Itália, pela Liga de Matteo Salvini e pelo Força Itália, partido de centro-direita fundado por Silvio Berlusconi mas liderado desde a morte do magnata, no verão do ano passado, por Antonio Tajani, também vice-primeiro-ministro e chefe da diplomacia do atual governo.

As contradições no seio do governo italiano, ainda mais confusas na medida em que não é preciso recuar muito no tempo para encontrar elogios de Meloni (então ainda na oposição) a Trump, que a líder dos Irmão de Itália chegou a classificar como “um modelo”, merecem ampla análise na imprensa italiana, mas também não passaram despercebidas na imprensa norte-americana, tendo mesmo a primeira-ministra sido atacada pelo canal conservador Fox News, que a apelidou de “queridinha de Biden”.

Questionando o “volte face” verificado nas posições de Meloni, que acusa de ter traído as suas convicções “antiglobalização” e passado a ser “europeísta”, abraçando ainda “a linha atlântica” em matérias como o apoio à Ucrânia — que a primeira-ministra italiana defende veementemente, em claro contraste com as posições de Salvini, considerado próximo de Moscovo -, a Fox News antecipa que, com as suas escolhas mais moderadas, incluindo em matéria de política migratória, Meloni arrisca alienar o seu eleitorado original.

Os republicanos também estarão ‘magoados’ com Meloni por a líder italiana, que chegou a discursar em duas ocasiões na Conferência da Ação Política dos Conservadores (CPAC, na sigla em inglês, o maior encontro anual da direita americana), ter decidido enviar uma delegação de ‘segunda linha’ à recente edição, para não ‘beliscar’ Biden em vésperas da sua ida à Casa Branca, e, de acordo com a Fox, a CPAC pondera mesmo organizar um evento em Itália para ‘testar’ a lealdade da ex-admiradora de Trump.

Já a imprensa italiana destaca o “embaraço” que Salvini causou a Meloni, ao desejar felicidades a Trump quando a chefe de governo mantinha um importante encontro bilateral com Biden.

O jornal La Stampa sublinha que “a posição de Giorgia Meloni não é certamente fácil”, pois a sua amizade política com Biden expõe atualmente, e mais do que nunca, “uma contradição”, comentando que “as complicações não se ficam por aqui”, já que a primeira-ministra, que sempre se disse naturalmente mais identificada com o Partido Republicano do que com o Partido Democrata, tem posições sobre a guerra na Ucrânia muito mais próximas de Biden.

Em Washington, Meloni reafirmou a necessidade de ajudar os ucranianos com apoio político, militar e financeiro, e colocou esta urgência no topo da agenda da presidência italiana do G7, numa altura em que, nos Estados Unidos, os republicanos bloqueiam, no Congresso, um pacote de ajuda de 60 mil milhões de euros a Kiev.

Questionada, já no Canadá, sobre a questão, Meloni limitou-se a dizer que não lhe foi pedido (pela Casa Branca) que intercedesse junto do Partido Republicano, e que não falou com os republicanos durante a sua deslocação aos Estados Unidos.

“A contradição da primeira-ministra entre a sua antiga paixão política por Trump e a sua atual harmonia com Biden tinha de explodir, mais cedo ou mais tarde. E está a explodir no período que antecede as eleições presidenciais americanas”, comenta, por seu turno, o jornal La Repubblica.

De acordo com este jornal, Meloni vê-se num encruzilhada, porque, por um lado, o seu parceiro de coligação Matteo Salvini intensifica as suas mensagens de apoio a Trump, “com a intenção específica de lhe provocar sarilhos”, e, por outro, “porque é difícil conciliar a linha atlântica com Biden e não entrar em rota de colisão com Trump”, sendo que, neste processo, a líder dos Irmãos de Itália parece estar a “ofender” os republicanos.

Particularmente duro com as manobras de Salvini é o jornal Corriere della Sera, que, num editorial de Antonio Polito, deplora as jogadas políticas internas italianas no palco internacional.

“Enquanto a primeira-ministra Giorgia Meloni se encontrava com Biden na Casa Branca, o vice-primeiro-ministro Salvini fez saber que gostaria que Biden saísse da Casa Branca, derrotado pelo seu favorito Trump […] A vida algo provinciana dos partidos italianos leva-os muitas vezes a procurar uma razão de ser nos grandes assuntos internacionais. Quando o interesse nacional está em jogo, seria uma boa ideia mostrar um pouco de patriotismo e ficar calado, para não envergonhar o seu próprio país em nome de um interesse pessoal”, escreve.