Nem de Espanha, nem de Portugal, “[José] Saramago é ibérico”, consideraram hoje em Óbidos, no distrito de Leiria, Zeferino Coelho, da editora Caminho, e Juan Cruz, jornalista que durante alguns anos editou em Espanha a obra do escritor publicada pela Alfaguara.
Os dois editores partilham hoje com o púbico do Folio – Festival Literário Internacional de Óbidos as suas memórias sobre José Saramago (1922-2010), galardoado com o Nobel da Literatura há 20 anos.
Em 1979, Zeferino Coelho tornou-se no primeiro editor de José Saramago, na editora Caminho, em Portugal, publicando “uma peça de teatro”, mas foi no ano seguinte, com “Levantado do Chão”, que teve a certeza de que tinha em mãos “algo em grande”.
Para editor e autor, este foi o ponto de partida para uma parceria editorial de quatro décadas e uma amizade que perdurou até ao fim da vida do escritor.
A amizade que também o unia a José Saramago e o facto de a primeira editora em Espanha do futuro Nobel recusar publicar-lhe um livro de contos ditou, por outro lado, a “casualidade” de, em 1983, Juan Cruz se ter tornado no editor do Nobel no país vizinho.
De um e de outro lado da fronteira somam-se as histórias partilhadas entre os editores e o escritor que hoje ambos descreveram como “o autor que qualquer editor aspira a ter”.
Por ele, Juan Cruz deixou plantados, num colóquio, Ken Follett (autor de “Os Pilares da Terra”) e Arturo Pérez-Reverte (especialista em temas de terrorismo, tráficos e conflitos armados), “quando soube que Saramago tinha ganho o Nobel”, contou.
Já Zeferino Coelho estava com o escritor em Frankfurt, na Alemanha, numa feira do livro, no dia em que foi anunciado o primeiro e único prémio Nobel atribuído a um autor de língua portuguesa.
“Finalmente Saramago que, nos anos anteriores, tinha ficado entre os premiáveis, conseguiu”, declarou, recordando o momento em que o entusiasmo o levou a levantar o polegar, em sinal de vitória, “uma estupidez cometida antes de ter a confirmação”.
O prémio, concordaram os dois editores, “é um pouco de Portugal e um pouco de Espanha”, como o autor, que repartiu “alma e coração entre os dois países”, depois de se apaixonar por Pilar Del Río, com quem casou.
Antes disso, “aos fins de semana, ia visitá-la, de autocarro para Sevilha, e voltava para Portugal no domingo, também de autocarro”, lembrou Zeferino Coelho, sublinhado que “por detrás daquele aspeto austero estava um homem meigo”.
“Que gostava de mimo, que comentassem o que escrevia e que escreveu como ninguém sobre a alma humana”, acrescentou Juan Cruz, exemplificando com “Ensaio sobre a Cegueira”, a obra preferida dos dois editores.
Vinte anos depois de partilharem com José Saramago a alegria de ganhar o Prémio Nobel da Literatura, os dois editores do escritor partilharam hoje a “curiosidade” para saber o que escreveu o autor no último volume dos seus “Cadernos”.
O livro, que corresponde ao diário de 1998, será lançado na segunda-feira, simultaneamente em Portugal e Espanha, no âmbito das comemorações dos 20 anos da atribuição do prémio, mas, admitiram, nenhum dos dois sabe “o que lá escreveu Saramago”.
Dividido em cinco capítulos (Autores, Folia, Educa, Ilustra e Boémia), o Folio – Festival Literário Internacional de Óbidos decorre na vila até domingo.
O evento proporciona 831 horas de programação que envolvem 554 participantes diretos, entre autores, pensadores, artistas e criativos, distribuídos por 26 mesas de escritores, 25 concertos e 13 exposições, num programa com mais de 185 atividades.
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