O Pentágono anunciou oficialmente o fim, na segunda-feira, da sua guerra mais longa, com a retirada militar do Afeganistão, país que os EUA invadiram há 20 anos, logo depois terem sofrido os ataques terroristas de 11 de setembro.

O Afeganistão regressa assim às mãos dos talibãs, cujo primeiro regime (1996-2001) foi derrubado em dezembro de 2001, quando o grupo extremista se recusou a entregar o então líder da Al-Qaeda, Osama bin Laden.

A retirada das forças internacionais foi negociada com os talibãs, em fevereiro de 2020, e tem lugar 15 dias depois de o movimento rebelde ter conquistado Cabul, depondo o Presidente Ashraf Ghani.

A vitória dos talibãs desencadeou uma operação das forças internacionais que permitiu retirar do país mais de 100.000 estrangeiros e afegãos a partir do aeroporto de Cabul.

Com a capital afegã controlada pelos talibãs, a operação foi marcada pelo desespero de milhares de afegãos a querer fugir do país e por ataques do grupo extremista Estado Islâmico, incluindo um atentado bombista que matou cerca de 200 pessoas.

O secretário-geral das Nações Unidas (ONU), António Guterres, antecipa "uma catástrofe humanitária" no Afeganistão, caso faltem fundos para assistência ao país. A UNICEF estima que um milhão de crianças afegãs está em risco de sofrer desnutrição aguda grave se a situação no país continuar a deteriorar-se. O Reino Unido, que liderou o apoio aos Estados Unidos em 2001, está a ser criticado pela gestão "amadora" que fez da crise. E questiona-se não apenas a decisão dos EUA saírem do país, como a forma como essa saída foi executada e, por fim, a incapacidade de antecipar a tomada de poder pelos talibãs.

E não faltam desafios ao governo talibã que se propõe liderar os destinos do país daqui em diante.

Desconfiança

Existem suspeitas generalizadas e justificadas entre os afegãos sobre os talibãs. Na última vez em que governaram, de 1996 a 2001, impuseram uma interpretação drástica da lei islâmica, segundo a qual proibiam o acesso das mulheres à educação e aos espaços públicos, executavam os seus oponentes políticos e massacravam minorias religiosas e étnicas.

Desta vez, prometeram uma gestão mais branda que reconheça os direitos das mulheres. Mas o que interessa são as ações e não as palavras. As mulheres, especialmente nas cidades, temem sair às ruas e há pelo menos um foco de resistência armada no Vale Panshir, um reduto tradicional anti-Talibã.

Catástrofe humanitária e económica

O Afeganistão é um dos países mais pobres do mundo. Depois de os talibãs terem sido expulsos em 2001, o país recebeu uma grande quantidade de ajuda externa — só em 2020 essa assistência internacional representou mais de 40% do PIB. A maior parte dessa ajuda foi suspensa com a reconquista do poder pelos talibãs e estes não tem acesso aos fundos do Banco Central afegão depositados nos Estados Unidos.

A falta de fundos pode ser desastrosa para o novo governo, que terá de descobrir como pagar aos funcionários públicos e manter serviços essenciais como água, eletricidade e comunicações.

A ONU já alertou para a possibilidade de uma catástrofe humanitária, pois as reservas de alimentos no país estão baixas devido ao conflito e a uma seca severa.

Como insurgentes, os talibãs tinham capacidade de arrecadar centenas de milhões de dólares, mas a soma é mínima em comparação com as necessidades do Afeganistão, de acordo com especialistas.

O movimento islâmico assumiu o controlo de algumas fontes de recursos, como as receitas alfandegárias, mas também isso é uma fração das necessidades nacionais.

Fuga de cérebros

Além da falta de recursos, o país enfrenta outra escassez: pessoas qualificadas.

Com a saída das tropas americanas e a perda do controlo do governo anterior, os afegãos com estudos, experiência e recursos começaram a deixar o país.

Entre eles estavam funcionários públicos, trabalhadores de bancos, médicos, engenheiros, professores e estudantes universitários, todos aterrorizados com um futuro sob o regime de radicais islâmicos.

Os talibãs parecem estar cientes do impacto que essa fuga de cérebros terá na economia afegã, já que o seu porta-voz fez um apelo aos afegãos qualificados que permaneçam no país.

Isolamento diplomático

O primeiro governo talibã foi em grande parte um pária no cenário internacional. Mas, desta vez, os insurgentes parecem interessados em obter um amplo reconhecimento internacional, embora muitos países tenham suspendido ou encerrado as suas missões diplomáticas em Cabul.

O grupo mantém contactos com potências regionais como o Paquistão, Irão, Rússia e China, além do Qatar, que durante anos abrigou o gabinete político talibã. Mas ninguém o reconhece, e Washington já disse que o regime terá que conquistar a sua legitimidade.

Num aparente sinal de divisão sobre como lidar com os talibãs, China e Rússia abstiveram-se de votar uma resolução do Conselho de Segurança da ONU que pedia que permitissem a saída de afegãos do país.

Ameaça terrorista

A ameaça terrorista no Afeganistão não terminou com o fim da insurgência talibã.

Os seus rivais islamitas, uma facção regional do grupo Estado Islâmico (EI), já realizaram um ataque suicida em Cabul que fez cerca de 200 mortos no aeroporto durante a operação de retirada.

Os talibãs e o autoproclamado Estado Islâmico são extremistas sunitas, mas o segundo faz uma interpretação ainda mais rígida da lei islâmica.

O EI afirmou que continuará a lutar no Afeganistão e nas suas declarações refere-se aos talibãs como "apóstatas".

Assim sendo, o novo poder talibã enfrenta uma inversão de papéis: terá que defender a população afegã dos tipos de ataques realizados durante anos pelos seus próprios combatentes.

Por David Fox e Qasim Nauman/ AFP