Depois de dias a bater recordes negativos, Portugal registou ontem, dia 25 de janeiro, 252 mortes relacionadas com a covid-19 e 6.923 novos casos de infeção com o novo coronavirus.

Recuando um pouco, a 15 de janeiro de 2021, Portugal regressou ao "dever de recolhimento domiciliário", sendo decretadas novas medidas. Nessa panóplia de restrições, a escola manteve-se aberta, sob o mote  "de não voltar a sacrificar a atual geração de estudantes”. A decisão, que não reuniu consenso, foi reavaliada em poucos dias.

Assim, a 21 de janeiro, António Costa anunciou que as escolas iam encerrar, "para proteção da comunidade escolar" e segundo postula o "princípio da precaução". A justificação é a de que a nova estirpe inglesa do vírus tem vindo a crescer e as suas características mais contagiantes, associadas aos elevados números de casos já existentes, colocarão em causa a saúde de estudantes, professores e outros funcionários de ação educativa.

A interrupção, que se prolonga até 8 de fevereiro, deverá ser compensada posteriormente, no período que estava destinado a férias de Carnaval e Páscoa. Entretanto, e enquanto se espera que o Governo decida se há condições para que sejam retomadas as aulas presenciais depois desta data, as escolas estão já a preparar-se para a eventualidade de terem de prosseguir com o ano letivo à distância ou em regime misto.

"Esta situação não tem boas soluções... Apenas soluções menos más. Temos que ir monitorizado e ajustando as coisas para o mal menor", disse ao SAPO24 Margarida Gaspar de Matos, psicóloga clínica e da saúde e professora catedrática da Universidade de Lisboa quando pedimos a sua reação ao encerramento dos estabelecimentos de ensino.

O SAPO24 conversou com duas psicólogas sobre esta temática. No entanto, devido às reviravoltas a que se sujeita a vida em tempos de pandemia, as entrevistas tiveram lugar em dois momentos distintos: antes e depois de António Costa anunciar que as escolas encerrariam de facto. As questões centrais, porém, mantêm-se.

Judite Fragoso, também psicóloga e a trabalhar em contexto escolar, contou ao SAPO24 que a semana que antecedeu o encerramento foi vivida com "uma ansiedade crescente", tanto por parte de pais como de alunos. Estávamos "num ponto sem retorno: mesmo que as escolas não fechassem, os alunos deixavam de ir às escolas", afirmou. Assim, e face ao "aumento substancial de casos", concorda com o encerramento. Estas alturas precisam de medidas mais assertivas".

Quando a prioridade é travar as infeções, a única coisa possível a fazer é "monitorizar", diz Margarida Gaspar de Matos . "Toda a gente tem riscos, temos é de ter riscos controlados em função dos nossos objetivos de vida, dos nossos valores", diz a psicóloga, lembrando um pensamento do também professor Henrique Barros.

"É preciso uma grande sorte" em matéria de covid-19, mesmo tomando todas as precauções recomendáveis. E, "quando essa sorte se multiplica pelas escolas todas que há no país, a escola começa a fracassar" e "é natural que comecem a aparecer alguns casos", o que "não quer dizer que a decisão do governo tenha sido boa ou má".

"Quando releio outros textos que escrevi sobre o assunto tenho uma outra interiorização do que é viver isto em tempo real", nota, concluindo que não é possível ter opiniões inamovíveis em tempos de pandemia.

E "como em tempo de guerra não se limpam armas", neste agravado contexto epidemiológico, é preciso, antes de mais, conter as infeções.

Depois é fundamental estar atento à "segurança e à exposição aumentada e não vigiada a vulnerabilidades psicossociais", como são exemplos a insegurança alimentar, a violência física ou a violência psicológica. Em terceiro lugar impõem-se "as questões da saúde mental", como o "agravamento de situações prévias e problemas de ansiedade, depressão, comportamento com toda esta fadiga e desesperança".

A aprendizagem, essa, "resolve-se depois".

Isto não retira todavia a importância da escola na formação do indivíduo. Judite Fragoso salienta que "a escola é um contexto fundamental no desenvolvimento das crianças", referindo-se não só às propostas curriculares, mas também ao espaço físico de socialização entre alunos e entre alunos e professores que a mesma providencia.

De acordo com a psicóloga, tão importantes como os momentos "de maior seriedade, em que o foco é a sala de aula", serão também os "momentos de maior descontração", em que as crianças podem estar ao ar livre, fazer desporto ou conversar.

Margarida Gaspar de Matos revê-se nesta ideia, salientando que o mais importante para os jovens será o "aspeto da socialização que a escola lhes trás", até porque, nota, temos uma classe estudantil que liga "muito o sucesso às avaliações e à questão dos trabalhos" e que não lida com essa pressão da maneira mais saudável.

Sem soluções ideais à vista "já que estamos a fechar [as escolas], vamos concentrar-nos em limitar a transmissão e a exposição doméstica a vulnerabilidades", rematou Margarida Gaspar de Matos.

Para a psicóloga esta pode ser, aliás, uma boa oportunidade de se "fazer uma excelente revisão curricular", de se focar "no ambiente afetivo na escola" e apostar numa "desburocratização".

Portugal diz não a "sacrificar a atual geração de estudantes”. E o que diz a Europa?
TIAGO PETINGA/LUSA

"Quando se tem 10 ou 11 anos, perder um ano é uma percentagem muito grande de uma vida"

Com as escolas a prepararem-se para a eventualidade de dar continuidade ao ano letivo com o ensino à distância ou em regime misto, há vantagens e desvantagens a considerar.

Apesar de esta "geração tecnológica" estar muito bem preparada para lidar com o meio digital, a verdade é que este não permite uma interação professor-aluno perfeita, diz Judite Fragoso. Às vezes, para prender a atenção dos estudantes, um "simples toque" ou um "olhar que se troca" pode fazer a diferença na aprendizagem e no "desenvolvimento cognitivo", explicou. Depois, o ambiente online não permite, por exemplo, esclarecer uma dúvida pontual ou pedir para um aluno ir realizar um exercício ao quadro.

Assim, neste novo ambiente de aprendizagem, "precisamos muito mais que sejam os miúdos a dar-nos o feedback, o que muitas vezes não estão preparados para fazer", diz Judite Fragoso, acrescentando que, independentemente da idade, a distância física dificulta o trabalho do professor, nomeadamente a perceber quais são realmente as dificuldades dos seus alunos.

Acresce a isto a difícil compartimentação na vida das crianças. "Quando, de repente, transpomos a nossa escola para dentro de nossa casa, às vezes misturam-se os contextos e nem sempre isto é ajustado", explicou.

Revendo o que foram os meses desde o encerramento das escolas decretado em março de 2020, Margarida Gaspar de Matos fala em diferentes "fases". "Quando os miúdos foram mandados para casa tiveram ali uma espécie de party-party, houve ali uma altura que era assim uma espécie de uma festa fantástica, umas feriazitas, e eles ficaram num estado quase de euforia". Depois, "passaram da euforia para uma certa apreensão e de uma apreensão para uma certa adaptação". No final do ano letivo, notou, "já estava tudo muito saturado de estar em casa".

"Quando a pessoa tem 40, 50, 60 anos perde um ano. Quando se tem 10 ou 11 anos, perder um ano é uma percentagem muito grande de uma vida", disse, dando como exemplo as festas de final de ano ou as excursões de finalistas que já não vão voltar. "São pontos de não retorno, são experiências que os miúdos não tiveram naquela altura e já não vão ter".

Refletindo sobre o regresso às aulas, em setembro de 2020, Margarida Gaspar de Matos descrete também uma trajetória "por fases". Primeiro, os jovens começaram por estar bastante felizes por poderem regressar à socialização escolar. No entanto, com o tempo dá-se uma "fadiga grande associada à não normalidade".  E é necessário que este cansaço seja vigiado, na medida em que a "saúde mental destes miúdos vai precisar de muita atenção".

"Não imagina o que foi setembro, estes miúdos vinham completamente histéricos - eles vinham radiantes", conta Judite Fragoso. "Eles só diziam: 'como é que eu inventava desculpas para ficar em casa, como é que eu dizia que estava doente para os meus pais me deixarem ficar em casa - eu nunca mais vou fazer isto'. De facto, eles sentiram muito a falta deste contexto [escolar] ".

Nas ultimas semanas, enquanto de ponderava se as escolas iriam ou não permanecer abertas, bastantes crianças estavam mesmo "em sobressalto", na expetativa de saberem o que iria acontecer, diz a psicóloga. "São miúdos que têm acesso à informação", que têm telemóveis com acesso a notícias e que "vivem isto muito na primeira pessoa". " [Eles] percebem que a sua vida pode mudar de um dia para o outro", o que pode resultar, rematou Judite Fragoso, numa maior autorresponsabilização, manifesta pelo respeito das regras, como o uso de máscara.

Este tempo estranho que vivemos ensina-nos a ser "resilientes" e acaba por incentivar a que nos reinventemos, prosseguiu a psicóloga. "Isto é um 'boost' para o nosso desenvolvimento enorme" e "vai ser uma coisa importante na vida destes miúdos", que vivem numa sociedade que "achava que planeava tudo, que organizava tudo e que dominava tudo".

Numa mensagem destinada aos pais, Margarida Gaspar de Matos, que tem mantido contacto com investigadores de outros países, reitera os conselhos que, em setembro, já tinha deixado no SAPO24. "Isto é uma pandemia, isto é sério e têm de ter cuidado". No entanto, "uma pessoa stressada não faz melhor do que uma pessoa que mantém a calma", disse.

E "sem medo". "Para já temos uma emergência sanitária", mas, em breve, será possível encarar, com serenidade, "o desafio da recuperação", disse.

E que decisões se tomam na Europa?

Europa: Escolas Abertas ou Fechadas?
Mapa construído através do site mapchart.net.

O mapa acima representado foi montado com a conjugação de dados disponibilizados pela UNESCO e pela Insights for Education.

Deste modo, em Inglaterra, o primeiro-ministro, Boris Johnson, anunciou, no início deste mês, um confinamento de seis semanas para conter a aceleração da pandemia no país, incluindo o encerramento das escolas até pelo menos meados de fevereiro. Não obstante, o ensino prossegue online, desde a primária até às universidades. Já os infantários, continuam abertos.

“O governo está a dar instruções novamente para ficarem em casa. Só podem sair de casa por motivos restritos previstos na lei, como comprar bens essenciais, trabalhar se não o puder fazer de casa, fazer exercício, ter assistência médica, ou escapar a violência doméstica”, anunciou no dia 4 de janeiro.

Situação semelhante ocorre, em geral, na Irlanda do Norte, na Escócia e no País de Gales, onde as escolas estão fechadas, noticia a BBC. Ainda assim, na Escócia, por exemplo, as universidades têm autonomia para adotar um regime misto entre o presencial e o online e no País de Gales alguns exames considerados essenciais podem ser realizados in loco.

Para além do Reino Unido, também na Alemanha, como nos Países Baixos ou na Dinamarca, não estão a acontecer aulas presenciais e a situação prosseguirá, indica a BBC, até, pelo menos, ao final da segunda semana de fevereiro. Não obstante, na Ucrânia as escolas acabaram ontem de reabrir.

Por outro lado, em França, as escolas vão continuar abertas - tal como em Espanha -, mas há reforço do protocolo sanitário nas cantinas, não estão autorizadas as atividades físicas em locais fechados nas escolas e há o objetivo de realizar pelo menos um milhão de testes de covid-19 por mês para controlar eventuais focos de contágio escolares. Já as universidades devem reabrir até ao final do mês de janeiro, de forma "muito progressiva", num sistema de presenças alternadas, especialmente para os alunos do primeiro ano do ensino superior, anunciou o primeiro-ministro francês Jean Castex no dia 14 de janeiro.

Na Áustria, as escolas permanecem fechadas, tendo o estado de emergência sido prolongado até ao dia 7 de fevereiro. Já na Grécia a regra é agora que as escolas primárias e os centros de infância funcionam presencialmente - situação diametralmente oposta à de Itália, em que são os estudantes do secundário que vão à escola, mas divididos em grupos e nunca enchendo uma sala de aula por completo.

Por fim, a norte, na Suécia, país que deu nas vistas no início da pandemia pelas políticas mais liberais que adotou, dá-se agora uma situação mista, entre o ensino presencial e o remoto. No entanto, as políticas neste aspeto mudam de região para região dentro do mesmo país.

* Texto de João Maldonado, editado por Inês F. Alves

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