Os primeiros minutos do debate deram a impressão de que o ponto-chave entre Ana Gomes e João Ferreira seria uma eventual convergência à esquerda, que trouxe Marisa Matias para a conversa e que o candidato afeto ao PCP não afastou.

Ana Gomes, que garantiu ter "todo o gosto" em debater esta terça-feira com João Ferreira, deixou claro que à sua frente não tinha um adversário direto — uma vez que esse seria Marcelo Rebelo de Sousa —, não mostrando inicialmente qualquer animosidade para a conversa desta noite. Já João Ferreira começou mais cedo a mostrar que pretendia marcar a diferença entre os dois — e o tema Europa foi fraturante para que tal acontecesse.

"Estarei sempre disponível para convergências, sobretudo quando a democracia está em causa e sob ataque. O mais importante é que aqueles que entendem a importância da democracia, mesmo tendo muitas divergências, se possam unir para regenerar a democracia", disse Ana Gomes.

Por seu turno, o dirigente comunista declarou que fez questão de "apresentar [a candidatura] como um espaço de convergência". "Não faz sentido dizer que não encaro a possibilidade de convergência", assumiu — mas não sem deixar o pé atrás, também no que diz respeito à atuação de Marcelo Rebelo de Sousa.

"Sou mais crítico do que a Ana Gomes relativamente ao que foi o exercício dos poderes do atual Presidente, ao longo dos últimos cinco anos, porque se afastou desse juramento [de cumprir e fazer cumprir a Constituição]. Eu não teria promulgado alterações à legislação laboral que desorganizaram a vida de muitos trabalhadores por via do banco de horas, que deixaram os jovens perante situação de maior vulnerabilidade", afirmou, por seu turno, João Ferreira.

Ana Gomes disse que, nas questões do trabalho, "não podia estar mais de acordo com o João [Ferreira]".

"Como é fundamental valorizar o trabalho e dar condições, criar emprego, emprego decente, bem remunerado, em atividades que respondam às imperativas transições digital e energética, para responder às transições climáticas", enumerou, valorizando o contributo do PCP para a aprovação de sucessivos orçamentos do Estado desde 2015.

Sobre a Europa, Ana Gomes referiu bem as diferenças. "Esta é a grande divisão que tenho em relação ao João Ferreira porque sou profundamente europeísta e mais convicta hoje de que sem a Europa nós não nos salvamos", respondeu a militante socialista.

  • "Apoiei a Geringonça, tive pena que não houvesse uma Geringonça II"  — Ana Gomes
  • "O João não é claramente o meu adversário nesta contenda. Considero que o meu adversário é o professor Marcelo" — Ana Gomes

  • "Há uma corrente de apoio à minha candidatura que vai além do meu partido" — João Ferreira

  • "Acredito que uma segunda volta é possível. A sondagem que conta é a do dia 24" — Ana Gomes

  • "Sou mais crítico do que a Ana Gomes [em relação a Marcelo] — João Ferreira

  • "O Presidente da República não é Governo e não devemos fingir que ele é Governo" — João Ferreira

Quando o assunto Europa veio para cima da mesa, as opiniões divergiram. João Ferreira, confrontando por Carlos Daniel quanto às suas posições, referiu que não defende a saída de Portugal da União Europeia, mas sim que "o país não deve aceitar decisões que são prejudiciais" nem medidas contrárias ao seu interesse. Por outro lado, o biólogo e candidato apoiado PCP admitiu que a saída do Euro como moeda única seria uma hipótese — mas não houve tempo para explicar porquê.

Ana Gomes não hesitou em dizer que "esta é a grande divisão" no frente a frente com João Ferreira. "Sou profundamente europeísta. Sem a Europa não nos salvamos", afirmou, lembrando a importância desta união "desde as questões do digital até à vacina".

"A cooperação só por si não chega, há uma sinergia, uma partilha de soberania. É absolutamente indispensável a nível global", lembrou.

Marcelo: as críticas a quem não estava no debate

Por sua vez, no que diz respeito à opinião quanto ao trabalho desempenhado por Marcelo Rebelo de Sousa, João Ferreira garante ser "mais crítico do que a Ana Gomes", apontando vetos que "jamais faria". 

"Não teria promulgado alterações à legislação laboral que desorganizaram a vida de muitos trabalhadores e deixaram os jovens perante uma situação de maior vulnerabilidade", começou por enumerar. "Não teria vetado uma lei que permitia a determinados inquilinos exercer um direito de preferência", continuou João Ferreira, afirmando ainda que "não teria criado dificuldades a que nas Áreas Metropolitanas se consagrasse definitivamente o caráter público dos transportes públicos". 

Com isto, o candidato à presidência da República frisou ainda que regista "vários momentos em que [Marcelo Rebelo de Sousa] se afastou do juramento", de cumprir e fazer cumprir a Constituição. Além disso, lembrou ainda que "o Presidente da República não é Governo e não devemos fingir que ele é Governo".

Já Ana Gomes, que voltou a admitir que o atual presidente é o seu adversário direto nestas Presidenciais, afirmou que Marcelo "não foi um presidente à altura do que precisávamos", referindo a título de exemplo o que se passa na Justiça e a situação pandémica, com as declarações de estado de emergência.

"Na Justiça, o Presidente tem contacto direto com operadores da justiça e compete-lhe incentivar a Justiça a funcionar", apontou, evocando o caso do MAI e a fusão de polícias que foi defendida em Belém pelo diretor nacional da PSP. "Como foi possível tolerar isto?", questionou. "E o Governo tolerou mas o Presidente também", atira.

No que diz respeito às decisões em tempo de pandemia, Ana Gomes afirmou que é "contra a banalização do estado de emergência" e que se estivesse no lugar de Marcelo "teria pedido à Assembleia da República uma lei de proteção sanitária".

Todavia, Ana Gomes disse que, nas questões do trabalho, “não podia estar mais de acordo com o João [Ferreira]".

"Como é fundamental valorizar o trabalho e dar condições, criar emprego, emprego decente, bem remunerado, em atividades que respondam às imperativas transições digital e energética, para responder às transições climáticas", enumerou, valorizando o contributo do PCP para a aprovação de sucessivos orçamentos do Estado desde 2015.

Segundo o eurodeputado comunista, "nem Ana Gomes aceitaria uma imposição de Bruxelas de querer transformar uma Caixa Geral de Depósitos, com papel essencial na economia, numa espécie de ‘caixinha’ ou de tornar a TAP uma subsidiária de uma companhia de bandeira alemã", pois "o Presidente da República tem de ter uma palavra a dizer".

Quem apoia quem?

A antiga eurodeputada socialista mostrou-se crente numa "segunda volta", pois "a sondagem que conta é a de dia 24 [de janeiro]", data das eleições presidenciais.

Confiante de que os jovens vão votar, Ana Gomes referiu que "é tempo de reclamar este país". "O país é deles, se não assumirem o controlo não saímos da cepa torta", atirou.

De seguida, a candidata aproveitou para lembrar que apresenta "uma candidatura não partidária".

"Não venho fazer marcação de territórios, venho para concorrer", disse. "Sempre achei que o PS devia ter um candidato da sua érea, próprio; faz falta para a democracia portuguesa. Por isso decidi avançar na falta de um candidato do PS", afirmou, frisando que se tem "sentido muito apoiada por elementos do [seu] partido", bem como pelo Livre e pelo PAN.

João Ferreira, por sua vez, não fica atrás. Com candidatura apoiada pelo PCP, não hesita em dizer que o apoio vai mais longe. "Há uma corrente de apoio à minha candidatura que vai além do meu partido", garante.

O que aconteceu no passado

Num momento mais quente do debate, Ana Gomes confrontou João Ferreira com votações realizadas enquanto eurodeputado, no Parlamento Europeu: vieram à tona o voto contra o imposto europeu sobre as grandes multinacionais digitais e até a abstenção quanto ao relatório sobre o escândalo financeiro LuxLeaks.

Já no final — nos últimos 30 segundos e em frases sobrepostas —, João Ferreira atirou à ex-deputada que "artifícios da linguagem" deviam ficar fora do debate, lembrando que a sua posição quando à UE diz mais respeito à "aceitação de formas de integração que colocam os países em pé de desigualdade na hora da decisão". 

Com os microfones a serem desligados, João Ferreira tentou atirar que as sanções de Bruxelas foram aprovadas também por Ana Gomes — e acabaram por ter efeitos sobre Portugal. Do lado de Ana Gomes já não houve tempo para resposta.

No que toca a uma convergência de esquerda, os dois candidatos à presidência encontram pontos comuns — mas não em tudo.

A diplomata socialista Ana Gomes sugeriu, durante o debate, uma eventual convergência de esquerda, entre a sua candidatura presidencial e as da bloquista Marisa Matias e do comunista João Ferreira e o candidato apoiado pelo PCP não recusou a hipótese.

"Estarei sempre disponível para convergências, sobretudo quando a democracia está em causa e sob ataque. O mais importante é que aqueles que entendem a importância da democracia, mesmo tendo muitas divergências, se possam unir para regenerar a democracia", disse a antiga eurodeputada do PS, que lembrou que, por vezes, é preciso "unir para regenerar".

Por seu turno, o dirigente comunista declarou que fez questão de "apresentar [a candidatura] como um espaço de convergência". "Não faz sentido dizer que não encaro a possibilidade de convergência", assumiu.

Todavia, João Ferreira lembrou que "a situação da convergência não deve ser discutida em abstrato" e que a sua "candidatura tem princípios que são insubstituíveis", deixando antever que, para já, não pondera a convergência.

É caso para dizer que é mais aquilo que os une do que aquilo que os separa. Numa conversa que começou equilibrada, com pontos comuns, poucas foram as pontas por onde Carlos Daniel puxou que pudessem dar a vitória no debate a um dos candidatos.

Se Marcelo, não estando presente, foi um alvo fácil para os dois, Ana Gomes e João Ferreira apenas se teriam confrontado realmente se o tempo do debate fosse alargado. Por aprofundar ficou a questão da Europa, tema que, claramente fraturante, teria permitido à ex-eurodeputada marcar a diferença frente àquele que não considera um adversário direto.

João Ferreira, esse, certamente não ficaria calado e não perdoaria o que considera erros do passado — tivessem os microfones ficado ligados mais uns minutos.

As eleições presidenciais têm lugar no próximo dia 24 de janeiro. Marcelo Rebelo de Sousa, Ana Gomes, Marisa Matias, Tiago Mayan, João Ferreira, André Ventura e Vitorino Silva estão na corrida a Belém.