A Dinamarca é o maior fornecedor mundial de pele de vison, respondendo por 40% da produção global, tendo a China e o território de Hong Kong como os principais mercados de exportação.
Na Dinamarca existem 1.139 quintas de criadores de visons, empregando cerca de 6.000 pessoas, que agora admitem que o abate massivo destes animais acabará com este negócio.
Todavia, nas últimas semanas a situação alterou-se. No início de novembro, a Dinamarca, o maior exportador mundial de peles destes mamíferos, anunciou que mais de 15 milhões de visons do país seriam abatidos depois de ter sido descoberto que uma mutação do coronavírus presente nos animais poderia prejudicar a eficácia de vacinas futuras. Além disso, a mutação já infetou mais de 200 pessoas na Dinamarca — sendo que as primeiras infeções foram detetadas entre as pessoas que trabalham em quintas de visons, mas também entre a população local.
No entanto, dias depois, o governo teve que reconhecer que não tinha base jurídica suficiente para ordenar essa medida.
O então ministro da Agricultura, Mogens Jensen, desculpou-se e acabou por renunciar ao cargo na semana passada.
Após a renúncia de Jensen, o Ministério da Saúde concluiu que a ameaça potencial às vacinas humanas estava "muito provavelmente extinta", pois não houve mais casos de animais ou humanos infectados por essa versão do vírus (denominada Cluster 5).
A primeira-ministra em lágrimas
A chefe do governo visitou, na quinta-feira, uma criação de visons no município de Kolding — onde todos os animais foram abatidos apesar de estarem saudáveis, algo que o Executivo não tinha direito legal de fazer, como foi demonstrado posteriormente.
"Não tenho problemas em pedir desculpa pelo curso dos acontecimentos, já que erros foram cometidos", disse Frederiksen à TV2.
Visivelmente emocionada, a primeira-ministra parou várias vezes para enxugar as lágrimas, ressaltando que é importante lembrar que a culpa não é dos criadores.
"É por causa do coronavírus, e espero que possa haver um pouco de luz no fim do túnel para os criadores de visons dinamarqueses neste momento", acrescentou.
De acordo com o último balanço, mais de dois terços dos entre 15 e 17 milhões de visons que se estima ter na Dinamarca já foram abatidos.
Um caso que não é único na Dinamarca
Em maio, as autoridades holandesas anunciaram que proibiram o transporte de peles de visons em todo o país depois de dois trabalhadores de uma quinta do sul do país terem "provavelmente" contraído covid-19 através daqueles pequenos mamíferos.
Na altura, referiu-se que estas possíveis contaminações poderiam ser os “primeiros casos conhecidos de transmissão” do novo coronavírus de animal para homem, de acordo com a OMS.
Nesse contexto, o Governo dos Países Baixos tornou obrigatória a despistagem da covid-19 em todas as quintas de visons do país, onde os animais são criados para aproveitamento das peles.
Todavia, foi referido que as autoridades de saúde acreditavam que o risco de contaminação fora das quatro quintas holandesas onde foram registados visons infetados tinha sido “marginal”.
Já este mês, a 24 de novembro, cientistas polacos detetaram os primeiros casos do novo coronavírus em visons no país, tendo examinado 91 animais criados em cativeiro e confirmado a infeção em oito deles.
Os casos de coronavírus foram detetados numa fazenda de criação de visons na região da Pomerânia, no norte da Polónia.
As descobertas dos cientistas polacos surgiram dois dias depois de o Governo francês ter ordenado o abate de todos os visons de um cativeiro depois de uma análise ter mostrado que uma versão mutante do novo coronavírus estava a circular entre os animais, pelo que o caso se começa a espalhar um pouco por toda a Europa.
A mutação encontrada nos visons pode realmente o curso da pandemia?
Apesar de a informação sobre a mutação ter levado ao anúncio de medidas drásticas no país nórdico, nomeadamente com o abate de cerca de 15 milhões destes animais, e de Organização Mundial de Saúde (OMS) e Centro Europeu de Prevenção e Controlo de Doenças (ECDC, na sigla em inglês) se terem também pronunciado, a virologista Maria João Amorim, investigadora principal no Instituto Gulbenkian de Ciência (IGC), rejeitou eventuais alarmismos.
“Não há doença mais severa e a transmissibilidade nem sequer foi [uma questão] levantada. Não me parece, para já, preocupante”, disse a cientista, que se apoiou nos dados conhecidos para refutar um grande impacto na alteração da proteína Spike, que permite a ligação às células: “A imunidade é muito mais complexa. Além de impedir a entrada, há outros mecanismos que podem não impedir a entrada, mas resultam numa infeção menos severa”.
Por sua vez, o imunologista Luís Graça, professor na Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, reconheceu que “as diferenças entre o animal e o ser humano dão um estímulo evolutivo para o vírus se adaptar e se tornar diferente” e que essa “pressão evolutiva” em hospedeiros animais pode dar azo a crescentes mutações, mas sustentou que esse é um processo comum entre vírus e não acarretam necessariamente um maior risco.
“Com os dados que temos disponíveis, não é uma variante que seja particularmente mais perigosa. Não se transmite mais do que outra variante - o que faz com que não haja uma pressão seletiva para que esta se vá espalhar mais depressa no mundo do que outra - e não causa doença mais grave do que as outras variantes que estão na comunidade”, sublinhou.
De acordo com o também investigador no Instituto de Medicina Molecular (iMM), a principal diferença na variante identificada nos visons na Dinamarca e que chegou aos seres humanos está na “redução moderada na capacidade dos anticorpos neutralizantes”. Como consequência, pessoas anteriormente infetadas com o novo coronavírus teriam maior probabilidade de poderem contrair nova infeção por esta variante.
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