A Associação dos Profissionais e Empresas de Mediação Imobiliária de Portugal (APEMIP) poderá ver cancelado um projeto de mais de 500 mil euros, aprovado este ano, financiado por fundos europeus através do Compete 2020, e ainda arrisca ter de devolver dinheiro de um projeto anterior (2017 a 2019) por ter alterado, sem comunicar, alguns pressupostos.
Em causa está a marca Houses of Portugal, registada pela primeira vez no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) no início de 2018 em nome da APEMIP, mas que em novembro do ano passado foi transferida para a 2L2M - Imobiliária, uma sociedade por quotas de que Luís Lima, presidente da APEMIP, é sócio e presidente.
O projeto Houses of Portugal, como pode ver-se aqui, recebeu 528 mil euros de apoio financeiro da União Europeia através do FEDER e tem como entidades beneficiárias a APEMIP e a APCMC - Associação Portuguesa dos Comerciantes de Materiais de Construção, que aparecem como promotores.
A candidatura foi aprovada em abril deste ano e a execução projeto teve início em junho e termina em junho de 2022. O objetivo é "alavancar as exportações do imobiliário e materiais de construção", "através de campanhas coletivas e estratégicas que aumentem a visibilidade da oferta de valor nos mercados externos", sobretudo "Brasil, Reino Unido, Canadá e Malásia".
Segundo o Compete 2020, "a candidatura, quando foi apresentada, cumpria todos os critérios de elegibilidade e de acesso definidos, tendo merecido uma avaliação positiva na análise realizada pela AICEP, responsável pela seleção das candidaturas na área da internacionalização".
Já em 2017 as duas associações se tinham candidatado em conjunto e viram aprovado um financiamento de mais de 400 mil euros para o Houses of Portugal, como mostra esta listagem pública. Na altura, o objetivo foi "aumentar a notoriedade internacional da fileira".
Acontece que "todas as alterações devem ser comunicadas ao Compete 2020 através do balcão do projeto", explicam os responsáveis pelo Programa Operacional Competitividade e Internacionalização. O que não foi feito no caso da mudança de titularidade da marca Houses of Portugal, asseguram os mesmos responsáveis.
As regras do Compete 2020 ditam ainda que "constitui como obrigação contratual dos apoios concedidos não afetar a outras finalidades, locar, alienar ou por qualquer outro modo onerar os bens e serviços adquiridos no âmbito dos projetos apoiados, sem prévia autorização da entidade competente para a decisão, durante o período de três anos após a conclusão do projecto, sob pena de redução do apoio ou mesmo revogação do projeto".
Por outras palavras, todas as alterações têm de ser comunicadas ao Compete 2020 e os pressupostos subjacentes ao projeto têm de manter-se inalterados nos três anos seguintes à conclusão do projecto. Por outro lado, o instrumento através do qual os dois financiamentos foram concedidos é o Sistema de Apoio a Ações Coletivas (cujas regras podem ser consultadas aqui), o que significa que o dinheiro não pode servir para financiar empresas ou projetos privados.
Mesmo quando se trata de projetos individuais, esclarecem os responsáveis do Compete 2020, há nuances importantes. "Além da regra que estabelece, ao nível dos auxílios do Estado, um limite dos montantes co-financiados para estes casos, não pode ser a empresa a beneficiária", mas sim o conjunto das ações a desenvolver (e que vai beneficiar terceiros, por isso é coletiva).
Por este motivo, as alterações efetuadas podem ter consequências, incluindo a revogação do projeto agora aprovado ou mesmo a devolução, total ou parcial, de fundos já recebidos pelo projeto anterior (2017-2019).
Neste contexto, o Compete 2020 avança que irá desde já "proceder às devidas averiguações e acionar os mecanismos legais, se necessário".
Questionado sobre os termos do financiamento do Compete 2020 e as implicações da transferência da marca Houses of Portugal, o presidente da APEMIP, Luís Lima, começa por assegurar que "se o Compete disser alguma coisa, vamos fazer o que o Compete diz”.
A transferência da marca Houses of Portugal da APEMIP para a empresa pessoal de Luís Lima foi feita há um ano, como mostram os registos do INPI. Para a justificar, Luís Lima diz que "a ideia da marca foi minha, eu é que a emprestei à APEMIP. E agora, passei uma declaração para a emprestar outra vez à APCMC e à APEMIP, enquanto houver [novo] projeto".
Quando foi registada pela primeira vez, a Houses of Portugal ficou em nome da APEMIP, não em seu nome. Só posteriormente, quase dois anos depois, se tornou propriedade da 2L2M - Imobiliária.
Numa resposta por escrito, o presidente da APEMIP diz que, "tendo desde logo Luís Lima demonstrado interesse em registar este nome [Houses of Portugal - Value & Style] como marca, situação que foi articulada com a APCMC, indicaram os serviços jurídicos da APEMIP que a melhor alternativa seria registar esta marca em nome da associação, passando-a para Luís Lima findo o projeto". "Entretanto, ambas as associações procederam à submissão de um novo projeto, tendo a 2L2M emitido uma declaração para usufruto da marca durante a vigência do mesmo".
Os serviços jurídicos, coordenados pela secretária-geral da APEMIP, Ana Avelar, assumem que "operámos formalmente a transferência da marca, mas não foi decisão dos serviços jurídicos, a indicação terá sido do presidente da APEMIP, nomeadamente depois de ter falado com os parceiros".
A alteração do título de propriedade terá acontecido sem o conhecimento dos associados e da direção. Um dos cinco vice-presidentes da associação, Fernando Santos, responsável pela área de Coimbra e centro, e que tem o pelouro administrativo e financeiro, remeteu qualquer explicação para Luís Lima, adiantando que só ocupa o cargo desde Janeiro deste ano.
Já o vice-presidente responsável para a área sul, Reinaldo Teixeira, garante que só teve conhecimento "depois de estar feito". "Se tivesse tido conhecimento em devido tempo, teria sido contra". E lembra que "em tudo aquilo que sejam marcas ou património da APEMIP, a assembleia é soberana". Prefere, no entanto, guardar mais explicações para os órgãos competentes.
O presidente da mesa da assembleia geral, João Pessoa e Costa, admite que Luís Lima não terá falado com a direção, "mas sim com um membro aqui, outro ali". Apesar de reconhecer "a metodologia errada" e "o conflito de interesses", acredita que foi assim porque o presidente da APEMIP é um homem "voluntarioso".
Luís Lima reforça que, "para ser mesmo da APEMIP, tinha de haver uma deliberação e a direção teria de aprovar [a marca] para passar para o imobilizado [ativos da associação]. Nunca a direção pediu o registo de alguma coisa”.
Se nunca pediu e se não houve deliberação, como é que a marca estava registada no INPI em nome da APEMIP e porquê? "Porque a APEMIP é a parceira no negócio e enquanto fosse parceira eu preferia que pudesse estar num dos parceiros para proteger o nome", diz. "O único que podia ficar zangado comigo era o meu parceiro, a APCMC, porque o projeto é deles e nosso”.
O secretário-geral da APCMC, que lidera o projeto, diz que se trata de "um consórcio" entre as duas associações. José de Matos confirma a nova candidatura e explica que, devido aos entraves entretanto causados pela pandemia, só parte do projeto está a avançar, motivo pelo qual a instituição que representa recebeu um pequeno adiantamento.
Até ao presente, e em relação ao projeto em execução agora aprovado, "foi apenas processado um pagamento, correspondente ao adiantamento por início do projeto (39.780€), confirmou o Compete 2020.
José de Matos conta ainda a ideia "nasceu há anos". O objetivo foi "juntar esforços de vários sectores para conseguir maior impacto lá fora, onde Portugal não é conhecido pela qualidade e tecnologia dos seus materiais", diz José de Matos. "Desafiámos várias associações, mas, por vários motivos, seguiram outros caminhos".
Ficou a APCMC e a APEMIP. "O dinheiro é dividido por tarefas, mais ou menos a meio", mas "fica logo tudo definido na candidatura", assegura. Quanto à marca Houses of Portugal, "foi criada por nós" e "a APEMIP tomou a iniciativa de a registar, o que a nós não faz diferença nenhuma, sabemos que assim está protegida", "até porque registar em conjunto é uma trapalhada".
A Houses of Portugal não foi a única marca a sair da orla da APEMIP. Também a SIP, registada no INPI em nome da APEMIP desde o início de 2018, foi transferida para a 2L2M - Imobiliária em novembro de 2019. A SIP - Salão Imobiliário do Porto tem como objeto promover a oferta imobiliária nacional, em particular da região Norte. Na próxima edição, que deverá realizar-se de 3 a 6 de junho de 2021 na Exponor, são esperados 30.000 visitantes e 130 empresas expositoras. Apesar da mudança, a APEMIP mantém-se no site do evento como contacto para informações ou inscrições.
Luís Lima justifica que "o salão do Porto é um projeto pessoal meu, há um acordo com a APEMIP. Sou o presidente da comissão organizadora, está assinado pela direção. Não é um projeto APEMIP, a APEMIP faz parte da organização". E, por isso, "deixa de pagar 60 mil euros que pagaria para estar no salão. Mas não é só a APEMIP, há cinco ou seis ou sete estruturas que fazem parte da organização do Salão Imobiliário do Porto".
Ou seja, "o salão é uma coisa, a marca é outra. Mandámos registar há pouco tempo [transferir da APEMIP para a 2L2M], e fiz a mesma coisa: uma declaração. Claro que ajudo o presidente da APEMIP, porque assim me estou a ajudar a mim mesmo. Se o presidente da APEMIP não fosse Luís Lima, não ajudaria", remata.
Luís Lima é presidente da APEMIP, da APEMIP Serviços, uma sociedade detida a 100% pela associação, da CIMLOP, uma confederação internacional fundada pela APEMIP, da sociedade por quotas 2L2M - Imobiliária, da FIABCI - Federação Internacional das Profissões Imobiliárias, e é também um dos nove vice-presidentes da CCP- Confederação do Comércio e Serviços de Portugal e um dos sete vice-presidentes da CPCI - Confederação Portuguesa da Construção e do Imobiliário, entre outros cargos que ocupa.
Nega que possa existir qualquer conflito de interesses e lembra que no caso da APEMIP, onde está desde 2009, concorreu sempre com lista única (à exceção de 2013). Nas últimas eleições, "entreguei a lista no último dia do prazo", recorda. "Estatutariamente, se não houver ninguém eu sou obrigado" a concorrer. Mas, independentemente de tudo, garante que nas próximas eleições não será candidato, "nem que eu tenha de invocar uma questão médica".
Enquanto isso, houve demissões na associação. Em meados de julho deste ano, o presidente do conselho fiscal, Domingos Ferreira da Silva, renunciou ao cargo que deveria ocupar até final de 2022. Ao SAPO 24 disse que saiu porque "o meu ponto de vista não é igual ao rumo que as coisas têm seguido". No entanto, deixa claro, "a primeira coisa que fiz foi informar todas as pessoas com responsabilidade dentro da associação sobre os motivos que me levavam a sair".
Domingos Ferreira da Silva prefere não dar mais explicações nesta fase, "face àquilo que eu acho que a APEMIP merece em termos do valor que tem para os seus associados" e para não pôr a associação em xeque.
Ao sair da APEMIP, Domingos Ferreira da Silva renunciou também à gerência da APEMIP Serviços e retirou da associação a sua empresa, a Predial Parque - Sociedade de Mediação Imobiliária, Lda.
Sobre estas saídas, Luís Lima lembra que "isto não é nenhuma ditadura" e "as pessoas têm direito a ter as suas opiniões".
As contas já foram aprovadas pelo conselho fiscal e serão votadas na assembleia geral marcada para dia 30 de novembro.
A APEMIP tem cerca de 14 trabalhadores e mais de 2 mil associados. Na resposta escrita, Luís Lima esclarece que "a informação solicitada é de carácter interno", remetendo-nos para o website da associação, "na secção de pesquisa de associados". A associação vive das quotas e jóias pagas pelos associados (100€ + 75€ trimestrais), dos eventos que organiza, da academia de formação e de patrocínios.
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