O PAN, partido que em maio desencadeou a revisão da legislação sobre a nomeação da administração do Banco de Portugal (BdP), propunha um 'período de nojo' de cinco anos para quem tenha desempenhado funções na banca comercial, em auditoras ou consultoras, mas também para membros do Governo (primeiro-ministro, ministro das Finanças e secretários de Estado das Finanças).
Em votação hoje na Comissão de Orçamento e Finanças, foi apenas aprovado ‘período de nojo’ para quem tenha exercido funções no setor privado (que até agora não existia) e de três anos, indo avante a proposta socialista que alterava o projeto de lei do PAN.
Continuará, assim, sem existir na legislação a obrigação de um intervalo temporal entre o exercício de cargos políticos e a ida para governador ou administrador do BdP.
Após a votação na especialidade, o deputado do PS Fernando Anastácio considerou positivo que esta discussão não tenha caído na “tentação de legislar em função da fotografia do momento” e que tenha vencido a conceção de que “não há qualquer incompatibilidade entre quem prossegue o interesse público, seja na administração pública, no Governo ou no Banco de Portugal”.
O importante, afirmou, foi o estabelecimento do ‘cordão sanitário’ entre setor privado (que é supervisionado) e o BdP (que supervisiona) e mostrou-se satisfeito por o 'período de nojo' aprovado ter sido de três anos, pois cinco anos era “excessivo”.
Pelo PCP, Duarte Alves afirmou que para o partido não há “qualquer incompatibilidade entre o exercício de cargos políticos e o exercício de funções no Banco de Portugal”, considerando que o “grande problema é a captura dos supervisores pelos setores supervisionados" e defendeu que devia ter sido aprovado nesse caso o 'período de nojo' de cinco anos.
O deputado comunista disse que a discordância manifestada pelo PCP sobre a ida para governador de Mário Centeno (ministro das Finanças de governos PS entre novembro de 2015 e junho de 2020) não se devia a isso, mas por o economista não garantir que “o BdP deixe de ser uma sucursal do Banco Central Europeu”.
Duarte Alves criticou ainda que esta legislação só entre em vigor em 01 de janeiro, pois dá tempo para serem feitas nomeações para BdP sem ser ao abrigo das novas regras.
Pelo BE, Mariana Mortágua afirmou que “há quem tente fazer equivaler incompatibilidade do regulador perante o sistema financeiro e perante o poder político”, numa visão que entrega o poder nas instituições públicas a “técnicos supostamente isentos quando, na verdade, estão comprometidos com interesses do sistema financeiro ou com o pensamento que domina”.
“Tanto supervisores como decisores públicos defendem o interesse público”, afirmou, considerando que o problema é supervisão e regulação estarem dominadas pelo sistema financeiro e não “estarem dominadas por ideias politicas legítimas”.
A bloquista criticou que não passe a haver um parecer vinculativo do parlamento aos nomeados para a administração do BdP. A proposta socialista aprovada implica esse parecer, mas não vinculativo.
Pelo PSD, Duarte Pacheco considerou “positivo” este processo legislativo ao reforçar a transparência na nomeação para o BdP e o prazo de inibição de três anos para quem esteve no setor privado (os sociais-democratas tinham proposto dois anos).
Contudo, considerou excessivo que a inibição se aplique a todos os que venham de órgãos sociais da banca comercial: “Estar na mesa de uma assembleia geral não significa qualquer comprometimento com as decisões do banco”, disse.
Defendeu ainda que o parlamento deveria ter criado um regime de incompatibilidades “mais profundo e mais sério” com ‘período de nojo’ para detentores de cargos políticos.
“O facto de os detentores de cargos políticos ficarem de fora desta inibição é claramente um defeito desta lei. Significa que os dirigentes políticos continuam a criar uma situação diferente, auto defendendo-se para poderem passar para a administração do Banco de Portugal”, afirmou.
Pelo CDS-PP, Cecília Meireles considerou que não havia qualquer necessidade de se ter atrasado a votação desta legislação desde maio/junho e quando já não tem efeito prático na nomeação do governador - Centeno foi proposto pelo Governo em junho e tomou posse em julho - e reiterou a posição de que o regime de incompatibilidades devia incluir cargos políticos.
“Mário Centeno vai ter um mandato marcado por incompatibilidades, vai ser visível no Novo Banco”, disse, referindo-se a Centeno ter como ministro aprovado operações que estão a ser escrutinadas (venda do Novo Banco à Lone Star ou injeções de capital pelo Fundo de Resolução).
Comentários