Para Jorge Silva Melo, diretor dos Artistas Unidos (AU), sediados em Lisboa, os atrasos nos subsídios e as indecisões da DGArtes fizeram de 2018 “a pior temporada teatral” que a companhia conhece.
“Perdemos técnicos a quem não conseguimos garantir salário – estamos a trabalhar só com um técnico -, perdemos atores apalavrados a quem não conseguimos garantir datas de trabalho e vencimento, anulámos espetáculos, tivemos de fechar o Teatro da Politécnica em março-abril, e não chegámos a estrear uma peça de Pau Miró que queria dirigir, perdemos locais de apresentação de espetáculos no segundo semestre, pois muitos não conseguiram aguardar pela nossa confirmação e anularam a proposta de coprodução ou apresentação”, sublinhou Jorge Silva Melo em declarações à agência Lusa.
Segundo o diretor dos AU, a companhia ficou também impossibilitada de programar 2019, uma vez que em julho já devia estar a calendarizar produções no espaço da Politécnica e fora dele, além de que ainda estão hesitantes sobre o que irão apresentar em novembro/dezembro deste ano.
No Porto, o Teatro Experimental do Porto, que viu a candidatura ser considerada inelegível, vai apresentar um recurso para ser “ressarcido dos prejuízos causados”, segundo o diretor, Gonçalo Amorim.
“É um absurdo o TEP não ser apoiado e não lhe ser permitido dar este salto que finalmente merecia. Felizmente, a Câmara do Porto deu-nos a mão, mas mantém-nos ligados à máquina”, admitiu o diretor.
O apoio da Câmara Municipal do Porto, anunciado dias após serem conhecidos os resultados definitivos do programa de apoio sustentado, foi também crítico para o Festival Internacional de Marionetas do Porto (FIMP), como explicou o diretor, Igor Gandra, que disse ter a autarquia do Porto tomado a decisão de também apoiar o FIMP com “70 mil euros, em 2018”, e o mesmo, em 2019, ou seja, o “mesmo montante” com que a DGArtes apoiava a iniciativa.
O diretor do FIMP, que em 2019 faz 30 anos de existência, assume que o futuro do festival, após 2020 e nos anos vindouros, é ainda uma incógnita, mas realça que este ano e em 2019 vai conseguir manter-se, porque a Câmara do Porto assumiu o compromisso de continuar a apoiar e reforçar as verbas.
Ainda no Porto, a Seiva Trupe, que viu a sua candidatura ser classificada como inelegível, suspendeu as três coproduções que tinha previsto para esta temporada: “Olhamos para o horizonte e só se vê um nevoeiro cerrado”, admite Júlio Cardoso, da companhia com 45 anos de trabalho no Porto, lembrando que fizeram um “recurso hierárquico” dirigido ao secretário de Estado da Cultura, Miguel Honrado.
Em Coimbra, as duas companhias profissionais de teatro melhoraram substancialmente a sua situação face ao apoio que lhes era atribuído nos últimos anos: a Escola da Noite passa de uma média de 123 mil euros por ano para 242 mil euros e O Teatrão, que tinha sido excluído de apoio em 2015, passa a contar com 120 mil euros anuais.
Inicialmente de fora do apoio atribuído pela DGArtes nos resultados preliminares, a Escola da Noite sublinha que o financiamento vai permitir a contratação de mais duas pessoas para a equipa (em 2013, face aos cortes, a estrutura foi reduzida), mas, mesmo assim, o valor agora concedido representa 60% do valor solicitado na candidatura, o que limita, “de forma drástica, a ambição do projeto”, em especial a programação do Teatro da Cerca de São Bernardo, disse à agência Lusa Pedro Rodrigues, da direção da companhia.
Já O Teatrão, que tinha sido excluído de apoios anuais de 2015 até agora, vai passar a contar com um financiamento de 120 mil euros anuais, abaixo do valor pedido (200 mil euros) e do financiamento que recebia antes da exclusão em 2015 (160 mil euros anuais), o que implica alterações “nos projetos de criação e programação”, afirmou a diretora da companhia, Isabel Craveiro, que sublinhou que pretendem agora equilibrar as contas, apesar de o financiamento ainda não ser o suficiente para esta estrutura cultural “se reorganizar como devia, e como era a sua aspiração”.
No Teatro Viriato, em Viseu, “houve necessidade de repensar a estrutura” e, segundo a diretora, foi necessário “prescindir de elementos da equipa fixa e, inevitavelmente, essa reestruturação também passa pela programação artística”, admitiu Paula Garcia.
A Associação Cultural e Recreativa de Tondela (ACERT), que teve uma redução de 52 mil euros por ano, em relação ao apoio anteriormente concedido, segundo o diretor, José Rui Martins, descarta a possibilidade de saídas de profissionais, porque “na ACERT os despedimentos não decorrem em moldes meramente empresariais”, uma vez que “pertencer à equipa (...) é uma opção que não se consubstancia numa relação somente salarial, mas [tem] uma implicação apaixonada por um projeto com que se sonha”.
A Fundação Bienal de Arte de Cerveira ficou sem qualquer financiamento no âmbito do programa de apoio sustentado da DGArtes, mas, apesar das circunstâncias, “foi decidido avançar com a 20.ª edição da Bienal de Arte mais antiga do país e da Península Ibérica, por forma a assinalar e dignificar os 40 anos deste evento que promove de forma distinta a arte contemporânea e a cultura portuguesa a nível nacional e internacional”, afirmou a vice-presidente, Margarida Barbosa.
“A decisão da DGArtes obrigou a constrangimentos financeiros, tendo tido também como consequência uma revisão orçamental por parte da Câmara Municipal de Vila Nova de Cerveira”, sublinhou a mesma responsável.
Já o diretor do Centro Dramático de Évora (Cendrev), José Russo, cuja companhia foi contemplada pela DGArtes com cerca de 128 mil euros para este ano, e perto de 131 mil euros para 2019, lembra que a estrutura do Cendrev “está reduzida ao mínimo desde o tempo dos cortes na Cultura do Governo de José Sócrates”, e que este financiamento “irrisório” com que a companhia foi agora contemplada não vai implicar nova redução de pessoal, mas sim “redução de trabalho”.
“Tivemos de refazer o programa que apresentámos à DGArtes, porque não nos deram o orçamento que pretendíamos, e já reduzimos trabalho e anulámos uma produção. O que é mau, porque não beneficia as dinâmicas culturais que temos vindo a desenvolver ao longo destes anos e que queremos continuar a implementar”, argumentou.
Por outro lado, o diretor do Teatro Experimental de Cascais (TEC), Carlos Avilez, confirmou à agência Lusa que o financiamento do TEC para 2018, cerca de 211 mil euros, já foi atribuído.
“Foi um drama muito grande, mas já está resolvido. Adaptámos o nosso orçamento às verbas que nos foram atribuídas, fizemos os necessários ajustes e vamos continuar”, disse.
Por seu turno, Miguel Seabra, um dos codiretores do Teatro Meridional, em Lisboa, enfatizou o facto de que nenhum outro setor com financiamento direto do Estado – exemplificando com empresas de transportes como a Carris, Metro, hospitais públicos, escolas e professores – teria “aguentado alguma vez esta vergonha de, durante seis meses, não terem recebido um cêntimo do Estado”.
"A única coisa positiva que este Governo conseguiu com isto tudo foi unir gente de todas as áreas da cultura na maior manifestação de todo o setor artístico de que há memória na história de Portugal”, disse Miguel Seabra, numa alusão às manifestações realizadas a 06 de abril, em Lisboa, Porto e noutras capitais de distrito.
Também o diretor da Companhia de Teatro de Almada e do Festival de Almada, Rodrigo Francisco, não compreende como se pode continuar a menosprezar o trabalho do setor artístico em Portugal, tratando-o sempre como o “parente pobre” da política.
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