Uma semana depois do incêndio que começou neste concelho no dia 17 e que provocou 64 mortos e mais de 200 feridos, a Igreja Matriz de Pedrógão Grande encheu-se de gente, após o toque dos sinos. Ouviram-se os primeiros cânticos de "Aleluia". Hoje, o dia é de rezar e de homenagear as vítimas do incêndio que durante uma semana pulverizou quase na totalidade o concelho.

No adro em frente àquele monumento nacional, além dos jornalistas, vão chegando algumas pessoas mais atrasadas, em passo acelerado. Ninguém ficou indiferente à tragédia que lhes levou os "filhos da terra".

A família Santos, José e Manuela, na casa dos sessenta anos, têm uma casa na Lameira Cimeira, próximo de Vila Facaia. Perderam bens, os terrenos que possuem no local foram incinerados pelo fogo. Uma casa agrícola, vinhas e olival foram varridos do mapa. Restou a casa. "Felizmente, não temos familiares entre as vítimas", explicou Manuel Santos. Com a voz embargada e com a emoção ao rubro, deixa escapar: "É uma tristeza".

Já a sua esposa, Manuela Santos, quer falar, mas a emoção tolda-lhe a voz: "Para quem estava habituado a vir cá fazer férias, ver tudo queimado é uma tristeza". Quando questionada sobre aquilo que será o futuro, depois de um olhar para o vazio, responde: "Esperemos. É difícil responder".

O casal tinha estado em Pedrógão Grande e saiu para Porto Salvo, em Oeiras, onde reside e regressou no domingo. "Quando cá chegámos [Pedrógão Grande], estava tudo queimado. Só ficou a casa", disseram. Antes de conseguirem chegar à vila, estiveram retidos no Avelar, na Sociedade Filarmónica Avelarense, onde receberam apoio psicológico e alimentação.

"Ficámos lá à espera que houvesse uma aberta para vir para casa. Havia lá muita gente na mesma situação. Trataram-nos muito bem, não faltava nada", explicou Manuel Santos. Sobre a situação daqui para a frente, Manuela Santos reafirma que é difícil responder e, sobre as promessas políticas, limitou-se a afirmar que "há muita teoria e pouca prática".

Fernanda Marques aproxima-se da porta da igreja com a carteira pendurada numa das mãos e o rosto completamente fechado. Apesar de não ser natural de Pedrógão grande, veio viver para a vila com 12 anos. "Cresci aqui. Felizmente, não perdi casa nem familiares, tenho habitação na vila. Mas, tenho amigos e conhecidos que perderam tudo, inclusivamente, familiares", afirmou com a voz carregada de emoção.

A septuagenária, com os olhos molhados, solta um "está muito difícil. Está muito mal". "Muitos amigos e conhecidos ficaram sem nada, perderam entes queridos, isto é muito difícil", afirma.

A missa começou. Ouvem-se cânticos. De repente faz-se silêncio e segue-se o Pai Nosso. A homenagem religiosa prosseguiu, com a homilia a ser celebrada pelo pároco de Pedrógão Grande, Júlio dos Santos.

"Nós encontrámos um jardim. O que vamos deixar? Um caixote do lixo?"

O padre da paróquia apelou à união, à capacidade de superação das gentes do Pinhal e à defesa do ambiente, porque o Homem está na Terra para cuidar dela e não para a destruir. O Homem, sublinhou o padre Júlio Santos, está na terra para cuidar dela e "não para a destruir", sendo uma espécie de "gerente da criação".

"Nós encontrámos um jardim. O que vamos deixar? Um caixote do lixo? Quando se atribuem culpas, olhemos primeiro para isto", pediu aos seus paroquianos o padre natural de Escalos Fundeiros, local onde terá começado no dia 17 o incêndio que atingiu o interior norte do distrito de Leiria e que provocou 64 mortos e mais de 200 feridos.

Durante a homilia da missa realizada na Igreja Matriz de Pedrógão Grande, a palavra do padre centrou-se nessa necessidade de se gerir bem o mundo, que, "quando há má gerência, a firma vai à falência". "O mundo não é só dos homens", frisou o padre, salientando que foi dada liberdade ao ser humano para "agir".

Durante a homilia, Júlio Santos recordou também o luto que toda a região faz, numa missa onde se cantou "tirai-me do lamaçal para que não me afunde".

Apesar de todos fazerem o luto, deve-se, "com a obrigação para com os que foram, continuar a vida e vivê-la profundamente, disse. "Chegou a altura de nos unirmos, pelo amor".

Depois da missa, Júlio Santos, em declarações aos jornalistas, afirmou que a missa foi "a missa habitual do domingo", mas, talvez, vivida doutra maneira. Com a homilia, quis mostrar que todos são "responsáveis por isto".

"O Homem está a ir contra a natureza, em muitas das coisas, e a natureza tem as suas leis", notou, chamando também a atenção para a desertificação do interior, espelhada nos próprios paroquianos sentados durante a missa - a maioria idosos. "Há 20 ou 30 anos não havia tanto mato", constatou, vincando que se abandonou a floresta e o interior.

Para o futuro, Júlio Santos deixa uma mensagem de confiança, que as pessoas de Pedrógão Grande "estão habituadas a enfrentar muita coisa" e a terra acabará por se reerguer "com a força das pessoas".

Notícia atualizada às 15h18

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