"[Hoje sinto] um pouco de raiva, ontem foi medo", disse à AFP Fernando Escobar, dono de uma cafeteria na capital equatoriana. Desde domingo, várias quadrilhas criminosas e traficantes de drogas têm demonstrado a sua força em retaliação aos planos do presidente Daniel Noboa de subjugá-los com mão de ferro: mais de uma centena de agentes da polícia e funcionários penitenciários foram feitos reféns por prisioneiros, agressões a jornalistas e inúmeros ataques armados que resultaram em 14 mortes, de acordo com o balanço mais recente.
"Estamos em estado de guerra e não podemos ceder a esses grupos terroristas", afirmou Noboa à rádio Canela nesta quarta-feira, depois de declarar na terça um "conflito armado interno" no país.
Perante a nova onda de violência, o presidente Noboa anunciou uma guerra frontal contra cerca de vinte organizações, que juntas somam mais de 20 mil membros, e atribuiu estatuto "beligerante" às quadrilhas. "Este governo está a tomar as ações necessárias que nos últimos anos ninguém quis tomar. E para isso é necessário ter grande coragem, não coragem de papelão", declarou o presidente de 36 anos em uma entrevista à rádio.
Dezenas de militares protegem a sede presidencial no centro de Quito, enquanto que, no norte, o Parque La Carolina, um dos maiores da cidade de quase três milhões de habitantes, está vazio sem os seus habituais praticantes de desporto. Poucos carros circulam nas avenidas da capital e também em Guayaquil, a cidade portuária que — dada a sua localização estratégica — se tornou nos últimos anos o epicentro do tráfico de droga para os Estados Unidos e a Europa.
A ofensiva de organizações criminosas, ligadas a cartéis do México e da Colômbia, incluiu uma invasão inusitada e espetacular gravada ao vivo na terça-feira. Homens armados com metralhadoras e granadas ocuparam um canal público de televisão durante o noticiário do meio-dia, ameaçaram jornalistas e atiraram em dois funcionários. Não houve mortes, e vários agressores foram presos.
O ataque em Guayaquil à sede do canal TC Televisión aumentou o pânico entre a população, que rapidamente abandonou as ruas e foi proteger-se nas suas casas.
"O susto que passamos ontem foi forte. Hoje não estamos seguros, qualquer coisa pode acontecer", declarou Luis Chiliguano, um segurança de 53 anos que prefere "esconder-se" a "enfrentar a delinquência, que está melhor armada".
Uma fuga que tudo agravou
O terror instalou-se após a fuga de Adolfo Macías, conhecido como "Fito", chefe do principal cartel criminoso do país, Los Choneros, que estava detido numa prisão de Guayaquil.
Fito cumpria pena de 34 anos na Penitenciária Regional de Guayaquil por crime organizado, tráfico de drogas e homicídio. A imagem em que aparece com excesso e os cabelos desgrenhados deu a volta ao mundo após o assassinato, em agosto, do candidato presidencial Fernando Villavicencio, que o tinha denunciado dias antes por ameaças.
Centenas de soldados e polícias procuram Fito, enquanto vigora um estado de exceção em todo o país, inclusive nas prisões, além de um toque de recolher obrigatório de seis horas, a partir das 23h locais.
Na terça-feira, outro chefe do crime escapou da prisão. Fabricio Colón Pico, um dos líderes do gangue Los Lobos; é acusado de sequestro e planeamento do assassinato da procuradora-geral do país.
Os presos amotinaram-se em diferentes prisões e detiveram mais de 100 agentes penitenciários, dos quais 41 foram libertados.
Ao todo, as autoridades prenderam 329 "terroristas", abateram outros cinco e recapturaram 28 presos foragidos, informou o comandante das Forças Armadas, Jaime Vela.
Nesta quarta-feira, os Estados Unidos disseram-se dispostos a "enfrentar a violência", mas descartaram um "apoio militar". Já o Brasil e a Argentina disponibilizaram-se a mobilizar efetivos para ajudar a conter os gangues. O Peru colocou toda a sua fronteira com o Equador sob estado de emergência, enquanto que a Colômbia militarizou o seu território fronteiriço.
Brasil, Colômbia, Chile, Venezuela, República Dominicana, Espanha, União Europeia (UE) e a ONU rejeitaram a violência. França e Rússia advertiram os seus cidadãos para não viajarem para o Equador.
Localizado entre Colômbia e Peru, os maiores produtores de cocaína do mundo, o Equador foi, durante muitos anos, um país a salvo do narcotráfico. Nos últimos tempos, porém, foi transformado num novo baluarte do tráfico de drogas, com cerca de 20 gangues disputando o controlo do território, mas unidas na sua guerra contra o Estado.
O ano de 2023 terminou com mais de 7.800 homicídios e 220 toneladas de drogas apreendidas, novos recordes nesse país de 17 milhões de habitantes.
Noboa chegou ao poder em novembro como o presidente mais jovem da história do país, com a promessa de enfrentar o tráfico de drogas com mão forte. Foi eleito por 18 meses para completar o mandato de quatro anos do seu antecessor, Guillermo Lasso.
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